CAIO FELIPE
Hoje se fala muito de uma “volta” aos anos 90, afinal tem várias bandas buscando inspirações em algo dessa década. Mas talvez num geral hoje estamos revisitando e entendendo melhor um abismo na história do rock brasileiro.
Há 30 anos quando se fala do nosso rock nacional se conta a mesma história das bandas dos anos 80, Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho, entre outras. Depois entramos nas bandas dos anos 90 com Raimundos, Nação Zumbi, Planet Hemp, Charlie Brown Jr, etc.
Até mesmo nosso movimento punk tem sido bem documentado há um tempo, vide documentários como Botinada: A Origem do Punk no Brasil (Gastão Moreira), Guidable: A Verdadeira História do Ratos de Porão (Fernando Rick), Napalm: O Som da Cidade Industrial (Ricardo Alexandre) ou Punks (Sara Yaknni e Alberto Gieco).
Mas não foi só disso que se formou o rock brasileiro. Entre o rock que invadiu o mainstream nos anos 80 e 90, existe uma historia que fez muito barulho no nosso subterrâneo: as bandas de rock alternativo ou “guitar bands” como depois chamaram. Uma geração de bandas que não se identificava com o que vinha sendo feito aqui nos anos 80 e buscava de forma mais direta referencias vindas de fora, sem pudor em escondê-las. Um pessoal que ouvia muito The Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine ou The Velvet Underground.
Renegar o que havia sido feito aqui e todo aquele rock da década de 80 foi importante, elas tinham todas as razões e você provavelmente teria que ter nascido no final dos anos 60 ou começo de 70 pra entender isso melhor.
O Tempo Vai Queimar
Existe um certo consenso de que o marco inicial vem de um disco que não foi muito pensado, sendo basicamente uma compilação de demos sujas, distorção, vocais enterrados e uma atitude (bem) diferente: Time Will Burn, do Pin Ups. Era esse ar fresco e espontâneo que o rock brasileiro precisava na época, basta ouvir a primeira faixa Sonic Butterflies, do lado A, para atestar. O Pin Ups se formou em Santo André lá por 1988 e Time Will Burn saiu no começo de 1990.
Claro que o primeiro deles não vendeu muito, mas como diz a lenda: o primeiro disco do The Velvet Underground não vendeu também, mas todo mundo que comprou formou uma banda.
O lançamento de Time Will Burn foi o pontapé inicial para várias bandas aparecerem ou outras que já estavam na mesma sintonia não se sentirem sozinhas e se jogarem. Falando por cima podemos citar o Pin Ups, Second Come (do Rio de Janeiro) e Killing Chainsaw (de Piracicaba) como a tríade de outsiders que se formava por aqui.
A imprensa nacional num geral empilhou essas bandas sob o rotulo de “bandas que cantam em inglês” e não dava muita bola, salvo algumas exceções.
“Nossa geração veio logo depois daquela cena de bandas como Fellini, Akira S, Voluntários da Pátria, etc, que era formada por jornalistas e intelectuais que escreviam muito bem, faziam boas letras e tinham muito mais a dizer do que nós, um bando de moleques influenciados por My Bloody Valentine e Jesus and Mary Chain, cujos vocais eram sempre enterrados sob uma parede de som. A voz era só um instrumento, nossa voz era o barulho.” Resumiu o guitarrista do Pin Ups, Zé Antonio Algodoal (entrevista para o site Trabalho Sujo).
Tema esse sempre em pauta para as bandas que cantam em outra língua no Brasil – “Por que vocês cantam em inglês?” (socorro!). Abre-se para o que vem de fora e fecha-se para o que é feito dentro.
“Eu odeio essa coisa de ‘você tem que cantar em português porque é a língua do nosso país’… Meu, não quero que você entenda o que eu falo. Quer entender? Vai ler a letra. Não quer entender? O som é legal… Se existe um público para o Oasis, por que não existe um público para o Pin Ups ou Snooze? Se existe um público para o NOFX, por que não existe para o Garage Fuzz? Só porque somos brasileiros temos a obrigação de cantar na língua nacional? (Alê do Pin Ups para blog Zinismo).
Pin Ups – Pure
O rock já havia perdido um dos seus principais ingredientes: veneno. Já não era novo, nem novidade. O mesmo acontecia no resto do mundo, na cena inglesa e americana. Lá fora quando surgiu o Nirvana e toda trupe de Seattle colocando o rock alternativo em evidência ou posteriormente o britpop , a mídia abraçou, rotulou e vendeu. Aqui tentaram ignorar. Alguns discos aqui saíram com a mesma sintonia e time de clássicos do rock alternativo lá fora, não era uma mera cópia como várias publicações acusavam injustamente na época.
Em 1993 essas bandas brasileiras se aproximaram mais das gringas com a quinta edição do Hollywood Rock que trouxe Nirvana, L7 e Alice in Chains.
O jornalista André Barcinski, na época com 23 anos, viveu toda a explosão do rock alternativo “in loco” pelas estradas dos Estados Unidos, onde passou cerca de três meses com o objetivo de entrevistar o máximo de bandas possível. Viu shows, entrevistou e documentou gente como Mudhoney, Nirvana, Tad, Jello Biafra, Ministry, Ramones, Cramps, entre outros. Tudo isso rendeu o livro Barulho – Uma Viagem pelo Underground do Rock Americano, de 1992 (no qual levou um prêmio Jabuti – olha só). Baixe o livro disponibilizado pelo próprio Barcinski aqui.
Mickey Junkies – Everything
Como a grande parte dessas bandas não conseguia emplacar de alguma forma aqui, o caminho foi de certa forma dar as costas para o Brasil e tentar criar um outro método de trabalho.
Em 1993 o Festival Juntatribo juntou várias dessas bandas como Killing Chainsaw, Pin Ups, Mickey Junkies, Low Dream, Second Come em um festival de três dias em Campinas.
Festival JuntaTribo que aconteceu em 1993
“É o tipo de evento que tem tudo a favor. É um ótimo espaço para as bandas e para a imprensa divulgar o trabalho de grupos pequenos”, disse. “O mercado tem muita coisa boa mas não tem estrutura, não é bem estruturado como o rap, por exemplo.” (Sérgio Vanalli – idealizador do Junta Tribo – em 1994 para a Folha)
Se hoje você toca numa banda de rock lembre-se que essa turma e pessoas em volta abriram muitas portas e criaram tudo que a gente conhece como independente por aqui. Zines, demos (em k7 e depois cdr), casas de shows e festivais independentes. Gente que na época não se importou ou se deixou seduzir por propostas indecorosas do mercado fonográfico ou gravadoras que hoje rastejam para sobreviver.
Não foi aquela banda com nome de caixa postal que lançou um CD independente e em seguida assinou com uma major ou aquele cantor com nome de bicho que uiva que criou o independente aqui. Foram todas essas pessoas que de certa forma viraram as costas para um mercado que os ignorava e tentou criar sua própria plataforma de trabalho.
Second Come – I Feel Like I Don’t Know What I’m Doing
Não só de barulhos e distorção era composto as bandas da época, o Low Dream de Brasília por exemplo apostava no indie rock mais melódico britânico.
Esse ano foram produzidos (de maneira independente) dois documentários que falam desse cenário do rock brasileiro: Guitar Days (Caio Augusto Braga com co-produção de Magoo Félix e Maurício Palhano), Time Will Burn (Marko Panayotis e Otavio Sousa) e o livro RCKNRLL (Yury Hermuche).
Talvez o que temos hoje não é apenas um saudosismo e uma tentativa de imitar os anos 90, mas de certa forma a história agora se cruzou e há um reconhecimento entre as bandas novas da nossa própria história e de sua importância. E que essa nova turma olhe para frente também e veja que não tem nada a perder!
DeFalla foi uma das que “deitou e rolou” no final de 80 e 90
Alguns discos só para começar:
Pin Ups – Time Will Burn (1990) e Lee Marvin (1997)
Second Come – You (1991)
Killing Chainsaw – S/T (1992)
Low Dream – Between My Dreams and the Real Things (1994)
Mickey Junkies – Stoned (1995)
Brincando de Deus – Better When You Love (Me) (1995)
The Cigarettes – Bingo (1997)
Wry – Flames in the Head (2006)