Conheci o Fairport Convention de maneira aleatória, através das recomendações randômicas da plataforma Deezer, poucos meses atrás. Não demorou muito para que obtivesse conhecimento de toda a importância histórica que a banda carregava nas ilhas britânicas para o folk. Para quem não sabe, a banda foi a primeira a arriscar o folk elétrico no Reino Unido, sendo a pioneira do gênero e influenciando nomes como Nick Drake e Tyrannosaurus Rex (antes de se tornar o T. Rex) a buscar novas sonoridades, sendo praticamente um patrimônio histórico da música tradicional britânica nos dias atuais.
A sonoridade da banda contém elementos culturais marcantes da cultura inglesa, com letras pautadas em lendas folclóricas do país – algo parecido com o Secos & Molhados no Brasil. Seu quarto disco de estúdio, Liege & Lief (1969), é a maior síntese dessa estética sonora. Com os vocais femininos inéditos de Sandy Denny, o disco é praticamente um livro de contos e fábulas, carregando uma aura de magia contagiante que pode agradar até mesmo aqueles que não se identificam tanto assim com o estilo.
Matty Groves, o “hit” do disco, é uma reinterpretação de uma cantiga tradicional da Inglaterra que aborda, principalmente, o adultério e o crime passional. O clima amigável da canção soa como uma ironia interessante em meio à letra “pesada”. O que mais me chamou a atenção, no entanto, é o fato da canção ser muitas vezes creditada ao The Velvet Underground, confusão que acredito ser causada pelo contraste entre uma letra forte e extensa com uma melodia simples, característica marcante do grupo liderado por Lou Reed. De fato, há semelhanças, e não dá pra dizer que a voz de Sandy Denny não lembre um pouco a de Nico em certos momentos.
O momento mais interessante do trabalho surge com a faixa Reynardine. O começo místico, com pratos suaves e acordes soltos no violão, são a catequese que o ouvinte precisa para imergir fundo no disco. A letra é uma fábula misteriosa sobre uma raposa chamada Reynardine, que atrai mulheres bonitas para seu castelo e não deixa pistas sobre o que acontece lá dentro. É um conto antigo, que surgiu nos tempos da Era Vitoriana e foi aproveitada pelo grupo de forma excepcional. Nesta canção fica nítida a influência do álbum sobre a cantora Florence Welch, do Florence + The Machine, que também costuma abordar temas fantasiosos/folclóricos e cujo vocal lembra muito o de Denny em vários momentos.
Apesar da boa recepção do disco e dos enormes reflexos causados na cena folk mundial – na década passada foi colocado como o maior registro folk de todos os tempos pela BBC -, os anos seguintes marcaram o início de uma instabilidade contínua na formação da banda, que já contou com 24 membros desde sua formação. Foi com a formação original, no entanto, que a banda serviu de apoio para o clássico Bryter Layter, do Nick Drake (que merece um espaço especial nessa coluna), apresentando todas as habilidades e virtuosismos jazzísticos presentes nos músicos.
Um bom final de semana a todos.