RICARDO AMARAL
Era 1979 quando papai me perguntou o que eu gostaria de ganhar nos meus 15 anos. Tradicionalmente, na época, meninas ganhavam a festa de debutante e nós, meninos, um relógio. Os digitais acabavam de ser lançados e havia uma febre adolescente. Eu não. Pedi a coleção inteira dos Beatles!
Até aquele momento, Beatles para mim eram três compactos simples e o vermelho e o azul, duas coletâneas lançadas em 1970 que usucapi da discoteca do papai.
Eu me lembro deste 17 de janeiro até hoje e o considero uma das maiores marcas em minha personalidade. Peguei o 53 na Rua da Constituição, sentido Centro (sim era duas mãos e passavam dois trólebus), e desci na Praça Mauá, onde papai me esperava. Fomos até a Marimba, uma lojinha numa transversal da General Câmara, onde papai já havia encomendado a coleção e, já com disenteria nervosa, peguei meu presente.
Chegando em casa (mamãe foi me pegar), eu tirei o plástico e, como fazia e faço em todos meus discos e livros, coloquei minha rubrica na contra capa e no selo do lado A.
O primeiro a ganhar 33rpm no meu 3 em 1 Gradiente foi Please Please Me. Fiz o ritual ano após ano, como se vivesse ali, 1963, 64…
https://www.youtube.com/watch?v=2Zj2BCJYK-Y&feature=youtu.be
O disco tem exatamente a mesma foto dos quatro no prédio da Capitol Records em Londres, que foi usada na coletânea que eu venerava. Mas era o primeiro. Vocês não estão entendendo… Eu estava lá, em 1963, ouvindo aquele disco pela primeira vez.
Please Please é um marco em vários sentidos. Mostra um retrospecto dos Beatles em sua fase Doo Wop, com boleros e valsas, covers e versões, mas apresenta o que viria a ser o som que modificaria toda a estrutura do rock até então conhecido.
Please Please Me não é um álbum para você procurar defeitos ou encontrar fenômenos. É um disco para dançar, sonhar e sorrir.
I Saw Her Standing There é um estilo Chuck Berry que levanta qualquer um da cadeira em qualquer festa até hoje.
Os vocais de Paul e John na terça que marcou o estilo da Beatlemania. Esta canção foi composta ainda na fase da banda no Star Club, em Hamburgo, na Alemanha e era o hit para levantar todos. Na época, eles acreditavam que este seria o carro chefe do primeiro disco, mas não havia nada de novo ou inovador na música, apenas o swing.
https://www.youtube.com/watch?v=uZMQU4c1pEg&feature=youtu.be
Misery, uma valsa, foi escrita por John e Paul (mais aquele do que este) especialmente para agradar Helen Shapiro, para quem os Beatles abriram toda sua turnê britânica em 1963.
Anna (Got to Him) é um cover da original de Arthur Alexander e, embora o nome diga “got to him” se canta “go with him”, trama que foi utilizada em I Want to Hold Your Hand, que se canta I wanna…
Anna é mais uma do repertório dos Beatles, na Alemanha, e é um exemplo típico da influência do Doo Wop na música dos fab four.
Chains é uma canção composta por Gerry Goffin e Carole King, que na época eram marido e mulher. A canção fez pouco sucesso com Little Eva and the Cookies. Também não faria nenhum sucesso se não estivesse em Please Please Me.
Boys, cantada por Ringo Star (que sempre arriscou um vocal enquanto nos Hurricanes), foi um hit do grupo feminino americano de Doo Wop The Shirelles, de quem Paul McCartney era fã.
A canção foi composta principalmente por Lennon mas creditada a Paul McCartney e John Lennon, como todas impressões do álbum e dele em diante. A canção fez parte da audição dos Beatles da Parlophone, no dia 6 de junho de 1962. O arranjo da canção foi inspirado no estilo de Smokey Robinson and the Miracles e foi o lado B do single Please Please Me.
A música título do álbum é também uma valsinha, inspirada no estilo irlandês e sua principal característica, assim como acontece em Love Me Do, é que não se consegue a sonoridade da oitava principal sem o arranjo de terças feito por Paul e John. A brincadeira poética com os significados da palavra please foi o que levou George Martin a considera-la o carro chefe da banda para chegar ao primeiro lugar. Bom, Love Me Do cuidou disso antes.
Love Me Do será objeto de uma coluna só para ela, afinal há tanta história e estórias envolvendo a canção que acho que ela merece, embora musicalmente seja pobre pobre de marré marré de si. PS I love you estará com ela.
Baby It’s You é uma canção escrita por Burt Bacharach (música), Barney Williams e Hal David (letra). Foi gravada por The Shirelles. Outra conhecida versão é da banda norte-americana Smith, que alcançou o 5° lugar da Billboard Hot 100. Parece incrível imaginar como os Beatles foram influenciados pelos trios vocais femininos, mas uma grande parte de seus covers foram delas.
Do You Want to Know a Secret é uma canção infantil de John Lennon. Foi composta inspirada no tema I Am Wishing, do desenho Branca de Neve e os Sete Anões, de Walt Disney, que sua mãe Julia cantava quando pequenino. John ofereceu a música a Geroge Harrison, que tinha paura de cantar. George não conseguia atingir notas altas e Lennon queria que ele começasse a aparecer.
A Taste of Honey é mais uma do repertório dos Beatles nas noitadas em Hamburgo. Composta por Bobby Scott e Ric Marlow a canção foi gravada pela primeira vez por Scott e recebeu várias versões durante anos. A música foi inspirada na peça de teatro homônima.
A mais famosa versão da música foi o cover instrumental feita por Herb Alpert and the Tijuana Brass, que chegou ao Top Ten de 1965 e ganhou o Grammy do ano.
A única versão cantada a fazer pouco sucesso foi a de 1964, feita por Tony Bennett. There’s a Place é minha favorita. Nunca li nada a respeito do que vou afirmar, mas para mim a canção é inspirada nos hits dos Beach Boys. A afinação maestral da dupla Lennon e McCartney é a síntese da Beatlemania.
Na versão oficial, a canção foi inspirada na música de Leonard Bernstein Somewhere, feita para o musical West Side Story que contém a frase: “Somewhere there’s a place for us”.
Se eu pudesse emprestar esse jargões vindos do anglicismo, eu usaria o termo viralizou para um dos maiores hits da história do Rock: Twist and Shout.
Assim com Shout, nunca gravada pelos Beatles, mas presente em muitas de suas apresentações no começo da carreira, Twist and Shout é uma música feita para levantar até os mais desanimados.
Escrita pela dupla Medley e Russel, Twist and Shout é um cover do trio de Foo Wop The Isle Brothers. Cover mesmo.
Os Beatles fizeram vários covers, como Words of Love, de Buddy Holly, mas nada como Twist and Shout. Mesmo as inesquecíveis Love Me Do e Please Please Me não chegam à eternização desta versão.
Quando Lennon foi gravar, ficou totalmente afônico, por isso, quando tocavam ao vivo, a música fechava todos os shows. A abertura mais famosa da canção foi no Royal Variaty Show, em 1964. Este evento beneficente promovido pela família real inglesa era o mais concorrido do ano.
Lennon, ao ver a família real no camarote, antes de urrar Twist and Shout, lançou a pérola para o publico plebeu: “Para nosso último número, eu queria pedir a ajuda de vocês. As pessoas nos assentos baratos podem bater palmas. O resto de vocês pode sacudir as jóias”.
Que falta faz Lennon para a sociedade atual. Não há mais contestação a nada. Apenas aceitação.
https://www.youtube.com/watch?v=rvBCmY7wAAU&feature=youtu.be
Desta forma alegre estridente e marcante, os Beatles estreavam no mundo do rock, levando duas canções ao primeiro lugar: Please Please Me e Love Me Do.
Semana que vem, Love Me Do e PS I Love You e as estórias e história de sua gravação.