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Radar - Nuno Mindelis

Radar #47 – Walter Wolfman Washington – My Future is My Past

NUNO MINDELIS

Walter Wolfman Washington não faz, neste disco pelo menos, o tipo de ‘blues’ que me arrebatou na infância e na adolescência.

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Nessa época a inovação fervilhava, a psicodelia coloria e incendiava o planeta e o blues cultuado era o de Chicago, Howling Wolf, Muddy Waters, BB King, Elmore James, Little Walter, John Lee Hooker etc (e põe mais uns 50 etcetera pelo menos, por aí). Este era o blues dos ‘véio” que estava sendo relido e eletrificado pelas novas gerações , em especial a inglesa que, a partir dos Beatles, fincava as tendências mais do que nenhuma. Mayall, Clapton, Zeppelin, Jimi, Pink Floyd, Stones, Jeff Beck, Ten Years After, todo o Woodstock (põe 100 etcetera no mínimo) são filhinhos de Chicago, mais especificamente da Chess Records.

A chamada música ‘careta” era aquela coisa de Standards, como Days Of Wine and Roses, Summertime etc., que ora vai para o jazz, ora para a canção Jazzy, como Billie Hollyday, Louis Armstrong etc.. E assim era taxada pela minha geração porque não continha os ingredientes do rock, era na verdade ‘pré-rock’, nem uma pista dele, nada de ácido, nada de frenesi, de drive, era coisa de coroa. Sinatra. O que acabou sendo injusto até com Fats Domino. Quando ouço hoje caio de costas com força! Caraca! Esse era rock and roll, mas a palavra ainda não tinha sido inventada para ele.

E por que Chicago não era ‘véio’ se também era? Porque aqueles outros ‘véio’ usavam guitarra elétrica com volume alto. Tinha a ver com o nascimento do rock diretamente. Muddy e Bo Diddley colocaram o volume (de guitarras de corpo sólido, como os roqueiros, outra diferença) no 10. E havia raízes, feias, sujas e malvadas.

Vinicius disse “pedoem-me as feias mas beleza é fundamental”, eu costumava dizer “perdoem-me os eruditos mas rock é fundamental”. Suassuna e Badem Powell discordavam, vi ambos na TV declararem que o rock não presta e tal, é “inconsistente”. Pena. Imaginou Baden tendo feito a fusão? Ahhh! Seria a segunda revolução da música brasileira, certeza (a primeira e única foi a Bossa, por mais que a Tropicália queira ‘insistir-se’) . E outro que queria ter visto e ouvido fazer isso era Chico. Dylan é um Chico que se reinventa constantemente. Certo ele. Bom, saí da trilha, voltando ao Wolfman:

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Vai um pouco nessa direção de repertório ‘careta’ às vezes , mas isso passa a ser irrelevante . Primeiro porque independe de preferências pessoais, impôe-se por si só, como algo de altíssima qualidade. Ou alguém é maluco de contestar Billie Holliday ou Chet Baker? Wolfman é dono de uma voz incrível e toca uma guitarra legal, sabe se acompanhar sozinho e sabe solar. Há pianos irresistíveis (Even Now, segunda faixa, delicioso Rhodes piano (que aparece em outras faixas também) deliciosa bateria, especialíssima voz! Só essa já justifica o disco todo).

Depois vem What a Difference a Day Makes? Não falei? Mas… é só voz e contrabaixo acústico durante os primeiros compassos e depois entra algo que ainda não consegui identificar, lá no fundo. Xilofone com eco feito por sintetizador? Depois rola um solo do contrabaixo com caixinha de fósforos ou similar, para segurar. Só. Altamente minimal. Vai encarar? Bela versão do ‘véio’standard. Virou novo standard. Midas.

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Em Save Your Love for me ( faixa 4) , só guitarra e voz, Wolfman começa a mostrar porque foi convidado para integrar a banda de Lee Dorsey quando ainda era adolescente em New Orleans (onde nasceu), por que fez três álbuns pela cultuada Rounder Records e por que integrou o cast da poderosa Pointblank Records (Virgin) nos anos 1980, entre outras piruetas importantes no showbizz.

Na sequência, I Don’t Want To Be a Lone Ranger, podemos sacar bem a assinatura do homem. É o tipo R&B que ele criou, o Hammond tem um timbre e uma levada celestial, para dizer o mínimo. Todos os tecladistas deveriam ouvi-lo. E a voz e canto dele dispensam comentários. Como cereja do bolo, a guitarra polvilhando pergunta-resposta, típico do blues e resvalando para um solo bem legal e groovado. Eita. Em Steal Away (track 6) a voz ganha drive e pode entrar na galeria das grandes vozes do gênero. Garanto.

Confira. A voz do homem, sozinha, já merece isso.

Abraço, pessoas antenadas!

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