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Retrovisor #05 – A (bela) poesia suja de André Prando em versão as veras

Existe um (restrito) grupo de artistas que, por não se encaixar em modismos passageiros ou fórmulas pré-fabricadas de sucesso instantâneo, passa a ser rotulado de maldito. Anátema cunhada pelas ilógicas regras do jogo mercadológico, que empurram para a margem gemas brutas por as considerar de baixo apelo popular.

Seletíssimo naipe de gênios da música feita sob os trópicos, cujas composições nem sempre atingem o grande público; mas derretem os mais antenados ouvintes que passam a ser fieis admiradores. É nessa corda bamba que o capixaba André Prando se equilibra sobre os desfiladeiros.

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Um dos principais nomes da nova safra de músicos vindos do Espírito Santo, ele acaba de lançar um petardo ao vivo. O material é o registro pé na estrada do Estranho Sutil, álbum gravado em 2015. Preciosidade da atual cena psicodélica tupiniquim, o disco encabeçou inúmeras listas dos melhores lançamentos daquele ano.

Single Em chamas no chão

Pungente e alucinógeno, o diamante puro demonstra que a sutileza pode coexistir mesmo no lado mais amargo da vida, num belo choque entre o som carregado de lirismo, flambado com doses cavalares de fúria e choque ao establishment. Tudo isso bem temperado com parábolas lisérgicas de alto nível.

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O discaço sucede o elogiadíssimo EP Vão, que foi o debute do compositor capixaba. E completa algumas lacunas deixadas no trabalho inaugural, como a depreciar o tipo comportamental dos que se mantêm sobre linhas pré-traçadas pelos signos do comum. É uma ode ao vagabundo, que não se deixa moer pelas engrenagens do Status-Quo e insiste em trilhar por abismos que se desfazem sobre os pés descalços dos invisíveis fios do destino. É poético e revigorante.

Recheado de fortes canções, o material (seja o ao vivo ou o de estúdio) flerta com o som setentista, em especial pelos compositores alocados à margem da indústria fonográfica. E imprime letras com intenso cunho poético acerca das durezas do cotidiano, numa linha literária batizada por seu criador como “beleza do feio”. As 10 composições bem lapidadas ganham vida etérea na voz carregada de forte identidade, que remete aos trabalhos mais classudos de Raul Seixas e do também capixaba Sérgio Sampaio – influências que transbordam em sua obra.

Registro pé na estrada de Estranho Sutil

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Sérgio Sampaio (1947-94), aliás, teve capítulo redescoberto com o trabalho de Prando. Um dos ícones da geração sob a penumbra do (malfadado) rótulo Maldito, o também capixaba foi engolido pelo turbilhão mercadológico após o estrelato repentino no Festival da Canção de 1972. Naquela ocasião, ele superou o conterrâneo Roberto Carlos, com o sucesso arrasta quarteirões Eu quero é botar meu bloco na rua. O compacto vendeu mais de meio milhão de cópias em poucas semanas, e abriu caminho para ser contratado pela poderosa Phillips, gravadora que dava as cartas na música feita no Brasil.

Seu maior êxito, no entanto, foi também a sua ruína – e passaporte sem escala à margem fonográfica. Sérgio não sucumbiu à pressão da gravadora para reproduzir um disco que soasse aos moldes de Bloco na Rua. A rebeldia criativa teve sabor amargo para o compositor. A gigante deixou o sensacional álbum de estreia à deriva; que, sem a devida divulgação, fracassou nas vendas e abreviou sua passagem pela major holandesa .

E os (parcos) interesses comerciais quase jogaram na vala um espetacular trabalho. O belíssimo disco conta com a participação da Azimuth, banda de acid jazz com robusta carreira internacional, embora ainda semi-desconhecida no Brasil. E é um dos últimos produzidos por Raul Seixas, que deixara os bastidores fonográficos rumo ao estrelato – naquele ano, o baiano lançaria Gita, terceiro álbum e seu maior sucesso comercial. Os dois músicos protagonizaram anos antes a estupenda ópera-rock Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, junto de Mírian Batucada e Edy Star.

Resgate da canção perdida de Sérgio Sampaio

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André Prando resgatou um clássico quase esquecido do ícone capixaba. Faixa a qual ele encerra o psicoativo trabalho e que ganhou um bem produzido clipe. Composta no ápice de sucesso de Sérgio, a canção Última Esperança narra em uma espetacular crônica a angustiante tragédia do edifício Joelma (atual Praça da Bandeira, em São Paulo). Ainda sob o impacto do incêndio que provocou a morte de 187 pessoas, a reação do público foi adversa nas poucas vezes que Sérgio apresentou a forte música. A canção só não ficou em definitivo no anonimato graça à gravação caseira feita por um fã, na década de 1990 – ocasião que Sérgio já padecia de pancreatite, doença que nos deixaria órfão do gênio musical.

As composições de Prando ganharam novas roupagens nas performances viscerais no palco. E um ano após rodar as principais capitais com seus vocais rasgados e acordes bem calcados no rock clássico, ele resolveu registrar a catarse que reproduz no palco. O material foi captado numa apresentação para o projeto Música da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E o apocalíptico show está na íntegra no Youtube. Raríssima oportunidade para os admiradores (incluindo esse escriba) que ainda não puderam presenciar in loco a viagem lisérgica realizada por Prando e sua leal trupe.

Releitura de Papagaio do Futuro

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O capixaba apresenta ainda outra novidade. O single Em Chamas no Chão foi incluído numa coletânea organizada pelo blog Scream & Yell, cujo lançamento acontece em 15 de fevereiro. A composição teve um clipe bem bacana capturado na performance para o (espetacular) Sofar Sounds Brasil. Prando também soltou a voz numa visceral viagem lisérgica na releitura de Papagaio do Futuro, música de Alceu Valença, que integra o disco No abismo da alma – um tributo ao Movimento Udigrudi. O material produzido pelo selo Tramp reuniu artistas da nova safra em homenagem à psicodélica aventura pernambucana nos anos 70.

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