Quando a (lendária) Barca do Sol entrou no estúdio para gravar o que seria o disco de estreia de Olivia Byington, já era uma banda consolidada. Carregava no currículo dois álbuns que nasceram clássicos absolutos do (bom) roque nacional, numa ímpar mistura de folk, guitarras distorcidas e instrumentos acústicos, órgãos elétricos e poesia à flor da pele.
Combustão capaz de derreter os corações solitários que chegou à margem da perfeição com a sutil voz no debute da cantora carioca – que hoje é mais conhecida por ser a mãe do (sic) humorista Gregório Duvivier. Trabalho que apresentou a delicada voz de Olivia, infelizmente (para o universo roqueiro) um ponto fora na curva na discografia de uma das mais belas vozes brasileiras.
A sutileza no disco lançado pela Continental (gravadora que, junto com a Phillips, ajudou a consolidar o rock no Brasil) em 1978 não se limita apenas ao timbre doce de Olivia Byington. A rica flauta intercalada por textos robustos e delicados do poeta imortal da Academia Brasileira de Letras Geraldo Carneiro (há ainda lindos textos de Cacaso e de João Carlos Pádua), traduzem uma ambientação mais intimista, ao menos na primeira metade da bolacha.
Lady Jane – videoclipe para o Fantástico
Já no lado B, há uma agressividade em contraste com ilhas de calmarias, num dos mais interessantes choques entre o pop moderno e as complexas notas musicais extraídas das transloucas viagens psicoativas da melhor safra do progressivo.
Batizado de Corra o Risco, o álbum condensa complexas texturas de violões que se fundem às flautas, violoncelo e demais cordas, com a fúria e variações sonoras do que o progressivo mundial tem de melhor – guitarras plugadas e sintetizadores distorcidos. Pérola escondida da extensa e obscura discografia da primeira leva da música jovem nacional.
Um prisma multicolorido que embarca desde o rock básico ao (sensacional) tango de Astor Piazzola (numa inspiradíssima letra de Carneiro) – aliás, abro novos parênteses para relacionar a contribuição do mestre argentino para o roque brazuca, com pérolas como Luz de Tango (presente nesse disco) e o compacto gravado com Ney Matogrosso, com as faixas As Ilhas (também com letra de Carneiro) e 1964 (música sobre magistral poesia de Jorge Luis Borges).
Lobo do Mar – Videoclipe
Corre o Risco abre com um folk medieval que se sobressai belíssima flauta, na estupenda releitura de Fantasma da Ópera (presente no primeiro disco da Barca do Sol, em 1974). Na sequência, outra porrada: Lady Jane, faixa de sutil estrutura harmônia sobre linda e melancólica poesia de Geraldo Carneiro. Já Jardim de Infância é uma triste balada acompanhada apenas por órgão e um solo fantástico de vocalização.
O lado A ainda tem o folk emblemático Banda dos Corações Solitários (nome surrupiado da obra-prima do quarteto de Liverpool), com arranjos de cordas e flauta doce. E a face inicial da bolacha se encerra com a delicadíssima Cavalo Marinho, composição de refrão único, que teria a versão definitiva da Barca do Sol no ano seguinte, na jornada independente da trupe, batizada como Pirata (aliás, audição obrigatória para os amantes do BRock).
No lado B – tudo poderia ser diferente no lado B – traz uma espécie de fúria, nas guitarras elétricas e arranjos mais anárquico. Abre com a progressiva Lobo do Mar, carregada de fuzz e facilmente entre as melhores da primeira dentição do roque sobre os trópicos.
O fluxo minimalista retorna brevemente em Água e Vinho – do mestre Egberto Gismonti e padrinho da trupe – carrega breve calmaria sonora, uma inspiradíssima interpretação vocal, num arranjo minimalista e em choque entre violão dedilhado e um sombrio violoncelo.
A nuance sutil se esvai na histérica Brilho da Noite. A faixa em diversos andamentos traz uma bateria em contratempos sobre lisérgica guitarra wah-wah. Obra-prima. O petardo se encerra com Luz de Tango, num misto de tango, erudito e hard, num eletrizante solo de guitarra. Ouça e se segure na cadeira: o tombo pode ser fatal. Mas vale a pena correr o risco!
Olívia e A Barca do Sim – Luz do Tango