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Arkie do BRock #26 – Não fale com paredes: a porrada polifônica do Módulo 1000

A primeira dentição da obscura cena psicodélica brasileira produziu alguns dos mais cobiçáveis e caros álbuns do subgênero. Bolachas disputadas a peso de ouro em sebos espalhados na Europa e Ásia; e que alcançam cifras impensáveis para um vinil que data quase meio século. Ao lado do mitológico Paêbirú, de Lula Cortês e Zé Ramalho, repousa entre um dos os mais desejáveis objetos de consumo dos colecionadores de LP’s o único e raríssimo registro da carioca Módulo 1000.

O nome da trupe foi sacado de um tema comum na virada da década de 1960: a (maluca) corrida ao espaço, que elevou para os cosmos a disputa surda entre EUA e URSS. Esse não foi, entretanto, o primeiro epíteto da banda formada na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes do batismo influenciado pela chegada do homem à Lua, o quarteto defendia alguns covers valvulados do pop típico de Burt Bacharach e The Monkees ao experimentalismo a la Cream e 13th Floor Elevators, com a alcunha de Código 20 (a mudança de denominação foi para não existir confusão com o grupo paulistano, Código 90).

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Inspirados pelos acordes iniciais de Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple e Pink Floyd, o quarteto carioca é considerado hoje uma das melhores bandas planetárias do hard-psicodélico-progressivo – embora, ainda seja semi-desconhecida do grande público nacional. Apesar da vida efêmera – com duração entre 1969-73 – o grupo ajudou a consolidar a cena progressiva carioca. E, mesmo que de forma indireta, contribuiu para consolidar o pop que invadiu as rádios na década seguinte.

Módulo 1000 – Ferrugem e Fuligem

O DNA do grupo foi fundamental para a formação musical de dois ídolos oitentista: Lulu Santos e Lobão. Os dois formaram com alguns dissidentes do Módulo 1000 a lendária Vímana (grupo com apenas um compacto gravado, e participação no sensacional Ave Noturna, de Fagner, e no belíssimo Eu Queria Ser Um Anjo, da cantora Luiza Maria, ambos lançado em 1975).

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O Módulo 1000 assinou seu primeiro contrato com uma gravadora após participar do V FIC- Festival Internacional da Canção, em outubro de 1970. Pela Odeon, o grupo gravou um compacto simples, tendo o lado A Big Mama e Isto não quer dizer Nada, no lado B. Emplacou ainda Gloriosa e Cafusa em duas coletâneas dispersas. Ali estavam as raízes de um som gestado com toque apimentado de neotropicalismo e anárquica suíte sonora progressiva de acid-rock.

No ano seguinte, o grupo participou com duas faixas na coletânea Posições – interessantíssimo LP que contava ainda com as bandas Tribo, Equipe Mercado e (o mitológico) Som Imaginário. Nesse trabalho, o quarteto carioca aparece com as canções Ferrugem e Fuligem (uma eletrizante guitarra sobre letra de cunho ambiental) e a semi-progressiva Curtíssima. A passagem pela major de capital alemão foi breve.

Módulo 1000 – Turpe Est Sine Crine Caput

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A exposição midiática rendeu aos cariocas longas temporadas no Estado de São Paulo. E por dois anos, o quarteto foi atração fixa do Clube do Siri, em Praia Grande. Essas apresentações anteciparam a pedrada psicoativa que estava por vir.

Já referência no restrito circuito underground roqueiro, o grupo entraria em 1971 de gravadora nova. Eles foram contratados pelo selo carioca Top Tape, especializado em samba, soul, jazz e que editou no País o timaço da Motown. Os dirigentes da gravadora pouco se interessaram pelos cabeludos e sequer se deram ao trabalho de acompanhar as alucinógenas gravações. Para alguns engravatados, aqueles cabeludos eram ponto fora da curva do catálogo da empresa.

Com o disco já pronto, a extrema originalidade e o elevado grau de experimentalismo das composições abalroaram o setor comercial; o que gerou série de desavenças. O choque é compreensível, ainda mais no fechadíssimo mercado fonográfico setentista nacional – para se ter uma ideia, os lançamentos europeus e norte-americanos chegavam por aqui com atraso superior a seis meses. Afinal, qual grupo abriria um LP cantando em latim sobre um inspiradíssimo sintetizador que evoca o melhor de Pink Floyd com Syd Barrett?

Módulo 1000 – Olho por Olho, Dente por Dente

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E mesmo com resistências do selo, em março de 1972 era lançado um disco precursor, sendo hoje considerado um dos maiores clássicos do gênero. Não Fale Com Paredes traz densas guitarras, enigmáticas e longas improvisações de sintetizadores. Faltam referências para indicar que tipo de som era produzido pelos cariocas.

O álbum abre com um hipnotizante solo da melhor safra alucinógena sobre enigmática letra em latim: Turpe Est Sine Crine Caput. A simples menção do idioma matriz do português chamou a atenção do temido Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), por sua aparente letra subversiva. Um pouco mais de erudição do aparelho de repressão do golpe militar afastaria em definitivo qualquer temor contra-revolucionário, pois o singelo refrão cita os horrores de não mais ter cabelos.

A faixa seguinte, que batiza o álbum, carrega uma densa guitarra próxima ao som furioso que exalava dos dedos metálicos de Tony Iommi, com breve balanço roqueiro produzido pelo Grand Funk Railroad.  Já Espelho é a mais pop (se é que se possa rotulá-la assim) do disco, com nuances que resgata ao período mais inspirado dos Mutantes.

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Módulo 1000 – Animalia

O ponto altíssimo do lado A é a Lem Ed Êcalg, alucinante improvisação instrumental com altas dosagens psicodélicas. Exatos 78 segundos de uma das mais fantásticas incursões auditivas com passagem direta à porta da percepção do roque tupiniquim. Antes que você abra o Google atrás de uma possível tradução ou tentar imaginar de qual idioma gerado com a queda da Torre de Babel foi usado para batizar a faixa, tente ler o título de trás para frente. Glacê de Mel é mais ou menos o estado que ficará o seu cerebelo após ouvir a composição.

O lado B segue a pela mesma linha, com jans sofisticados que abusam de quebras de andamentos e compassos. O blues fantasmagórico Salve-se Quem Puder, o suave instrumental em Teclados e a sofisticada Metrô Mental mantiveram em altíssimo nível a pedrada de ode psicoativa. O curtíssimo álbum se encerra com a progressiva Animalia, interessantíssimo diálogo instrumental numa atmosfera densa com menos de dois minutos de duração.

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Apesar da falta de interesse da gravadora e da pequena tiragem inicial, o álbum teve boa aceitação, catapultando o grupo para um plano elevado. Hoje o disco é alocado na categoria de cult, e as raras cópias originais são cotadas a mais de 2 mil dólares nos sebos europeus e japoneses (dois dos mais robustos mercados da psicodelia brasileira).

Love Machine – Waiting for Tomorrow

Antes do derradeiro adeus, Luiz Paulo Simas (teclados), Eduardo Leal (baixo), Daniel Cardona Romani (guitarra e vocal) e Candinho (bateria) gravariam mais um compacto pela Top Tape. Narra a lenda, que o estúdio estava desocupado e o quarteto foi chamado para um simples ensaio. Aquela sessão gerou duas faixas (The Cancer Stick e Waitin’ for Tomorrow); ambas cantadas em inglês e com som diferente. Razão pela qual a bolachinha foi lançada tendo como título um grupo batizado de Love Machine.

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O LP original ganhou diversas versões piratas pelo mundo com a adição dos compactos lançados pela Odeon. Os únicos relançamentos oficiais foram o do obscuro selo brasileiro Luz e Som, em 1998, e da gravadora alemã Word In Sound, dois anos depois. A música Lem Ed Êcalg foi incluída na coletânea Love, Peace & Poetry, com bandas psicodélicas latinas (Som Imaginário também foi incluído, com Super-God) . Já Animalia fez parte do volume 6, dedicado apenas a bandas nacionais. Do quarteto, o tecladista Simas pode se orgulhar de ter sido o músico com composição conhecida por quase a totalidade dos brasileiros. É dele a característica vinheta “plim-plim”, da Rede Globo.

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