RICARDO AMARAL
Nas tardes de sábado, na Rua Ceará, 40, em Santos, além da porta coberta de frases de quem dentro de meu quarto já estivera, havia um pôster objeto de minha admiração diária. Talvez a ilustração mais significativa em minha memória afetiva. Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy não é apenas um disco. Era um entretenimento.
A minha edição inglesa (comprada às duras penas como engraxate oficial dos mocassins de papai) em 1977 (o lançamento na Inglaterra deu-se em 1975) era uma jóia preciosa. Além de trazer um dos melhores álbuns que já ouvi em toda minha vida, o invólucro era uma capa dupla com um pôster dentro (aquele no meu quarto), um encarte de letras e uma ficha de inscrição do fan clube oficial, assinado pelo Capitão Fantástico. Fala sério!!!!!??? Era como tomar um ácido após o peixe ensopado de sábado, aos 13 anos de idade, sem nenhum contraindicação.
O álbum – nono de Elton John e Bernie Taupin – é considerado a maior obra prima da dupla. Uma auto biografia sobre Elton (o Capitão Fantástico) e Bernie (o vaqueiro sujo de lama). Já era fabuloso abrir aquele “livro” com tantas surpresas, mas depois de Goodbye Yellow Brick Road, eu duvidava ouvir algo ainda melhor, mesmo com um título de disco ainda maior.
Crédito do vídeo: Vera Peralta
A faixa-título funciona como quatro canções dentro de uma. A descrição das figuras literárias do Capitão e do menino é de uma preciosidade Machadiana. Uma frase me encantava (e até hoje encanta): Hand in hand went music and the rhyme, The Captain and the Kid, numa referência lírico-poética da relação entre música e letra e os dois protagonistas do conto psicodélico.
Na segunda faixa, torres de Neve, Cimento e Marfim. Tower of Babel descreve o ambiente das orgias regadas a drogas e prostitutas que reinava no estrelato do rock nos 1970, trazendo uma comparação com as bíblicas Sodoma e Gomorra. Outra frase icônica: os traficantes estão lá embaixo, preenchendo suas receitas para um novíssimo ataque do coração. Sensacional!
Bitter Fingers é uma ode às demandas de Elton por letra ao parceiro Bernie. Bernie reclama: “é duro ter que escrever uma canção com dedos amargurados. Tanta coisa para provar, tão pouco para te justificar..” Bitter Fingers é minha canção preferida do disco e tive a honra de canta-la em 1 de maio de 1992, em uma das melhores bandas que formei.
O lado A termina com a mais famosa do disco: Someone Saved my Life Tonight, outra maravilha que aponta a falência humana diante do sucesso e da oligarquia inglesa endinheirada. Quando ouvi esta música no show, debaixo daquela chuva, cantei aos berros cada verso, como se Elton pudesse, enfim, me ouvir.
Em We All Fall in Love Sometimes, uma emocionante e corajosa despedida de Bernie, que se casara meses antes e decidira que aquele seria seu último trabalho com seu parceiro John. Cada palavra ali inserida me emociona profundamente, pois esta foi a maior dupla de compositores que vi. Sim!!!!! Mais ainda que Lennon e McCartney (e olha que tenho pedigree para afirmar isso), pois a simbiose entre Elton John e Bernie Taupin era puramente isotônica. Letra e música. Um para o outro. Sem disputas.
Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy foi relançado em CD com as faixas Philadelphia Freedom e Lucy in the Sky with Diamonds, lançadas em single no mesmo ano do álbum. Não tenho nenhuma dúvida que este disco é um dos que mais ouvi em toda minha vida. Faz parte do que sou e amo. Que saudades do meu quarto na Rua Ceará.