Leve vendaval multicolorido e aromas psicoativos cheirando a cinco décadas passadas são cartadas derradeiras da Cigana. O quinteto de Limeira, no interior de São Paulo, finaliza seu álbum de estreia, após os elogiados EP´s Sinestesia (2014) e A Torre (2015). E para adiantar o terral que vem por aí, o grupo acaba de divulgar a primeira faixa do trabalho.
O material é uma porrada com cores vibrantes num ar retrô, mas solvendo na fonte da vanguarda do cenário atual. O cataclismo que sinaliza bons ares à forte cena psicodélica atual parte do single Às Vezes Cansa. O petardo, que já está disponível nas principais plataformas de streaming (e você ouve abaixo), carrega breve infinito sonoro e bebe da efervescente atmosfera cunhada na era das portas da percepção.
Single Às Vezes Cansa
Destaques para o reverb e distorções da faixa, e a muito bem sacana letra que imprime tons das típicas desilusões de nossa confusa época. Em bem dosada e equilibrada porção de criatividade e lisergia, Às Vezes Cansa é impactante. E deixa o gosto ocre na boca na expectativa pelas demais faixas do álbum.
A lisérgica abordagem comprova que o psicodelismo nacional vive a fase mais criativa e com boa safra de bandas após a sua primeira dentição. E que a mola ainda resiste para os sons mais elaborados do roque tupiniquim. A faixa é rajada de fúria em doses homéricas de psicodelia. Som com potentes camadas e cavalares quinhões de ousadia, capazes de tirar a midiática produção roqueira nacional da paralisia asséptica.
Primeira faixa do EP A Torre (2015)
Com som que passa distante do mainstream, Cigana indica ser possível enveredar por velhos caminhos e, ainda assim, apontar interessantes e novas fórmulas sonoras. A faixa mostra a robusta evolução da trupe, que abandonou em definitivo as composições em inglês. A ideia é evitar ruídos na mensagem da banda, que envereda por um tom mais politizado. Dedo na ferida escancarada!
Às Vezes Cansa é uma voraz crítica ao ciberativismo que fica apenas no discurso vazio, protegido pelas telas de celulares e computadores, com nulas atitudes práticas e remodeladoras. Trata-se de uma polaróide dos tempos atuais, em que o virtual torna-se mais preponderante que as reais ações. Um grito de alerta avante ao ilusório imaginário coletivo maquinal do admirável mundo novo dos bits e bytes. E é revigorante, num instante de comportamentos e posições pasteurizadas.
Faixa do dá título ao EP Sinestesia (2014)
A faixa é um cartão de visitas do novo guitarrista da trupe, Pedro Baptistella, que abusou de magistrais riffs e deu um peso extra à competente cozinha. A banda conta ainda com Victoria Groppo (voz e sintetizadores), Matheus Pinheiro (guitarra e baixo), Caique Redondano (voz, baixo e guitarra) e Felipe Santos (bateria). O single teve produção e mixagem de Cosmo Curiz. E foi masterizado por Chris Hanzsek (EUA), que carrega no currículo trabalhos com Melvins e Soundgarden.
Com mais de três anos de estrada, Cigana traz na bagagem dois EP´s (bem) interessantes, com excelente instrumental, vocais e letras provocativas. Em 2016, o grupo fez parte do tributo aos Titãs, O Pulso Ainda Pulsa, coletânea organizada pelos blogs Hits Perdidos e Crush em Hi-Fi.
Deus e o Diabo (cover de Titãs)