RICARDO AMARAL
Quando comecei a tocar em bares, aos 15 anos de idade, um trabalho literário que fiz para minha graduação em inglês teve como tema a canção Hurricane, de Bob Dylan, primeira faixa do magistral LP Desire, de 1976.
Hurricane não é uma canção, apenas. É uma crônica histórica baseada em fatos reais, narrando a trajetória de Rubin Carter, um boxeador negro que foi acusado de triplo homicídio. A retórica ácida e crítica ao sistema estadunidense judiciário é um primor. A música tem 11 estrofes sem nenhuma repetição, que não o refrão.
Por causa do trabalho memorizei toda a letra e com a gaita sustentada num aparador, Hurricane fez parte da história de minha vida musical.
No vídeo, uma apresentação em homenagem a Bob Dylan no Sesc em Santos.
Na época (1979) não tinha nenhum LP de Bob Dylan, o que mudou rapidamente com a amizade com Marcelo Mattar, o Marcelão, que me apresentou três joias o próprio Desire; Blood on the tracks e Slow Train Voming; este último que conta com a guitarra de Mark Knopfler e os arranjos magistrais de sua banda Dire Straits.
Mas não foi atoa que Robert Zimmerman recebeu o Nobel de literatura. Sua poesia transformou a música moderna, transcendendo-a do romantismo ao existencialismo, como uma navalha a cortar a carne de toda uma geração. Bob Dylan influenciou a todos os músicos que dele, temporalmente se seguiram: Beatles, Stones, Led Zepplin, Pink Floyd, Crosby, Still, Nash and Young, Joan Baez e um sem número de outros. Jimi Hendrix e Janis Joplin estão entre os que se lançaram com canções de Dylan.
Mas a trajetória deste pequeno homem, um judeu nascido Robert Allen Zimmerman, em 24 de maio de 1941, em Duluth, Minnesota, EUA, foi além de suas próprias expectativas.
Bob Dylan, neto de judeus russos, escreveu seu primeiro poema aos 10 anos de idade e aos 12 fez sua primeira apresentação em um festival de música folk. Sua primeira banda era um cover de Buddy Holly, considerado por ele o “Elvis dos pobres”.
Mas foi em 1959, já na universidade, que Dylan descobriu o lendário cantor folk Woody Grithorie, a quem visitou, realizando um sonho, em 1961.
Dylan foi educado em Idish. Seu nome hebraico era Zeushe Bem Avraham. Seus avós eram da região de Odessa (hoje Ucrânia), vindos fugidos em um “progrour” antissemita em 1905, o mesmo a inspirar a lendária obra O violinista no telhado.
A inspiração para seu nome artístico veio dos poemas de Dylan Thomas e, assim, nascia o maior letrista da cultura Pop do século 20.
Para que esta coluna não seja enfadonha separei a obra de Dylan em três fases. Não dele, mas minhas com sua obra, a primeira, Desire, o disco que me levou a tudo. Depois Blood os the Tracks e Slow train Coming. E, por fim Bob Dylan (1962), The Times they are a changin (1964) e Highway 61 Revisited (1965). Vai faltar praticamente tudo ainda, mas fica por conta de vocês.
Desire é um disco folk, basicamente. Com o acompanhamento do violinista Scarlet Rivera, Dylan faz uma imersão no regionalismo norte-americano e uma viagem insólita à poesia urbana dos anos 1970. Sempre, a visão de Bob Dylan é o mais simples possível, trazendo uma narrativa surpreendente com roteiros melancólicos e pitadas de suspense.
Meus destaques vão para Romance in Durango e Black Diamond Boy. Não tenho a conta de quantas vezes ouvi estas preciosidades.
Em Romance in Durango, Dylan é um narrador da estória de um bandoleiro “chicano” que cruza o deserto em fuga por seus crimes, tendo sobre seu cavalo “Madalena” o seu violão, que acaba trocado por migalhas.
Ao final, como no roteiro de Love me Tender, o anti-herói é atingido e morre nos braços de sua amada. Tudo isso embalado pelo ritmo latino e com várias frases em espanhol.
Black Diamond Boy é, talvez, a mais brilhante narrativa surrealista de Bob Dylan. Nela, conta-se a estória de uma ilha que sucumbe a erupção de um vulcão, sepultando as ordinárias histórias de seus habitantes. Ao final, Dylan surpreende o leitor (ouvinte) com a transposição da realidade fática, resumindo todos os retumbantes eventos variados à importância nenhuma.
Dylan é considerado chato de voz reticente e irritante. Dylan é um gênio, cuja a voz se torna terciária na canção, o que demonstra sua capacidade inigualável de elevar mais sua poesia do que sua música. Escutem, leiam e entendam Desire. É uma pintura.
