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Arkie do BRock #11 – Lanny Gordin, o gênio da guitarra tropicalista

Um portal multicolorido e ácido se abriu sob o comando estético do maestro (e gênio) Rogério Duprat. O (místico) Tropicália ou Panis ET Circencis, álbum manifesto coletivo de 1968, foi espécie de cartão de visita da psicodelia sob os trópicos – o disco não foi o primeiro a explorar a lado psicoativo da música brasileira, mas tornou o som acessível ao grande público. E o movimento que apontou o nariz para os chapadões revelou o pioneiro guitar hero tupiniquim: Lanny Gordin.

Comparado a Jimi Hendrix e tido como arquiteto guitarrístico da Tropicália, o músico gestou um patchwork entre bossa-nova, rock e jazz, sem parecer uma colcha de retalhos sem sentido. Seus fraseados carregam um vasto universo melódico, recheado de harmonias, notas improváveis e soluções cativantes.

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Ousada colagem sonora, solos impecáveis de Lanny

https://www.youtube.com/watch?v=Ljm4oWVUxIA

A pegada lisérgica de Lanny Gordin foi fundamental na construção sonora da trupe tropicalista. Suas marcas estão nos solos inesquecíveis dos mais classudos trabalhos de Gil, Caetano, Rita Lee, Luiz Melodia e Jards Macalé. Ele também brilhou em gravações com Tim Maia (ouça Chocolate, por exemplo), Elis Regina, Erasmo Carlos e Jair Rodrigues. Ele não se limitou apenas a tocar as notas preestabelecidas, mas abusou criatividade ao escrever arranjos ousados e inspirados.

É dele, por exemplo, o som distorcido, raivoso e sujo na era experimental de Gal Costa (sua primorosa fase psicodélica). A versão derradeira para “Vapor Barato” (trabalho tão foda quanto o Big Brother & The Holding Co., lendária banda que acompanhou Janis Joplin) e a colagem “Objeto Sim, Objeto Não”, são dois exemplos esparsos da capacidade técnica do guitarrista nascido em Xangai, na China, filho de pai russo e mãe polonesa, e criado em Sampa.

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Raro disco de Arnaud Rodrigues, com Lanny na guitarra

Instrumentista fora de série e considerado um deus da guitarra por músicos brasileiros, Lanny começou a tocar em casa noturna paulistana antes de completar 14 anos. Foi na boca do lixo que ele conheceu Heraldo do Monte, Hermeto Pascoal e Olmir Stocker. Com eles, Lanny formou o lendário Brazilian Octopus, banda seminal instrumental, com ácidas abordagens de samba-jazz. Ele também fez parte de grupos como The Cats, The Beatniks e Os Kantikus – todos com compactos lançados entre 1967-69.

Na gravação do único (e disputado) disco do supergrupo instrumental, Lanny se aproximou de Rogério Duprat, arranjador do álbum e gênio por detrás da Tropicália. E passou a ser espécie de coringa no baralho do sonoro do maestro, que o escolheu para suas gravações de arranjos e experimentações. O guitarrista era um dos poucos com carta branca para tocar do jeito que quisesse. Época em que ele era disputado a peso de ouro por astros da MPB.

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Único registo do disputado trabalho do octeto

Numa turnê pela Europa para acompanhar Jair Rodrigues, Lanny foi apresentado à maravilha plástica criada pelo cientista suíço Albert Hofmann. Os efeitos provocados pelos labirintos do ácido lisérgico explodiram no ar, como as distorções que ganhavam vida de suas guitarras. A luz se apagou. Seus fraseados jazzísticos sucumbiram por anos de escuridão e ostracismo. Ele passaria quase três décadas desplugado da realidade, numa batalha contra a esquizofrenia (fantasma agravado pelo uso de LSD e cocaína), tarjas-pretas, sessões de eletroconvulsoterapia e isolamento.

Os dedos das mãos perderam flexibilidade e as notas musicais evaporaram – Lanny era capaz de tocar apenas o dó maior. E numa viagem quase sem volta, como Syd Barret, ele deixava o universo musical pelas portas dos fundos. Ainda assim, sua lendária guitarra ecoou em trabalhos com o Aguilar e a Banda Performática, Itamar Assumpção e Catatau, nos anos 1980.

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Mini-doc sobre os 45 anos de carreira do guitarrista

Para sobreviver, tocava em pequenos bares e dava aulas particulares de guitarra e baixo (outro instrumento domado por Lanny). O Hendrix Caboclo percorreu longos desfiladeiros. Morou nas ruas, perdeu-se por completo e teve seu ganha-pão furtado – só voltaria a abusar da distorção após Lulu Santos doar uma guitarra. E apenas no começo do atual milênio, Lanny despertou de um período turbulento e soturno de sanatórios, tratamentos e medicações pesadas.

Sua redenção partiu de outro pilar para a manutenção do roque (sim, com que) nacional: o produtor musical e dono do selo Baratos Afins, Luis Calanca. Trinta anos após seus acordes iniciais nas noites paulistanas, finalmente o guita hero teria um álbum com apenas o seu nome na capa. Praticamente arrastado para os estúdios, Lanny lançou o pioneiro trabalho solo em 2001.

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O disco totalmente instrumental foi composto por guitarras sobrepostas, sem apoio de percussão ou bateria. Lanny gravou tudo e conseguiu extrair um som puro, límpido e inspirador por harmonizações preciosas. O resultado é uma sonoridade de cores tranquilas e sotaque jazzístico moderno. Música sem rótulo com dissonâncias e inclinações aos ácidos sabores sonoros. Inspiração em estado bruto.

Trabalho mais recente de Lanny: união de Jazz e progressivo

O álbum desencadeou dois volumes do projeto Alfa (ambos lançados em 2004, pela Baratos Afins). Em 2007, a Universal Music daria ao Lanny o grande público com o disco Duos. O trabalho teve participação de nomes da Tropicália e vozes da nova geração como Zeca Baleiro, Fernanda Takai, Wanessa da Mata e Rodrigo Amarante.

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Três anos depois, e novamente pela Baratos Afins, o guitarrista misto de cientista maluco e criança inocente formaria nova banda: a Kaoll e Lanny. O trabalho de estreia revelaria um ensaio auditivo experimental. Por sutis melodias e improvisos extraordinários, o discaço instrumental faz uma feliz união entre o progressivo-psicodélico setentista, o (acid) jazz contemporâneo e música erudita. Som para elevar a alma.

Sabe aquele Lanny? Documentário sobre a lenda

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