Com os pés na estrada e a cabeça nos alucinógenos devaneios astrais codificados pelo químico suíço Albert Hofmann, a paulista Bike abre um portal em cores vibrantes para outra dimensão sonora. A passagem sem escala para um espectro com aromas psicoativos em breve ar retro está presente no recém-lançado Em Busca da Viagem Eterna, segundo trabalho autoral da trupe (ouça a porrada ao final desse texto)
O disco é um belíssimo choque entre as raízes do psicodelismo tupiniquim a rica cena brazuca atual, que germina interessantes bandas; em um dos mais ricos e profusos momentos da música sob os trópicos inclinada às Portas da Percepção. Antena amplificada para os quatro cantos do espaço-tempo, o álbum passeia entre tendências contemporâneas e as genealogias do subgênero cunhado no Verão do Amor.
Permeia pelos sabores primaveris de Secos e Molhados sob ecos e reverbério de Mutantes e dose dupla sem gelo de Clube da Esquina. Há fragmentos da setentista Recife, ruídos difusos do underground no eixo Rio-SP dos anos 60/70, e experimentações mais radicais à moda de Walter Franco e Ronnie Von.
E escancara a janela para o ensolarado Connan Mockasin (Nova Zelândia), o moderninho Tame Impala (Austrália) e o classudo Brian Jonestown Massacre (EUA). Cinema em forma de som, a jorrar das lentes ou poemas obscuros do chileno Alejandro Jodorowsky.
Como a um digno road-movie, o clima do trabalho se desenvolve durante inúmeras viagens (e não escrevo de forma figurativa!), em busca de uma jornada transcendental. As faixas foram gravadas durante a primeira turnê do grupo para a divulgação do (sensacional) 1943, álbum de estréia da trupe. O trabalho catapultou a banda para o selo norte-americano 30th Century Records, do produtor Danger Mouse, que possui na estante nada menos que cinco Grammy’s.
Caldeirão de influências a indicar a mola que resiste para sons mais elaborados e anos-luz distante do (asséptico) mainstream. Em Busca da Viagem Eterna condensa em nove bem talhadas faixas um caleidoscópio multicolorido e um infinito sonoro reluzente do Flower Power.
Breve universo efervescente numa viagem transcendental em busca da iluminação eterna. E, ao ouvir o trabalho, a impressão é a de sobrevoar, sem asas, sobre os campos cobertos de corvos, apenas movido pelas sensacionais visões produzidas pelos hipnóticos acordes dissonantes: poesia a jorrar pelos poros em forma musical. Efeito etéreo similar aos devaneios metafísicos de Ayahuasca.
O disco (já candidato a um dos melhores do ano) envereda por canções pulsantes em emblemáticas e introspectivas letras sobre as típicas desilusões de nossa confusa era. O trabalho abre com uma rajada psicodélica, típica dos mais quentes terrais: Enigma dos Doze Sapos abusa de reverb e distorções para narrar as amarguras de uma banda para se consolidar. Composição repleta de easter egg, com óbvias indicações do álbum inaugural da trupe.
Do Caos ao Cosmo já nasce clássica. Um labirinto sonoro, capaz de transpor os limites físicos e te levar (literalmente) para bem longe. Fique atendo ao movimento final da canção: texturas sonoras e densas guitarras facilmente associadas a Pete Townshend. A faixa de trabalho ganhou um interessante clipe com imagens da Índia e Nepal – não haveria local mais mítico para expandir a mente.
Destaque para as inúmeras camadas sonoras, efeitos extraídos de reluzentes sintetizadores e reverberações em faixas como A Divina Máquina Voadora, A Montanha Sagrada (que remete a Violeta de Outono), Psicomagia e O Retorno de Saturno: porrada com cores vibrantes, numa espécie buraco de minhoca para outra dimensão inimaginável. Já Terra em Chamas, Transe e Sete Flechas e o Rei Lagarto são capazes de uma profunda hipnose aos labirintos fantasiosos do cérebro. Música para transcender!
A banda – Diego (guitarra e voz), Julito Cavalcante (guitarra e voz), Rafa Bulleto (baixo e voz) e Daniel Fumega (bateria) – se prepara para sua primeira turnê internacional, com shows na Espanha, Portugal e Inglaterra. Em Busca da Viagem Eterna foi gravado no Estúdio Wasabi, em São José dos Campos, por Diego Xavier. E mixado por Rob Grant (Poons Head Studio, Austrália), que já trabalhou com Tame Impala.
Cada faixa ganhou uma bem sacada arte inspiradas nas cartas do Tarô de Marselha e na psicomagia de Alejandro Jodorowsky: talento bruto de Juli Ribeiro. O eneagrama presente em todas as ilustrações, e principal elemento da capa, representa o auto-conhecimento, um processo que tem relação com as buscas humanas. Good Trip!