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Carpenters e a trilha embalada por uma das maiores vozes da história

RICARDO AMARAL

Quando se é criança, pouco sabe sobre o amor. Trata-se de um complexo de sentimentos que na pré-adolescência quer mais encontrar uma musa do que uma paixão. Carpenters foi a trilha sonora deste turbilhão de emoções que começava logo cedo, no ônibus para o Colégio Santista e terminavam no breu do quarto que dividia com meus dois irmãos. E ela, Karen, foi meu primeiro ideal de paixão.

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Horizon está marcado em minha vida em lembranças de bailinhos vespertinos, sob luzes coloridas (aquelas lâmpadas gordinhas, uma de cada cor); a luz negra que nos envergonhava com o branco de nossas roupas aparecendo e as meninas sentadas nas cadeiras em fileira.

Meu primeiro beijo (hoje uma bituca, daquelas que servem como cumprimento para essas gerações) foi ao som de Only Yesterday. A simples ideia de dois irmãos formarem uma banda era mágica.

Karen Carpenter é, além de uma das maiores vocalistas pops de todo tempo, uma aula de dicção. Percebam em suas interpretações cada sílaba recebendo sua importância sintáxica, seu valor poético. Devo muito de minha língua inglesa à sua forma de cantar e, obviamente, aliada à minha paixão.

O álbum não tem uma música ruim, chata. É um primor de lirismo e técnica de arranjo. Não, não é rock, mas traz todos os elementos do pós guerra que formaram o ritmo que deu origem a ele. Jazz, blues e doo woop.

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Tonny Peluso, o sempre guitarrista da dupla, era um camaleão de estilos. Produtor da banda, Tony é um músico de jazz e blues e seus riffs são fantástico. (Escute Jambalaya, do LP Now and Then e ouça que solo incrível com uma semi).

E, assim como os Beatles, para o menino Ricardo, banda tinha um Richard. Richard Carpenter é um nerd da música. Sua formação clássica, repleta de Debusi, Paganini ou Tchaikovsky traz uma gama de variações de arranjos e uma qualidade excepcional na escolha dos instrumentos. O tom sutil da flauta doce, um oboé ocasional. Carpenters é delicadeza pura.

Karen, com a voz que Deus lhe enviou, ainda respondeu pela bateria da dupla em várias gravações. A seleção de faixas em Horizon obedece às origens.

Duas delicadas odes a natureza abrem e encerram o álbum: Aurora e Eventide. Ambas as palavras são sinômos de “dawn” e “sunset”, com o apego poético da obra de Willian Sumerset Maugham.

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Only Yesterday, a segunda, é um dos maiores hits dos Carpenters. Os pedais do bumbo anunciam a voz grave, oitava baixa, subindo, subindo, até onde a gente acha que não chega. As vozes, no coro, são dobradas em overdubing com Richard Carpenter.

Only Yesterday, um estrondoso sucesso no Brasil, teve o pior desempenho da banda nas paradas. Chegou apenas ao quarto lugar. Até então jamais um single deles havia atingido menos que o terceiro lugar.

Desperado, a terceira faixa, é um cover de 1973 que foi grande sucesso do Eagles. 

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Please Mr Postman subiu em uma semana de lançamento ao primeiro lugar. O clip, bancado por Walt Disney, mostra a dupla na Disneyland, na Califórnia. A faixa foi originalmente gravada em 1961 pelo grupo da gravadora Motown, The Marvelets, e conta com Marvin Gaye na bateria. Foi regravada pelos Beatles no LP With the Beatles e pelos Carpenters em Horizon.

Um fato interessante sobre a canção é que foi a única a atingir, em três gravações diferentes, o top 10 da Bilboard, sendo que a versão das Marvelets foi o primeiro hit da Motown a chegar ao número 1 nos EUA.

I Can Dream, Can’t I é uma regravação do incrível trio The Andrews Sisters, ícone americano da época da Segunda Grande Guerra e marca, mais uma vez, a incrível versatilidade de Karen nos vocais.

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Solitaire, composição de Neil Sedaka, é um blues maravilhoso e melancólico, que faz analogia a solidão do jogo de paciência. Nos anos 1970, várias das equivocadas rádios traduziam-na como Solitário.

E agora….Happy, minha canção preferida do álbum, é uma composição do produtor e guitarrista da dupla, Tony Peluso. Happy traz, como poucas canções, a descrição do êxtase de se apaixonar pela pessoa certa e viver uma incrível felicidade. Com um certo tom influenciado pelo rock experimental, Richard Carpenter toca um teclado korg que dá uma leveza incrível ao clima “feliz” da canção.

 I’m Caught Between Goodbye and I Love You, composição de Richard Carpenter, é nitidamente uma inspiração em Billie Holiday e suas inconfundíveis canções de frustração amorosa. O estilo é um manancial para a técnica vocal de Karen. O arranjo é um primor, mas a simplicidade do blues e do jazz são a grande característica da música.

Escrever sobre Horizon, ou simplesmente Carpenters, está longe de enaltecer ícones do rock ou mitos do pop. Para entender Carpenters é preciso estar apaixonado ou repleto de felicidade. Nunca tive (e ainda não tenho) vergonha de choramingar sozinho escutando a voz de minha deusa da infância.

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A morte de Karen Carpenter me devastou profundamente. Aliás, desde o clipe do último hit da dupla, Beetchwood 4-5789, em que aparece magérrima, já anoréxica, minha tristeza foi muito grande. Em minha modesta opinião, uma das maiores vozes femininas de todos os tempos.

Obs: Este texto atende um pedido muito especial. Vai para o meu primo Nando, que muitas vezes fez comigo dupla, cantando junto.

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