RICARDO AMARAL
Ao final de 1964 (ano em que nasci) os quatro garotos de Lverpool deixavam a América após uma temporada pela costa Oeste. Aquilo não eram shows. Era uma visita a um manicômio, com todos os loucos soltos e perigosos. O grau de histeria emergido da primeira tour em fevereiro do mesmo ano (Ed Sullivan Show) chegara ao insuportável. Nenhum dos quatro podia sequer sair de dentro do quarto do hotel. Nem chamar a camareira ou pedir comida no quarto. Por mais que os funcionários fossem treinados, acabavam chorando, roubando uma peça de roupa, enfim…. vai entender.
Bom, eu entendo, porque na única chance in a lifetime que tive para conhecer Paul, decidi que não; sei lá; medo…
Geroge Harrison foi o primeiro a questionar se isso era algo saudável às crianças e se, enfim, os Beatles eram apenas atrações circenses.
Ao fim daquele ano, quando retornaram de um intervalo, John Lennon trouxe 12 canções (metade só usada em 1966 em Rubber Soul), mas a principal era um grito visceral; um pedido, um clamor: SOCORRO!!!!!
Brian Epstein sugeriu o nome da novo disco: HELP e neste momento surgia a silhueta mais famosa do rock and roll. Os quatro formando a palavra Help em alfabeto de sinalização náutica, como bons liverpoolianos.
Help é o princípio da mudança; o amadurecimento musical dos quatro. Era o experimento de novos sons. Por isso, não vou seguir aqui música a música, tolamente, como se quisesse falar o já esgotado sobre um álbum que enfiou quatro de suas canções no primeiro lugar na América.
Hoje vamos escrever sobre sons e não serão onomatopeias, mas sim como a tecnologia passou a servir os Beatles, em razão de sua popularidade. Tipo assim… até 1963, a Hofnner vendia 200 contrabaixos por ano. Em 1965, 3 mil.
Começamos pelo instrumento criado especialmente pela Vox para os Beatles. O CONTINENTAL PORTABLE ORGAN.
Este piano foi um protótipo do que hoje conhecemos simplesmente pela evolução órgão elétrico, piano elétrico, teclado elétrico.
Custando cerca de £260 e feito exclusivamente para Lennon, o Continental vinha com um vibrato original (built-in vibrato), ou seja, criava o vibrato ele mesmo. Era então possível gravar com vibrato e recria-lo no palco. Sim!!! Porque, à época, o respeito pelo público era tão grande, que o artista só gravava o que podia ser fielmente reproduzido no palco. A novidade foi usada em Help e em I’m Down!
Em 16 de agosto de 1965 chega aos estúdios da Abbey Road uma encomenda de John Lennon: um meloteon Chamberlin! O mellotron foi usado pela primeira vez em Strawberry Fields Forever, mas Lennon recebeu aulas do engenheiro que criara o fantástico som que envolvia uma atmosfera lúdica e absolutamente inexistente.
Após a última excursão americana Lennon encontrara-se com Bob Dylan e era então iniciado na maconha. Nesta conversa, Lennon pergunta ao ídolo: você gosta da minha música?
Dylan: – É um fenômeno de perfeita, mas inútil!
Lennon: – Desculpa, inútil?
Dylan: – Quando essa loucura passar, você só falará de amor. Você deve esconder esse amor pra lá.
A frase caiu como bomba nos ouvidos de John… Dylan estava certo. Essa estorinha de amor causara, sem dúvida, esse frenesi ridículo na juventude, porque só havia amor platônico.
https://www.youtube.com/watch?v=3bah804TnY4&feature=youtu.be
You’ve got to hide away virava a página na história dos Beatles. E John vai na ferida mais profunda. Escreve a letra para Brian Epstein, homossexual e guardado a sete chaves. Dizem, apaixonado por Lennon. Mas isso é fofoca.
Para esta canção, uma marca clássica de violões, Framus, criou o doze cordas Hootenanny, cujo som não pode ser imitado.
Em Another Girl, Harrison decide experimentar a Rickembacker 325 de Lennon após retornar do conserto. Com ela grava a canção, sendo a única em que Lennon faz a base de violão e George sola com sua guitarra mítica!
Em 1965, também, a Rickembacker cria o que viria a ser o som preferido de George: a 360/12. Uma versão da minha guitarra, em doze cordas. Uma sonoridade que explodiu em I Need You, primeira canção de Harrison a enfrentar os hits Lennon & McCartney. A introdução inimitável de Ticket to Ride foi outra bênção criada pela mesma 12 cordas Rickembacker.
Aqui, uma correção de pronúncia. Na língua inglesa, uma vogal que antecede duas consoantes tem o som da vogal latina. Exemplo: Lennon. Como a vogal “e” tem o som de “i” em inglês, Lennon recebe dois Ns. Logo, RickembACker e não RickembEICker como falamos aqui.
Finalmente a canção de maior impacto deste disco: Yesterday. Como adjunto adverbial de tempo, Yesterday recebe uma figura de linguagem unicamente existente em inglês. Sua tradução, pois, não é ONTEM, mas ANTIGAMENTE ou, pra acertar na mosca, OUTRORA.
Yesterday foi o céu e o inferno. É uma composição original de 1957 de McCartney. Foi criada no piano e, sua letra apenas para acompanhar a melodia era: Scramble eggs. Every morning I have scramble eggs!
Sim, ovos mexidos. Pois bem. Nas últimas sessões de Help, Lennon flagrou Paul apresentando a melodia para George Martin, e cantando ovos mexidos…
John entra e retruca…. coloca aí algo de antigamente (something about yesterday) e começou a pintar a primeira estrofe. Yesterday é ainda hoje a mais gravada canção de todos os tempos. E lançou Paul numa série de êxitos de composições de amor, logo quando Lennon, influenciado por Dylan, encerra esta mesma fase. Tornou-se quase impossível compor músicas juntos…. era o fim. NÃO. Era o começo.