“Um pedaço do arco-íris/ Para enfeitar teu corpo/ 20.000 raios de sol/ Para pôr no teu cabelo”. O alucinógeno refrão que remete a mais treslouca viagem prometida pelo dietilamida do ácido lisérgico abre o espetacular Nascimento, raríssimo álbum da paulistana Perfume Azul do Sol. A bolacha psicoativa (finalmente) sai dos porões do rock brasileiro e ganha reedição em vinil de alta fidelidade em 180 gramas.
O disco chega às novas gerações pelo selo Pedra Templo Animal (nome sacado do clássico Paêbiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes), numa limitadíssima tiragem de 500 cópias. E desembarca nas poucas lojas especializadas a partir da próxima semana (20 de fevereiro), embora a festa de relançamento esteja marcada para amanhã (veja detalhes abaixo).
Clássico absoluto da psicodelia, o disco de 1974 é o único registro do grupo de vida efêmera. Misturando pegada progressiva, guitarras distorcidas, poesias dissonantes, ritmos nordestinos e soturnos acordes de piano, o LP original é um dos mais exclusivos da discografia nacional. Estima-se que a gravadora Chantecler imprimiu cerca de 150 cópias do álbum, que foram distribuídos ao restrito grupo de amigos próximos à trupe.
Porrada que abre o disco: 20.000 Raios de Sol
No mesmo ano das caóticas gravações em estúdio, a banda se desfez. E são inúmeras teorias sobre o abrupto fim do grupo e o porquê de o sensacional álbum ficar renegado ao ostracismo por longo período.
A versão mais aceita é o fim do relacionamento entre Ana (vocal e piano) e Benvindo (vocal e violão). A primeira era a principal compositora do grupo – e uma das mais belas vozes femininas da primeira dentição do Brock –; já o segundo, autor das letras enigmáticas e com temáticas ligadas à porta da percepção – ele acabaria, anos depois, se dedicado aos rituais sagrados e alucinógenos da Ayahuasca.
O som gestado sob o signo do desbunde contava ainda com Jean (voz e guitarra), Gil (bateria e vocal) e o lendário Pedro Baldanza (baixo). O material atravessou décadas de esquecimento nos fios empoeirados do tempo. E ganhou legião de admiradores na virada do atual século, quando foi reaberta a Caixa de Pandora dos primeiros acordes do rock brazuca.
Psicodelia com Baião!
O disco é tão raro que todas as versões que circulam no anárquico submundo virtual apresentam “ranhuras” em algumas faixas. As dez canções altamente psicoativas são inclinadas às manifestações regionais, numa interessante simbiose entre o sertão nordestino e as setentistas cenas londrina e californiana.
O Perfume Azul do Sol foi uma das primeiras bandas do eixo Rio-São Paulo a misturar as alucinações sonoras que faziam a cabeça no Verão do Amor com baião, frevo e maracatu – ritmos que, se aumentar o andamento, revelam-se da pura linhagem que cunhou o rock’n roll planetário. E antecipou para a região sul o rigoroso som feito na distante e provincial Recife dos anos 70.
Com proposta antenada no movimento hippie e psicodelia derivada de ritmos tipicamente brasileiros, o petardo é um bilhete para o portal que leva ao mundo dos lindos sonhos delirantes. Exatos 30 minutos de uma incursão à loucura prometida pelo LSD, com doses bem temperadas de distorções, hipnóticos pianos e letras de pura alucinação lisérgica. Caldeirão de influências que chegada de carona com os novos ventos da Era de Aquarius. Preciosidade!
A soturna Deusa Sombria
Embora simples, as letras revelam profundas temáticas em tom místico, quase profético; em repletas visões simbólicas metafísicas e messiânicas, com contornos de atmosferas bucólicas. Psicodelia lo-fi à brasileira, que esbarra no folck psicoativo, carregada de guitarras funkeadas e de pedal Fuzzbox. E instrumental muito bem construído com um pé no progressivo.
Mérito esse de Pedrão. O baixista tem extensa ficha corrida de bons serviços para o rock brasileiro. Ele participou da gênesis do que viria a ser tornar os Novos Baianos, antes de o grupo ter o emblemático encontro com João Gilberto e se inclinar às raízes do samba. Ele fez parte da banda de apoio na divulgação do (clássico) Ferro na Boneca (1970) e gravou o compacto duplo de 1971 – com Dê um Rolê e Caminho de Pedro, trabalho anterior ao místico Acabou Chorare (1972).
Sensacional pegada progressiva
Acompanhou Walter Franco nas suas (fantásticas) alucinações sonoras até ser apresentado ao multinstrumentista (e gênio) Manito. Ali, o progressivo brasileiro ganhou um definitivo capítulo. Junto com o ex-Incrível, formou o Bloco Cabala, cuja proposta sonora era a de uma grande banda de baile, com a participação de vários músicos e cantores.
O projeto não vingou, apesar de meses de exaustivos ensaios após o derradeiro fim de Os Incríveis. Mas os encontros jogaram ao solo as raízes de um dos mais importantes grupos do rock tupiniquim: o Som Nosso de Cada Dia. E dias após deixar o estúdio com o Perfume Azul do Sol, Pedrão cunhou um clássico do progressivo nacional, o Long Play Snegs – mais isso já é assunto para outro dia.
Serviço:
O quê: Festa de lançamento da reedição em vinil do LP Nascimento, da banda Perfume Azul do Sol.
Onde: Avenida Professor Alfonso Bovero, 382, São Paulo, a partir das 19 horas.
Quando: sexta-feira, 17 de fevereiro.
Mais informações: www.facebook.com/events/360132744371297
2 Comments
Deixe um comentário
Deixe um comentário
Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.
InFeto
19 de abril de 2017 at 15:01
Cara, a vocalista ainda é viva? Por onde anda? Teve outros trabalhos?
Lucas
27 de abril de 2017 at 23:12
Gostei.