EDUARDO BRANDÃO
Enquanto o universo do rock ainda ouvia ecos dos acordes finais do grunge e britpop, um capítulo quase esquecido do gênero em terras tupiniquins começava a ser (re)visto por novas gerações. Na virada do século passado, bandas obscuras e primordiais para os pilares do BRock ganhavam um público que, talvez, nunca tiveram. Comum a quase todos os estilos musicais brasileiros, o movimento começou de fora – o que revela a necessidade de ser aceito antes no exterior. E coincide com a redescoberta dos Mutantes e Tom Zé na Europa e EUA, após décadas de ostracismo no (limitado) mercado fonográfico nacional.
O lance de sorte partiu da já clássica história de David Byrne, um dos fundadores da banda Talking Heads, em sebos cariocas. O escocês editou as primeiras coletâneas desses artistas brasileiros, porém, universais. Os CDs – muito bem finalizados – caíram como bombas de inspiração e renovação no asséptico rock que era produzido naquela ocasião. Byrne não estava solitário na jornada. Kurt Cobain se derretia com as composições e maluquices de Rita Lee, Dinho, Liminha, Arnaldo e Sérgio Baptista.
Por uma dessas casualidades junguiana, a abertura da Caixa de Pandora dos primeiros acordes do rock nacional deu-se com o início da consolidação da internet. E, claro, com as pioneiras experiências de trocas de arquivos MP3 – como o Napster, Audio Galaxie e Soulseek. Foi nesse ambiente anárquico e colaborativo que as raízes do rock Made in Brazil vieram à superfície. E pela primeira vez, bandas obscuras e com álbuns que tiveram tiragens pífias (colabora para isso a apatia das gravadoras e a péssima divulgação da época) começaram a chegar a um público renovado e mais aberto às experimentações do passado.
Mesmo com a liberdade que só o tempo pode dar a uma obra, as músicas e discos desta fase ainda estavam dispersos. Poucas cópias repousavam nas discotecas de fãs e nos másteres das gravadoras que não se interessavam em reeditar as obras – exceto a teimosia do lendário e pioneiro selo independente Baratos Afins, que bancou o relançamento de algumas bandas nacionais.
Mas, impulsionado com sucesso dos Mutantes no exterior, que veio com 30 anos de atraso, LP´s de bandas nacionais eram disputados a peso de ouro em sebos em todo o mundo. Álbuns da santista (e muito pouco valorizada) Blow-up, a experimentação lisérgica de Lula Cortês e Zé Ramalho, a (agora) clássica trilogia de Ronnie Von, o único LP da Módulo 1000 e a trilha sonora do filme Geração Bendita – cujo longa é tão obscuro quanto o disco – passaram a valer alguns milhares de dólares em sebos asiático e europeus. Tanto que nesses mercados, essas e outras obras ganharam reedições de luxo, em vinil de 180 gramas.
Das prateleiras empoeiras para arquivos digitais foi apenas um passo. E daí se espalhou pelos quatro cantos do mundo; conquistando fãs que sequer eram nascidos quando os discos foram lançados. Sem a ditadura dos jabás nas rádios, as composições mais lisérgicas tiveram, enfim, mérito e reconhecimento tardio.

O achado destas preciosidades que estavam quase enterradas demoveu algumas genealogias do BRock. Revelou-se que a pedra fundamental do rock nacional foi edificada por inúmeras mãos, muitas guitarras distorcidas e sintetizadores hipnóticos. O desbunde da repressão militar, enfim, chegava de carona com os novos ventos da Era de Aquarius.
É com o espírito anárquico e colaborativo que o Arkie do BRock se apresenta. Esse espaço semanal não tem o desejo de se tornar sumidade sobre os escombros roqueiros e nem a palavra final acerca de lendas e histórias que rondam o estilo em solo nacional. Tem o propósito de servir como uma janela aberta ao passado, um retrovisor para sons (quase) desconhecidos, mas com qualidade igual (ou superior) a muitas bandas reconhecidas internacionalmente. E, claro, ambiente para a troca de novas clássicas referências.
Para começar os trabalhos e dar um gostinho do que virá pela frente, seguem duas coletâneas gringas que abordam as genealogias do rock tupiniquim.
Em 2002, o selo alemão QDK Media dedicou o sexto volume da coletânea Love, Peace & Poetry à psicodélica Brasileira (a série é composta por 10 volumes, que reúnem bandas obscuras dos EUA, Inglaterra, América Latina, Ásia e África).
E em 2010, o selo norte-americano World Psychedelic Funk Classics lançou a lisérgica coletânea Brazilian Guitar Fuzz Bananas: Tropicalista Psychedelic Masterpieces, 1967 – 1976. O impacto deste disquinho editado a partir de compactos foi tão marcante, que o ator Elijah Wood (o Frodo, na saga Senhor dos Anéis) e o cineasta brasileiro Arthur Ratton preparam um documentário inspirado nessa cena.