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Arkie do BRock #31 – Quando a sorte te solta um cisne na noite

Por mais que minha verve poética tente rabiscar imagens desprendidas, nada tão icônico se compara a sensível forma que, por falta de inspiração maior, citei no título acima. Não! Definitivamente, não estaria conectado de tamanha profundidade às infindáveis raízes do inconsciente coletivo para esculpir tal síntese abstrata. Quando a sorte te solta um cisne na noite é uma obra-prima de um gênio semi-anônimo, Marco Antonio Araujo. Ponto!

Representante direto do que costumo classificar de rock progressivo barroco mineiro, ele ergueu com punhos fortes a bandeira dos trapos que eram a cena independente no final dos anos 1970 – jornada solitária destinada como fardo pesado a poucos lunáticos. E a lindíssima descrição poética surrupiada para esse pobre texto é seu segundo trabalho, na riquíssima – porém breve – discografia do inspirador músico e compositor.

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Como aos mais aclamados dos seus conterrâneos, o ciclone da beatlemania abalou suas estruturas e ampliou as visões musicais. E sob influência do magnetismo dos Rolling Stones, entrou na adolescência para o grupo Vox Populi, um dos pioneiros em Belo Horizonte a desbravar a Saara do rock’n roll. A recomendadíssima banda, contava com Laudir de Oliveira, Tavito e Fredera, três dos sócios-fundadores do espetacular Som Imaginário.

Quando a sorte te solta um cisne na noite

Sua passagem por lá foi breve. Ficou apenas um ano e participou na gravação de um compacto, pela Bemol, pioneiro estúdio e selo da capital mineira.

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Largou o emprego de bancário e o curso de economia para se dedicar à música. E partiu para o epicentro Londres, onde viveu no mitológico período que assistir performances ao vivo de Rolling Stone, Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd, Yardbirds, Who, The Kinks, Small Faces, Black Sabbath e Jimi Hendrix era trivial quanto escovar os dentes.

De volta ao Brasil, vai estudar composição, violão clássico e violoncelo e se torna um discípulo de Jacques Morelenbaum – maestro carioca e membro da Barca do Sol –, na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E lança ao solo fértil suas sementes criativas em trilhas sonoras para teatro, cinema e dança, como o balé apresentado pelo grupo CORPO. Em 1977, é aceito na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, o qual seguiu como músico profissional por sua breve passagem na vida terrena.
Floydiana


Nas horas vagas, fazia concertos intimistas com suítes progressivas baseadas nas tradições populares das Gerais, num trabalho que se pode encaixotar como desdobramento do Clube da Esquina. Três anos após o retorno à capital mineira, edita de forma independente seu primeiro trabalho autoral: Influências (1980). Disco de uma sensibilidade harmônica belíssima, incluído entre os melhores do sub-gênero.

E mesmo com o tímido reconhecimento limitado ao circuito roqueiro de Minas Gerais, Marco Antonio Araujo voltaria aos estúdios em 1982. Lá se trancou por dois dias para esculpir a sua Pietà: Quando uma Sorte Te Solta Um Cisne na Noite.

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Com arranjos doces e criativos, o álbum é a mais perfeita síntese entre o rock progressivo, música de Câmara e MPB. Mesclando suas habilidades de violoncelo, com guitarras sujas da pura linhagem roqueira, som de flautas e demais instrumentos de sopro, suas poesias sonoras nos carregam sutilmente à infinidade de espaço, em uma viagem de sons agradáveis e imagens extraídas de notas musicais. Como se voássemos dentro de bolhas de sabão.

Concebido de forma independente (como seus três discos futuros, incluindo a coletânea Animal Racional), as seis faixas da obra original bebe de inspirações eruditas e folclóricas com um doce fundo em torno de precisas mudanças eletroacústicas. O resulto é um folk ingênuo mergulhado em flautas sob um sonhador choque de violino e violoncelo. Perfeição!

Alegria

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O espetacular disco abre com um clássico absoluto do progressivo sob os trópicos: Floydiana. Nos 7 minutos e 17 segundos da faixa, Marco Antonio Araujo monta um acadêmico e didático manual da óbvia inspiração usada para batizar a peça. Há uma breve condensação dos mais belos acordes usados em quase toda a carreira do Pink Floyd.

Já a terceira faixa, que dá nome ao disco, é, sem dúvida, uma das mais inspiradoras perfeitas peças do progressivo brasileiro. Música capaz de te levar para as mais longínquas dimensões do espaço-tempo, numa sutil brisa capaz de apaziguar os mais desesperados corações. Ela começa leve, em um delicioso dedilhar de violão e vai encorpando como o arrepiante violoncelo. Ouça e aperte o cinto!

No lado B, surge um instrumento musical feito especialmente para Marco Antônio Araújo. A viola grávida traz inovações acústicas que levam a faixa Música Pop anos-luz à frente das midiáticas composições radiofônicas. Nessa metade do Long Play, o músico mineiro se banha da nata do progressivo holandês, com flautas num patamar acima das executadas por Thijs van Leer. Exuberância harmônica comparável apenas ao clássico Moving Waves, do Focus.

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Cavaleiro + Trilha de Balé Cantares

 

Na reedição em cd, pelo selo paulista Progressive Rock Worldwide, o disco ganhou faixas adicionais: Cavaleiro + Trilha Balé Cantares e Sonata para Cello e Violão. As peças revelam o talento do compositor para música erudita contemporânea, com fraseados inspiradores na altura de Guerra-Peixe (1914-93).

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Marco Antonio Araujo lançaria mais dois discos de inéditas – Entre um Silêncio e Outro (1983) e Lucas (1984) – sempre de forma independente. Ocasião que começava a desfrutar de um prestígio midiático, ao lado do grupo mineiro Mantra. Já com a sua produtora, a Strawberry Fields (nome que dispensa explicação), edita em 1985 a coletânea Animal Racional.

Em janeiro do ano seguinte, ele receberia da revista Veja o prêmio de como o melhor músico instrumentista do país. Galardão que não recebeu em vida. Ele sofreu uma hemorragia cerebral profunda e seguiu rumo ao etéreo um dia antes de ser agraciado pela honraria.

Sua técnica refinada e a complexidade de suas composições ainda são fontes de inspirações às novas gerações de músicos, que tomam conhecimento de sua arte via trocas de arquivos e edições piratas de sua discografia.

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