RICARDO AMARAL
Dedicado a Rubens, Gildina (em sua memória), ao Régis e ao Rogério
Minha infância foi gravada por músicas inesquecíveis e, com elas, lembranças de papai e mamãe, juntos, e meus irmãos que sempre foram (e ainda são) meus maiores amigos.
Uma dessas lembranças é esta música incrível, com uma melodia excepcionalmente lírica, e uma das letras mais deprimentes da história da música pop.
A memória mais forte que ela me traz não fazia nenhuma relação com a letra, porque à época, 1972, eu tinha oito anos e me lembro, como um filme, a entrada de porta branca arqueada, da casa de tijolinhos da sua Rua Carlos Campos na Ponta da Praia, em Santos. A escada, cuja proibição eu recebi de subir, pois havia caído um dia… e os quartos. Dormíamos os três juntos.
Tanta coisa aconteceu de lá para cá que a letra acabou tendo um sentido enorme para mim.
Gilbert O’ Sullivan é um trovador irlandês. Um cavalheiro gentil e dedicado a sua família. Sua canção Clair (cujo link eu aqui adiciono com a tradução) dedicada à filha do seu produtor, Gordon Mills, e de sua esposa, Jo Waring, é uma graça de poesia. Adulta, mas açucarada, tem uma melodia extremamente delicada e infantil.
Sullivan nasceu em Waterford, Munster, uma cidade portuária no sul da Irlanda, no Mar Celta.
Alone Again ainda ficou gravada em minha memória (espetacular para essas baboseiras e traiçoeira para coisas importantes, como nomes associados a rostos) por anunciar a hora de irmos para cama. Era a abertura da novela O Bofe, uma das primeiras do horário das 22hrs, na então TV Record.
Na letra vocês verão uma biografia quase mórbida de um suicida em potencial, preso às memórias do passado de um cara que foi abandonado no altar por sua paixão.
Quer mais…? Quer você queria ou não, é a hora da tradução. Para aqueles que jamais haviam parado e traduzido estas pérolas do Pop, minhas desculpas. Tive a mesma tristeza quando parei e entendi. Muito triste.
Novamente sozinho, naturalmente
Daqui a um tempo
Se eu não estiver me sentindo menos amargurado
Eu prometo me tratar
E visitar uma torre próxima
E subir na torre próxima até o topo e me atirar de lá
Num esforço para mostrar claramente
Como é que é quando você está despedaçado
Deixado esperando no altar da igreja
Onde as pessoas diziam: “Meu Deus, isso é duro!
Ela o abandonou”
Não faz sentido ficar e esperar.
Podemos também ir pra casa
Como eu fiz
Sozinho outra vez, naturalmente
E pensar que ontem mesmo
Eu era contente, radiante e alegre
Esperando ansioso pelo bem que não me faria
O papel que eu estava prestes a desempenhar
Mas como se para me derrubar
Veio a realidade
E sem alarde, com um mero toque
Me cortou em pedacinhos
Me deixando a duvidar
Dessa conversa de Deus e Sua misericórdia
Ou se é que Ele realmente existe
Por que Ele me abandonou na hora que eu precisava
Eu estou realmente sozinho de novo, naturalmente
Parece-me que há mais corações
Partidos nesse mundo que não podem ser remendados
Desamparados
O que nós fazemos? O que nós fazemos?
Sozinho outra vez, naturalmente
Agora rememorando ao longo dos anos
E do que mais apareça
Eu me lembro que chorei quando meu pai morreu
Nunca desejando esconder as lágrimas
E aos sessenta e cinco anos de idade,
Minha mãe, que Deus abençoe sua alma,,
Não podia entender por que o único homem
Que ela amou lhe foi tirado
Deixando-a para recomeçar com um coração tão partido
Mesmo com meu apoio
Nenhuma uma palavra jamais foi dita
E, quando ela se foi,
Eu chorei e chorei o dia todo
Sozinho outra vez, naturalmente
Quando disse que esta letra ganhou grande significado para mim, afirmo que é sempre mais fácil se colocar na posição de vítima, como o protagonista, seja pela razão que tenha para matirizar-se.
Por vezes, o nosso martírio apenas espalha a nossa dor, afastando de nós as pessoas que nos querem ajudar e não deixamos. Porque é poético o martírio. E sabe como isso termina? Sozinho de novo, naturalmente.