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Arkie do BRock #27 – A psicodélica aventura de Marcos Valle e a (re)volução na Bossa Nova

Na virada dos anos 60 para 70, uma insurreição eletrônica tomou de assalto os estúdios brasileiros. E abriu espetacular (e raro) capítulo na MPB, que até então colocava em trincheiras opostas a linha mais ortodoxa (voz e violão) dos alienados (guitarras e sintetizadores). Novas e melhoradas levas de farfisa’s, moog’s, roland´s, korg´s, rhode´s, yamaha´s e afins apresentaram o Admirável Mundo Novo para a música sob os trópicos.

E artistas até então com estreitos laços com as velhas raízes radicalizaram em álbuns conceituais, com leves aromas e brisas outonais exalando o Verão do Amor californiano. Desse período, datam as mais alucinógenas e apimentadas gravações de gente da pesada, como Dom Salvador, Antonio Adolfo, Dom Um Romão, João Donato, Eumir Deodato, Airto Moreira, Milton Banana Trio, João Roberto Kelly, Arthur Verocai, Sivuca e Hermeto Pascoal (muitos dos quais com álbuns feitos e lançados apenas no exterior).

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Mi Hermoza

 

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Oposto aos demais ciclos da música brasileira, esse não recebeu nenhuma denominação especial; e por falta de nome melhor, críticos costumam se referir como samba psicodélico ou acid samba. Especial ocasião a qual se evidenciou a troca de pianos de cauda por plugados sintetizadores, que capitanearam fusões de MPB com jazz, funk, rock e experimentações eletrônicas.

Representante da segunda dentição da Bossa Nova, o carioca Marcos Valle soube identificar esse momento catalisador em álbuns repletos de texturas sonoras e que hoje são disputadíssimos em sebos pelos quatro cantos. E sua mão que empenhava a viola enluarada enveredou pelas notas tortas e sua voz entoou uma espécie de hino da Era de Aquário. E na primeira metade da década de 70, ele cunhou discos sob forte influência da psicodelia e tons do progressivo inglês.

 

Revolução orgânica

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Dessa safra, Garra (71) e Previsão do Tempo (73) são considerados os maiores clássicos do compositor. Há ali uma simbiose de samba, bossa nova, rock psicodélico e pop, que fluem de forma harmônica entre as pequenas nuances que ligam esses gêneros. John Bush, crítico do site Allmusic, assegura que o primeiro é, “o melhor disco de pop brasileiro de todos os tempos”. Com um pé nas tradições musicais e outro em novas roupagens sonoras, Marcos Valle adiantou uma robusta leva roqueira, que se desenhava na tímida cena underground brasileira.

Entre os dois discos, repousa o mais anárquico, experimental e radical álbum oriundo das oligarcas raízes da Bossa Nova. Talvez por isso, Vento Sul (72) apresenta-se como um ponto fora da curva na rica discografia do músico e, até certo ponto, tenha caído no esquecimento.

Democústica

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O trabalho é um rompimento com a música brasileira tradicional, com arranjos incomuns, harmonias e ritmos só comparáveis às inovações de Brian Wilson (Beach Boys) e a dupla Lennon McCartney, na fase mais robusta dos Beatles. Mais um clássico esquecido do rock brazuca, mesmo com a alma ainda na MPB.

Sob forte influência do psicodelismo/progressivo, soul, jazz, samba, e lampejos de baião, Marcos Valle criou um moderno e brilhante som. Estão presentes a melhor linha do funk (sempre o setentista), com elementos da surf music californiana, sem deixar de ser tipicamente um disco com temperos brasileiros. E após 45 anos ainda carrega nostalgicamente a frescura das melhores safras da atualidade.

Vôo Cego

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O disco foi totalmente composto e gravado em Búzios, no Rio de Janeiro, até então um ponto de encontro de hippie e palco de visitantes famosos como Janis Joplin e Mick Jagger. E o aroma bicho-grilo permeia pelas 11 faixas, tendo um choque entre o clima bucólico de liberdade e paz e as incertezas identitária do estilo de vida offside. Álbum da melhor safra de folk psicodélico com flerte no progressivo e levadas tipicamente brazucas e latinas.

Para as gravações, Marcos Valle recrutou Sérgio Hinds (guitarras), Vinícius Cantuária (bateria) e César das Mercês (baixo); trio da fase mais aditivada e proto-progressiva de O Terço. E contou ainda com (o mito) Federa (guitarra) e Robertinho Silva (bateria), dupla que esteve em todas as formações do Som Imaginário (ah!, o Som Imaginário).

As texturas lisérgicas são apresentadas logo nos primeiros acordes, com a emblemática Revolução Orgânica. Densas guitarras passeiam por letra entre as frustrações e expectativas de uma (sic) “vida de sucesso” e a perenidade da existência humana. Art Rock de arrepiar, com belo diálogo entre as cordas de aço da linha hard rock e uma sensacional flauta em contraste.

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Rosto Barbado

Malena é um samba elétrico numa pegada mais roqueira, mas com o DNA impresso dos irmãos Marcos e Paulo Valle – esse, responsáveis pelas letras. Pista 02 é a mais anárquica e, talvez, incompreendida do disco. E antecipa outra porrada que o cantor carioca lançaria no ano seguinte, coma trilha sonora do longa O Fabuloso Fittipaldi (sob direção de Roberto Farias) – álbum que consolida a união da classuda banda de acid jazz tupiniquim: (a sensacional) Azimuth.

A instrumental Vôo cego é a primeira composição desde o LP Samba Demais (63) que não foi assinada pelos irmãos. E não deve em nada para a fase mais espacial do Grateful Dead. O disco ainda traz outra obra de autoria de terceiro, a extraordinária Paisagem de Mariana, do gênio Federa. Um dos pontos altíssimos do disco, a faixa ecoa reverbérios do (salve!) Clube da Esquina e me faz imaginar o porquê de não ter feito parte dos dois primeiros discos do Som Imaginário.

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Bodas de Sangue

 

Vento Sul, Rosto Barbado e Democústico são exemplos da ruptura com a estética bossa-novista e pega carona no experimentalismo radical em viagem feita com doses cavalares de psicodelia e nuances progressivos. E a a mezzo balada, mezzo hard rock Mi Hermoza  estampa riff pesado com ecos de Led Zeppelin e Black Sabbath.

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O álbum original se encerra com a bucólica Deixa o mundo e o Sol entrar, numa linda linha de guitarras acústicas com piano cuidadoso. Folk-rock de rara beleza estética e que dá um ponto final perfeito para essa obra-prima em miniatura do roque brasileiro. Ouça e tire suas conclusões. Ah! aperte o cinto, e boa viagem.

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