Foram necessários 24 anos de espera até o retorno do Shelter ao Brasil. A banda nova-iorquina krishnacore que marcou época nos anos 1990, principalmente com o álbum Mantra, fez duas apresentações no País, Curitiba e São Paulo, no último fim de semana.
No domingo (15), no Carioca Club, em São Paulo, Ray Cappo e companhia lideraram o evento que contou com as bandas nacionais Against The Hero, Mais Que Palavras e Bayside Kings.
A escolha das bandas de abertura foi muito acertada. O Against the Hero foi a responsável por abrir os trabalhos. Uma banda de hardcore em alta rotação com muito cuidado com a questão melódica, o que não os torna necessariamente um grupo de hardcore melódico.
Destaque para as harmonias de voz do vocalista com o guitarrista e o instrumental poderoso e amarradinho. Para uma banda que começou com dois vocalistas, a adaptação foi muito bem feita. E o show em geral foi muito correto, principalmente se levar em consideração o peso da missão de serem os primeiros a se apresentar, em um evento que envolvia tanta emoção.
Na sequência, diretamente do Distrito Federal, o Mais que Palavras, banda heroica e que já está há um bom tempo na estrada, fez um show de hardcore com H maiúsculo, onde o nome da banda é exatamente o oposto do que a banda se predispõe a fazer.
Aqui, apesar de uma sonoridade bruta e ortodoxa (muito bem executada) calcada no hardcore, o que realmente importa é a mensagem. A banda nitidamente se preocupou mais em propor uma reflexão antifascista do que simplesmente tocar suas musicas de qualquer forma. Em tempos sombrios, isso é muito bem vindo. Afinal o hardcore em geral sempre primou pelas mensagens.
Algum tempo depois, subiu ao palco outra banda emblemática do hardcore nacional, a santista Bayside Kings. O show mostrou uma banda que atingiu uma maturidade artística e performática que os coloca em uma posição merecidamente de destaque no cenário atual.
O fato de terem trocado a língua inglesa pelo português, fez um bem enorme à banda, que conseguiu fazer com que seus sons fossem entoados por boa parte do público presente.
Destaque para a técnica dos integrantes e pela postura firme do vocalista Milton Aguiar. Foi a banda certa na hora certa, com a postura certa.
Shelter
Todos bem aquecidos para o que viria na sequência, quando diretamente dos PAs do Carioca Club, se inicia a audição do mantra que abre o disco Mantra, do Shelter.
E então, os veteranos Ray Cappo e John Porcelly entraram no palco com uma energia elevada à enésima potência, atacando com Message of the Bhagavat. Foi um momento de explosão catártica do que temos de melhor a oferecer, como público sul-americano, mas também do que temos de pior.
Logo na primeira música, um fã alucinado subiu ao palco e pulou em direção ao público, com os dois pés voltados para a cara de todos que se aglomeravam na frente do palco. Duas garotas saíram machucadas por conta desse ataque. Uma delas, que fotografava o show, saiu com suspeita de fratura na costela e a outra com o rosto ensanguentado por conta de um corte no supercílio.
>> Confira entrevista com Ray Cappo
Me questiono onde está o amor e o cuidado pelo próximo, que foram palavras pregadas durante o show de todas as bandas, quando atitudes violentas como essa ainda acontecem, principalmente em um cenário historicamente tão inclusivo.
A próxima faixa foi Civilized Man… Irônico, no mínimo. Nesse momento, eu só me perguntava, cadê a tal da Empathy? Bom, ela veio na sequência do set, onde infelizmente ainda tínhamos alguns poucos fãs demonstrando a sua alegria, sendo agressivos com stage divings homicidas e patéticos, que já perderam a graça desde os violentos dias da cena hardcore americana nos anos 1980.
O Shelter, visivelmente emocionado com a resposta do público geral (não a meia dúzia de babacas), seguiu enfileirando clássico atrás de clássico, esbanjando uma vitalidade impressionante e bonita de se ver.
A banda foi impecável no palco, com Ray e Porcelly comandando todo o caos, da maneira que podiam.
Em Here We Go, o Carioca Club explodiu com todo o público cantando em plenos pulmões o refrão da música, que foi hit na MTV em 1995. Aliás, a base do show foram as canções do Mantra, nada mais justo, já que esse é um dos melhores discos lançado em um dos anos mais emblemáticos para todo fã de punk e hardcore.
Antes de encerrar o show, a banda mandou uma versão de We Can Work it Out, do Beatles, que foi lançada na versão brasileira do Mantra. Depois vieram Saranagati, do Quest for Certainty (1992) e Shelter, do disco de estreia da banda.
Um show absurdamente energético, com uma banda soando extremamente potente, em uma casa perfeita para esse tipo de evento e uma produção impecável.
Infelizmente algumas poucas pessoas do público, ainda precisam se inteirar sobre o conteúdo e a mensagem das letras da banda, ao invés de agirem como animais ensandecidos que acabaram de fugir do zoológico.
“Well I’ve tried the best I can
I’ve tried to understand the Civilized Man
So-called Civilized man” (Shelter – Civilized Man)