RICARDO AMARAL
Após a separação de papai e mamãe, o pequeno Ricardo não queria mais seguir sua vidinha de cotidianos aceitos e correspondência ao modelo que se lhe impôs. Eu passei a fazer a contradição à regra. Na vitrola, Raul, Caetano, Zé Ramalho e poetas menos conhecidos, como Dalton, Valter Franco, Jorge Mautner passaram a catalisar o vulcão que eu era, até vir a inevitável erupção.
Raul Seixas era meu modelo! Obviamente eu não tinha a mínima noção de quem era Raul, o ser, mas o mito era meu. Era perfeito.
Raul, um baiano fã de Elvis e Beatles, já havia detonado a cabeça de muita gente. Suas parceiras com o então mago (hoje farsante) Paulo Coelho criou as maiores obras primas do rock antológico nacional. Gita é uma espécie de Sgt. Peppers brasileiro para mim.
Ao contrário das apologias eclesiásticas de Roberto Carlos e Antonio Marcos sobre Jesus Cristo, Raul e Don Paulette (como carinhosamente lhe chamava Raulzito) criaram o Deus anti-matéria. O Deus que está em tudo e não está em nada. Um Deus para pensar e não para aceitar.
Gita é o livro da vida, mas a morte passara a ser o desafio contra o poder da divindade. “O inicio, o fim e o meio”. Poucas vezes uma frase foi tão precisa na concentração da onipresença de Deus. Ateus? Sim, Graças a Deus.
Medo da chuva é uma poesia brega com uma profunda análise da submissão masculina à idolatria feminina, que nos leva a essência dos conflitos que viviam ambos os compositores em suas vidas pessoais. Não há nada mais covarde do que um poeta a atingir sua musa. Ao insciente, parece-lhe sempre ao lado a razão.
Mas este texto quer mesmo tratar de Sociedade Alternativa. A Grã Ordem Khavernista criada a partir de um conceito anárquico.
A música é a idealização de uma irmandade, idealizada e jamais criada, com objetivo de criticar a ditadura. A letra traz a principiologia da seita do ocultista britânico Aleister Crowley e sua lei de Thelerma: “Faz o que tu queres pois é tudo da lei”.
https://www.youtube.com/watch?v=8Z9Umxbcywc&feature=youtu.be
Óbvio que o principio se criou sob a égide do sistema jurídico inglês, o consuetudinário, pelo qual o costume e leva à lei, logo fazer é tornar lei. Uma falácia social, filosófica e jurídica de mais um vigarista daqueles tempos pós anos sessenta.
A simbologia da cruz Ansata (ou Ankh), símbolo do poder do astro rei sobre a terra, aparece na ideologia de Seixas e Coelho com os degraus da iniciação, fase em que ambos se encontravam no processo” maçônico’ da ordem. Mas a música possuía um refrão infalível: Viva!: “Heil”, conforme estrutura monárquico-divina que inspirou a Roma dos Césares e o 3° Reich de Hitler.
O povo está sempre pronto a buscar uma nova divindade, sobretudo a juventude, que como eu em 1979, buscava outras respostas, além das de meus pais.
A criação do manifesto Krig-Ha, em 1973, estabeleceu a “constituição” da Sociedade Alternativa e o devaneio hippie inspirou aquela sensação, quase imbecil, de que tudo era possível.
A Sociedade Alternativa permitiu a Raul Seixas evoluir da condição de artista a líder mítico, adorado pelo artesãos de pulseirinhas de couro e vendedores de incenso.
Durante o Rock in Rio de 2013, Bruce Springsteen agradeceu Raul e entoou o refrão populista, levando o público ao delírio de sempre.
De qualquer forma ouvir a Sociedade Alternativa, ainda hoje, nos leva a vomitar nossa indignação à nossa própria passividade. É um hino à revolução espiritual e ao anti-consumismo; às estruturas estéticas e a mesmice social. Quando tudo está em desacerto, toca Raul.