Em primeiro lugar, desejo um ótimo final de semana aos leitores e visitantes do Blog n’ Roll. Apresento-lhes, agora, a mais nova coluna semanal de sexta-feira. Por meio dela, desenterrarei bandas, artistas e trabalhos que, por injustiças e truculências da indústria fonográfica, não alavancaram no mainstream enquanto tiveram oportunidade. Os textos terão como foco apenas o que provém das décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, sendo, assim, estritamente proibido da minha parte escrever sobre qualquer coisa advinda do século 21. Dada a sinopse, dispensemos demais apresentações.
As primeiras bandas nesta coluna a figurarem as manchetes do Blog n’ Roll são crias do shoegaze. Muito lembrado por nomes como My Bloody Valentine e Slowdive, o movimento (ou gênero musical) também trouxe consigo alguns grupos que, apesar de estarem muito longe do anonimato, não chegaram a desempenhar um grande papel como percursores do gênero, fornecendo pouco mais que alguns hits para a rádio e não demorando muito para que sumissem do mapa, se alimentando apenas do status cult que lhes foram concedidos ao passar dos anos. O número de bandas que se enquadram nesse contexto pode chegar a dezenas, mas, para não prolongar muito, destacarei três das quais julgo merecerem um pouco mais da sua atenção: Chapterhouse, Ride e Rocketship.
Chapterhouse foi fundada em 1986, na Inglaterra. Seu primeiro registro em estúdio, Whirlpool, viria à tona apenas em 1991. Embora tenha adquirido pouca atenção da mídia e do público em geral, o álbum é visto por muitos como um clássico renegado dos anos 90. Com refrões pegajosos, vocais espessos e elementos Dream Pop oitentistas, seu clima deve agradar muito àqueles que curtem alguns clássicos especialistas na musicalidade onírica, como The Cure e Cocteau Twins.
Seu principal single, Pearl, atingiu o Top 75 de singles na Inglaterra, sendo a melhor (e mais acessível) porta de entrada para quem quer conhecer o disco e a banda a fundo. Outros grandes momentos, como Falling Down e Treasure, também são uma boa pedida. Infelizmente, o disco teve o azar de ter sido lançado em um ano conhecido por abrigar tantos lançamentos históricos, o que dificultou a engrenagem da banda para além dos horizontes britânicos.
Também fruto das terras do Reino Unido, a próxima da lista, Ride, tem como principal destaque o seu disco de estreia, Nowhere, de 1990. Lançado antes mesmo da principal bíblia do shoegaze (o irretocável Loveless, do My Bloody Valentine), o registro soa como uma premeditação dos anos 1990 e, ao mesmo tempo, uma vitrine do que foi o fim dos anos 1980 no cenário underground: desde Sonic Youth e Nirvana até Galaxie 500, tudo está reunido aqui, de forma singela, fria e muito ruidosa.
As guitarras, num plano geral, são sujas, porém amaciadas com toda uma atmosfera nostálgica e flutuante que muito parece a trilha-sonora de um sonho agitado (à princípio, você pode achar que seus ouvidos estão zumbindo). Destaque para o semi-clássico Vapour Trail, o hit perfeito para explodir janelas. O álbum seguinte, Going Blank Again, segue o mesmo caminho de viagem barulhenta e o resultado também não decepciona. Pra quem gosta das referências aqui citadas, os dois discos, em sequência, podem proporcionar uma experiência transcendente.
Última e ainda menos conhecida que as outras duas, a californiana Rocketship talvez seja, também, a mais acessível entre as três. Distanciando-se um pouco da cena shoegaze do início dos anos 1990, o grupo flerta com um indie pop que, mais tarde, seria popularizado por nomes como Belle & Sebastian, Two Door Cinema Club e San Cisco; com uma certa influência do grupo de rock alternativo Yo La Tengo.
O primeiro álbum, A Certain Smile, A Certain Sadness, nasceu em 1996, com excelentes faixas extensas e um órgão uniforme de muito bom gosto; embora, pela escassez do gênero àquela altura, o retorno midiático fosse algo quase impossível. Despretensioso, o disco te pega de jeito pela simplicidade com que é concebido, e pode ficar na sua cabeça durante dias, semanas ou meses. Ótimo para momentos noturnos, como ir viajar de madrugada ou observar o movimento dos carros pela janela do seu quarto.
MAS, O QUE É SHOEGAZE?
O shoegaze (ou shoegazing) foi um movimento iniciado no Reino Unido, no final dos anos 1980. A sonoridade é representada por guitarras barulhentas e dissonantes, complementadas por harmonias viajantes, efeitos exagerados de guitarra e vocais etéreos, de forma que fica difícil distinguir o que se está ouvindo. O vocal costuma ser mais baixo que o resto dos instrumentos.
O nome foi dado pela mídia britânica em virtude da falta de presença de palco dos chamados shoegazers, que costumavam ser tão tímidos que passavam suas apresentações olhando para os próprios sapatos. O disco Loveless, da banda My Bloody Valentine, de 1991, é um dos 50 melhores discos dos anos 1990 segundo a Rolling Stone e carro-chefe do movimento, que enfraqueceu em meados dos anos 1990 após a aparição de um movimento maior, o britpop. Todos os álbuns citados aqui são de extrema importância para a compreensão do movimento como um todo.