Radar #46 – Leadbelly Masterworks

NUNO MINDELIS

Um dia George Harrison disse: “No Leadbelly, no Beatles” (Sem Leadbelly, sem Beatles). Acaba de ser lançada uma coletânea que faz jus à célebre frase do meu Beatle solo favorito. É uma edição limitada intitulada Leadbelly Masterworks Volumes 1 e 2, com mais de 40 faixas remasterizadas e mais de duas horas de música. O CD1 tem os seus mais importantes trabalhos a portas fechadas, digamos (não sei se se poderia chamar de estúdio) e no 2 aparecem seis faixas ao vivo nunca editadas antes.

Só foram feitas 3 mil cópias desta caixinha e o mais grave, Lucas, meu simpático editor, terá que se deslocar ao Reino Unido ou aos EUA para pegar a sua cópia ou encomendá-la pela Amazon. E rápido, pelo que vi há poucas já.

https://www.youtube.com/watch?v=cu7gafphe9M

Enquanto isso não acontece, terá que colar no artigo as faixas de estúdio que tinham sido previamente lançadas, para dar uma ideia da riqueza e importância desta figura absolutamente vital para a música do século 20, para o surgimento do rock como o conhecemos e, neste em especial, para a chamada “British invasion”. Na real, até proponho colar uma chuvinha de versões de Midnight Special, seria um exercício bem legal, além de enriquecedor.

Good Night Irene, gravada pelos The Weavers em 1957 foi um hit estrondoso e Rock Island Line é considerada a precursora (e causadora) do movimento ‘Skifle” (a partir da versão de Lonnie Donegan em 1955). E, como já dito, da famosa British Invasion (Beatles, Animals, Kinks, Dave Clark Five, Stones, Herman’s Hermits, Hollies etc).

https://www.youtube.com/watch?v=NS_Ri76gwY4

Uma das minhas prediletas é Midnight Special, que deve ter ensejado mais de uma centena de versões. Quer uma ideia? Big Bill Broonzy, Eric Clapton, The Beatles, Sonny Terry & Brownie McGhee, Odetta, Les Paul, The Kingston Trio, Pete Seeger, Peter Paul and Mary, Burl Ives, Big Joe Turner, Bobby Darin, Cisco Houston, Jimmy Smith, Mungo Jerry, Van Morrison, Little Richard, Buckwheat Zydeco, Otis Rush, The Spencer Davis Group, Lonnie Donegan, Long John Baldry, The Kentucky Headhunters, Willie Watson, Mischief Brew, Creedence Clearwater Revival e põe etecetera nisso.

As de Odetta e do Creedence são as que mais gosto, por enquanto. Até o grupo ABBA a gravou, conseguindo o feito difícil de lhe retirar uma densidade indispensável, transformando-a em algo esquisitamente festivo e fútil, parecido com o show da Xuxa ou com o Menudo (bem distante em dramaticidade do ambiente onde foi criada).

Embora a canção não seja de Leadbelly, a sua interpretação foi gravada pelo famoso historiador e musicólogo / folclorista Alan Lomax (para a Biblioteca do Congresso americano em 1934), que por engano lhe atribuiu a autoria, de fato nunca definida. Supõe-se que nasceu de forma difusa nas prisões americanas do sul dos EUA, entoada pelos prisioneiros e refere-se a um trem.

Aqui há algumas versões, a principal a de que era uma ode ao referido trem, que um dia os levaria para longe da prisão, outra a de que era preferível ser atropelado por ele a ficar no cárcere, outra a de que a sua luz (vista das celas quando passava de noite) era a ‘luz no fim do túnel’, a luz da liberdade etc..

Leadbelly (que pisava na bola e era preso com alguma frequência) fez a gravação histórica na prisão de Angola, a Penitenciária do Estado da Louisiana, também chamada de Alcatraz do Sul, daí provavelmente a confusão de Lomax.

Huddie William Ledbetter, Lead Belly ou Leadbelly nunca soube que milhões e milhões de pessoas ouviram Good Night Irene, nem de nada de nada do que legou além dela. Morreu antes, em 1949. Que coisa, essa vida (e morte !) de artista!

Quem conhece Leadbelly re-ouça, quem não conhece, conheça!

Abraço, pessoas especiais da meia-noite.