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Arkie do BRock #17 – Os magos sonoros invisíveis d´Os Mutantes

Brian Epstein e George Martin dividem a simbólica denominação de quinto Beatle. Honraria, que no universo musical equivale ao Knight Grand Cross of the Order of the British Empire – o mais alto título da Ordem Britânica –, se dá pelas contribuições da dupla à ascensão planetária do quarteto de Liverpool. Se na terra da Rainha empresário e produtor musical ajudaram a consolidar o som dos quatro cabeludos, por aqui a arquitetura sonora d’Os Mutantes foi edificada por exímio luthier de garagem e maestro ligado ao dodecafonismo.

A história do trio que apresentou a nata do rock’n roll regada às raízes musicais brasileiras ao grande público poderia ser outra se não fossem Cláudio César Dias Baptista e Rogério Duprat. Das criações físicas do primeiro, dá-se a superioridade no som do super-grupo paulistano. Já o mago sinfônico viu nos jovens um prisma às suas malucas alucinações musicais que abusavam das escalas cromáticas e andamentos fora do comum.

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Como bem resumiu Rita Lee, ser roqueiro no militarizado Brasil da década de 60 destinava-se a meia dúzia de malucos com caras de bandidos ou marginais com trejeitos de pirados. Ter um instrumento musical de boa qualidade era tarefa árdua e limitada aos mais abonados. Ou o desajustado se contentava com as Del Vecchio´s, Phelpa´s e Giannini´s infinitamente defasadas, ou apelavas para as clandestinas importações de Fender´s, Gibson´s e Gretsch´s; objetos de desejos copiados das capas dos álbuns dos Beach Boys, Animals, Ventures ou das sessões de cinema com o quarteto de Liverpool.

Empenhar uma guitarra semelhante à dos ídolos musicais tinha sensação semelhante ao primeiro arqueólogo que entrou na tumba do faraó Tutancâmon; ou descobrir o santo-graal.

Clássica apresentação de 2001 na FIC 1968

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Nessa seara, Cláudio César Dias Baptista, ou simplesmente CCDB, escreveu nos bastidores capítulo especial para a história do BRock. Ele foi sócio-fundador do “The Thunders”, espécie de embrião do trio paulistano. Razão pela qual ele é comumente chamado pelos mais aficionados fãs de Rita, Sérgio e Arnaldo como “The First Mutante“.

Mais velho dos irmãos Baptista, Cláudio semeou o universo roqueiro aos mais novos Sérgio e Arnaldo. A música e a arte estavam no DNA da família. Seus pais, um poeta e uma compositora erudita, incentivaram as criações sonoras desde o berço. E após a desastrosa aventura fonográfica com o sexteto, CCDB se recolheu à alquimia fabricação de instrumentos e equipamentos eletrônicos.

Atividade a qual se afastou há quase uma década por um chamado messiânico: escrever sobre experiências místicas. Hoje ele vive desconectado do mundo virtual, na pacata Rio das Ostras, no litoral fluminense e se dedica à literatura.

Meio bruxo, meio arquiteto sonoro por intuição extraordinária, o Mutante Oculto construiu os principais equipamentos musicais da trupe. Façanha que vai desde as guitarras, baixos, amplificadores à mesa de som; passando por e captadores de áudio aperfeiçoados e traquitanas capazes de ampliar e modificar as ondas sonoras. Seus inventos proporcionaram possibilidades ímpares de sonoridade, que junto ao deboche nas letras são as marcas registradas da banda.

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Cláudio começou seus dotes de alquimistas em 1963, ao transformar um violino numa guitarra. E fabricou material para abastecer bandas que semearam pelo rock instrumental, como as lendárias Jet Black’s e o The Rebels.

Dia 36, com as inúmeras invenções de CCDB

 

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É dele também o instrumento utilizado até hoje pelo seu irmão mais novo: aquele com o corpo pesado inspirado num violoncelo, com botões grandes e acabamento retrô. Esse é o terceiro e último modelo das famosas e amaldiçoadas guitarras de ouro.

O instrumento-protótipo que deu início à série foi a que Sérgio empenhou ao acompanhar Gilberto Gil, em Domingo no Parque, no Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. E que deixou cabeludos e a turma do banquinho e violão boquiabertos com a superioridade no som.

Conta a lenda que na parte inferior das mitológicas formas inspiradas nos violinos Stradivarius existe uma enigmática inscrição que confere poderes especiais apenas àqueles que seu fabricante determinar. Por uma dessas fábulas que rondam o rock´n roll, a maldição funcionou. A guitarra mutante sumiu nos bastidores de um show. E por medo ou respeito, o instrumento foi devolvido de maneira misteriosa ao seu legítimo dono. E a discografia do BRock agradece à alma benevolente.

Dom Quixote, versão do FIC-68

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Elas são consideradas as melhores guitarras do mundo, com som superior a mais aperfeiçoada safra de Fender e Gibson. O segredo está na qualidade dos materiais utilizados e na obsessão de Cláudio aos conceitos de acústica. E invencionices que num mesmo aparelho dão timbres diversos, indo do som da Stratocaster ao da Les Paul, parâmetros da guitarra elétrica mundial. Ele também a adotou com seis tipos de distorção, sendo um para cada corda. Coisa de gênio!

Além da inspiração a mais perfeita técnica de construção de um violino, os componentes, captadores e o corpo são folheados a ouro para evitar chiados e ruídos que pudessem poluir a sonoridade. E dotado de invencionices e efeitos eletrônicos incorporados para dar mais peso ao som. A traquitana foi batizada de Régulus, que em latim significa pequeno rei; e também empresta nome à estrela mais brilhante da constelação de Leão.

Cláudio é responsável pelas maluquices técnicas adotadas nos estúdios, em especial a partir do segundo álbum da trupe paulistana. Semanas após o orbe roqueiro ainda se manter num êxtase suspenso pelas modulações popularizadas por Jimi Hendrix, o Mutante Oculto se trancafiou na sua oficina, no valvulado bairro da Pompeia, a fim de repetir por essas terras o efeito extraído dos pedais wah-wah.

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Embora o universo respirasse as premonições de McLuhan, a tal aldeia global sequer começava a ser tecida. Sem referências visuais, o gênio da acústica valeu-se apenas de suas intuições (quase mediúnicas); e criou uma espécie de lava-roupas, que retorcia o som gestado das mágicas mãos de Sérgio. E a traquitana conseguiu ir além de seus similares gringos, pois também poderia ser acoplada ao baixo. E era capaz de inverter o sinal do tradicional pedal, que revolucionou a forma de empenhar uma guitarra.

Especial do Canal Brasil 

https://www.youtube.com/watch?v=smIthfTOcJ8

 

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Por derivação, então, Cláudio criou o wooh-wooh. E o poderoso efeito sonoro torna-se evidente na faixa Mágica e na fenomenal Dia 36, cujo aparelho permitiu uma guitarra rasgada e visceral ao extremo. Obra-Prima! E também nos 20 segundos no acorde final da clássica Fuga nº 2 – com dois segundos a mais que a última nota de A Day in the Life, dos Beatles, naquela ocasião o mais longo da história do rock.

Outra obra da infinita genialidade do mais velho Baptista sacudiu o auditório do Festival da Canção de 1968. Tendo como base apenas um diagrama que viu de relance numa revista norte-americana, The First Mutante construiu sua versão do Theremin. O estanho aparelho, inventado por um russo homônimo em 1928, é considerado um dos primeiros instrumentos musicais completamente eletrônicos. E começava a se popularizar naquela década para produzir efeitos especiais em filmes de ficção científica.

A traquitana caiu como uma luva para a canção 2001, feliz união entre a divindade Tom Zé e Rita Lee Jones. De uma caixa retangular de madeira, saiam duas antenas em forma de losango, que emitiam estranhos – porém, saborosos – ruídos disformes ao detectarem a aproximação das mãos da loirinha mutante.  A geringonça era a cara dos irreverentes músicos paulistanos, mas foi substituída por apitos e flauta de êmbolo devido aos seus inconvenientes.

Curta-Metragem com a primeira formação d’Os Mutantes

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Nesse mesmo reduto da nata da MPB, o gênio Duprat fez o mais magistral happening – ato a qual o inusitado entra em cena – do cancioneiro nacional, e que seria copiado anos mais tarde por Walter Franco (nos dois casos, tiveram péssimas recepções do público). Na anárquica aventura mutante em que todo ruído é música, o arquiteto sonoro da Tropicália incluiu na partitura de Dom Quixote uma pausa de oito compassos. O que significava quase 20 segundos em que os músicos permanecessem com os braços cruzados. Indiferente ao silêncio, o maestro discípulo do alemão Karlheinz Stockhausen continuou a reger virtualmente a orquestra. Ninguém entendeu nada.

Com o apoio da dupla “invisível”, e incentivo do produtor Manoel Barenbein (o manda-chuva da Tropicália), o trio paulistano fundiu o art rock e as raízes da música brasileira num psicodelismo universal. Num mesmo balaio, o erudito, o caipira, o progressivo, o baião e os mais esquisitos devaneios conviviam em harmonia. Por essas e outras tantas, que Os Mutantes completam meio século com frescor multicolorido e ditando tendências sonoras às futuras gerações. São, sem sombra de dúvida, nossa melhor contribuição ao rock planetário.

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