Aproximadamente 20h. Sob um céu chuvoso que esfriava o Estádio do Morumbi, o Iron Maiden fez história novamente: ateou fogo sob a chuva. Fez o calor emergir entre as 65 mil pessoas que lotavam o espaço, com um show milimetricamente orquestrado pela turnê Legacy of the Beast.
Mesmo próximo ao show apresentado no Rock in Rio, a banda não perde sua força. Como o próprio Bruce Dickinson desafia, eles estavam prontos para fazer em São Paulo o melhor show da banda no Brasil. De fato, conseguiram.
O cenário de guerra tomou conta do primeiro bloco. A réplica do avião de guerra britânico Spitfire pairando pelo palco é apenas a cereja no bolo; são múltiplos adereços distribuídos que constroem sua narrativa.
A banda abre o show com Aces High, precedida pelo tradicional discurso de Winston Churchill. Em seguida, vem Where Eagles Dare, uma peça rara no repertório da banda. Na sequência, 2 Minutes to Midnight, a primeira a tirar o público para cantar junto.
The Clansman, sobre o herói de guerra escocês William Wallace, ganha potência no vocal de Bruce. Com espada em mãos, o frontman trava uma disputa contra Eddie, o mascote de três metros que o desafia durante The Trooper. Revelations, um clássico da banda que foi inspirado no ocultista Aleister Crowley, abre o segundo bloco da apresentação.
A introdução grave de For the Greater Good of God traz o clima sombrio que vai de catedral a cemitério. The Wicker Man e Sign of the Cross, a última com introdução marcante do baixista Steve Harris, seguem a sequência épica.
Fogo! Fogo!
Para bom entendedor, meia dúzia de labaredas basta para introduzir uma sequência “infernal”. Mas o Iron Maiden nunca vem para fazer pequeno. Com atuação explosiva de Bruce Dickinson e sua trupe, embalam mais uma sequência de hits com presença de palco incontestável.
Um Ícaro gigante bate suas asas ao fundo, enquanto Bruce entoa Flight of Icarus. Ao mesmo tempo, percorre todo o palco com seu lança-chamas, disparando fogo de acordo com os pontos mais altos da canção.
O vocalista troca de figurino para Fear of the Dark. Desafiando a proposta da canção, o público ilumina o estádio com um mar de flashes. Do palco, a sobriedade da introdução é acompanhada de escuridão quase total, com apenas uma luz verde mirando o público.
The Number of the Beast é tocada com palco todo vermelho, ilustrando a chegada ao inferno. Outra versão de Eddie, mais infernal, exclama sobre as chamas ao fundo do palco. Iron Maiden, o clássico homônimo que nunca pode faltar, energiza a plateia.
Com muito mais fogo, explosões e adrenalina, a banda leva The Evil That Men Do e Hallowed Be Thy Name para o bis. A cartada final é Run to the Hills, que acelera o instrumental para uma finalização com gostinho de quero mais.
The Greatest Showman
Bruce Dickinson é um espetáculo a parte. Não é surpresa para ninguém que seu alcance vocal seja incrível, mas ver como continua no auge de seus vocais aos 61 anos, mesmo após enfrentar um câncer na garganta em 2015, é impressionante.
Presenciar o fenômeno de sua afinação, sem qualquer tropeço, é uma experiência sem precedentes. Bruce continua com os agudos mais fortes e cativantes, subindo notas que arrepiam.
“Scream for me, São Paulo!”, entoava o frontman em vários momentos. Como um maestro, Bruce coordenava todas as ações do público por suas palavras e gestos. Mesmo antes de tocarem seus principais hits, a banda já tinha o Morumbi inteiro em suas mãos.
A teatralidade é um diferencial em sua apresentação. O show do Iron Maiden já pode entrar no circuito da Broadway, mas a atuação de Bruce, que incorpora seu personagem com destreza, é o grande trunfo.
Entre várias trocas de figurinos, lutas de esgrima e a fuga de explosivos, é ele, sem sombra de dúvidas, que inspira a paixão dos fãs. Bruce Dickinson, corpo e alma do Iron, conquista todas as gerações.
Iron Maiden é trabalho em equipe
Sua banda não fica por menos. Os riffs entoados por Dave Murray, Adrian Smith, Janick Gers e Steve Harris são aplaudidos a todo momento. A interatividade dos músicos com o público é constante, sempre percorrendo todos os espaços e buscando mais envolvimento.
O baterista Nicko McBrain mantém o ritmo acelerado, mantendo a melhor sintonia com o baixo galopado de Harris. O baixista inclusive não esquece de sua marca registrada: mira o braço do baixo em direção ao público, entre caras e bocas, mantendo a agitação.
A turnê Legacy of the Beast já é, segundo a própria banda, a maior de todos os tempos. Com roteiro de espetáculo, o show é uma janela do metal para o mundo dos musicais. Megaprodução, ampla presença de palco e performance musicalmente impecável: o Iron Maiden apresentou uma aula de rock n’ roll para todos.