EDUARDO CAVALCANTI
Fotos: Camila Cara/Divulgação/Lollapalooza
Eddie Vedder pode flertar o quanto quiser com o punk e manter alguns cacoetes ‘indie’, mas se existe alguém dedicado ao classicismo no rock, é ele. ‘Headliner’ da segunda noite do Lollapalooza, o Pearl Jam fez o que se espera de uma banda com o nível absurdo de sucesso que alcançou. Realizou o show que quis, com e sem concessões ao público. Por quê? Porque eles podem.
Quem foi ver o Pearl Jam no sábado, esperando que tocassem o álbum ‘Ten’ de ponta a ponta, mais uma seleção de músicas conhecidas, encontrou o previsto. Mas também passou metade da apresentação tentando lidar com um repertório muito mais abrasivo que qualquer coisa do primeiro álbum, e sem nenhum sinal de familiaridade.
E no meio disso tudo, tributos a alguns dos heróis de Vedder. Que outra megabanda no planeta tocaria ‘Comfortably Numb’, do Pink Floyd, se referindo a Roger Waters como um amigo muito próximo? Roger Waters? Amigo de alguém? Difícil imaginar outros músicos, além dos do Pearl Jam (e do U2), que podem se dar a esse luxo.
Eles usam essa credencial com inteligência. Como quando Eddie Vedder faz uma pausa para elogiar o show de David Byrne, algumas horas antes, no festival. “Ele é um gênio”, diz o cantor, antes de pegar uma guitarra e tocar, sozinho, a primeira parte de ‘Pulled Up’, do Talking Heads.
Ele faz isso com a naturalidade de alguém que está numa roda de meia dúzia de amigos, e não diante de uma plateia de milhares de pessoas. A maioria sequer devia fazer ideia de quem era David Byrne, assim como ficou sem entender a homenagem a Perry Farrell, a quem Vedder agradeceu por ter “inventado” o Lollapalooza.
Farrell recebeu um bolo de aniversário no palco e cantou (o que foi possível ouvir de seu microfone pessimamente equalizado) ‘Mountain Song’, de sua banda, o essencial Jane’s Addiction. Pela reação confusa do público, a maioria parecia não fazer a menor ideia de que Perry Farrell não só criou o festival, como também abriu caminho para que o Pearl Jam fizesse sucesso.
Músicos de menor calibre sequer podem sonhar em ter esse tipo de ligação com figuras já históricas do rock, e menos ainda interromper o próprio show para ficar prestando tributos. É um privilégio adquirido ao longo de anos de uma carreira consistente, mais do que qualquer outra coisa.
O Pearl Jam começou como uma das principais atrações do ‘grunge’, mas já na época, começo dos anos 90, não se enquadrava muito bem no espírito da cena de Seattle. Kurt Cobain chamava a banda de “vendida” e ironizava a tendência de Eddie Vedder ao populismo.
De fato, ‘Ten’ soava como coisa de músicos prontos, que cresceram com o rock clássico do The Who (de quem tocaram ‘Baba O’Riley’ ontem) e de Neil Young (com quem gravaram um álbum), muito mais do que com Stooges, Black Sabbath e Sonic Youth (as bases do ‘grunge’).
Eddie Vedder joga mesmo para a plateia, interagindo a todo momento com o público, lendo (ou tentando ler) mensagens em português, e falando de projetos sociais.
O erro de Cobain foi achar que o Pearl Jam era menos autêntico por isso, ou porque não mostrava o menor traço do amadorismo inerente à cena alternativa.
O show da banda no Lolla mostrou exatamente o que eles são: um grupo de músicos de competência técnica indiscutível, e que têm o que mostrar.
Quando em ‘Even Flow’ o guitarrista Mike McCready sola (com uma das mãos enfaixada) durante o dobro do tempo de duração da música, é por ser bom o suficiente para isso, e também por seguir a tradição das ‘jam bands’ (sem trocadilho) dos anos 60 e 70. Não é o solo pelo solo. Ele vem integrado perfeitamente à canção, e aumenta a intensidade do som, em vez de arruinar o momento.
Sem esse tipo de habilidade, seria impossível segurar o público por mais de duas horas, como no show de sábado. O Pear Jam é uma banda com total controle do que faz, e que sabe por que faz. O rock não fica mais adulto do que isso.