Das frias e acinzentadas esquinas curitibanas surge um dos mais coloridos lançamentos do ano. Lapso, disco de estreia do quarteto paranaense Trem Fantasma, condensa em suas nove faixas breve infinito sonoro e atmosfera efervescente da viagem auditiva cunhada no pacifismo do Flower Power e na era das portas da percepção.
Abordagem lisérgica a comprovar que é possível trilhar velhos e obscuros caminhos e, ainda assim, indicar originais e desafiantes rumos sonoros. Som que passa (bem) distante do mainstream, mas comprova que a mola ainda resiste para o rock tupiniquim. E que o psicodelismo sob os trópicos vive uma das mais abundantes e criativas fases após sua primeira dentição.
As referências datadas de quatro ou cinco décadas passadas estão tatuadas além do som (de alto nível) gestado pelo quarteto. O nome da banda foi sacado de uma das mais debochadas e psicoativas colagem d’Os Mutantes, faixa que está presente no álbum de estreia do (então) trio paulistano.
Lua Alta, primeiro single de Lapso
Lapso foi co-produzido por Sanjai Cardoso e Berto Bruno, vocalista da Cachorro Grande (banda que deu uma sacudida no efervescente cenário roqueiro na virada do atual século). E o front man do grupo gaúcho classificou o trabalho como “o melhor disco de estreia do rock brasileiro dos últimos 15 anos”. Suplanto a parte, o álbum lapida ótimas músicas com doses psicoativas temperadas com efeitos sem exageros e delirantes guitarras e sintetizadores. Som de alto nível.
O trabalho bebe de fontes com a segunda fase dos Beatles e doses cavalares da melhor safra do Pink Floyd (antes de debandar para o progressivo). Pincela, também, nuances de Tame Impala e hard rock setentista. E carrega tons amenos da heranças sonoras do Cachorro Grande, grupo que foi inspiração para o quarteto curitibano. O vocal de O Silêncio e o Estrondo, por exemplo, lembra o timbre do álbum de estreia da banda gaúcha, numa colagem próxima ao reverb que o quarteto de Liverpool se valeu em I Am The Walrus e Tomorrow Never Knows.
O disco (já listado entre os melhores do ano) resgata, ainda, a tradição de músicas pulsantes, letras fortes e contestadoras do Status Quo. E envereda por poéticas introspecções (tanto sonora quanto literal) e desilusões típicas de nossa confusa época
Oliver no Planeta do Sol, EP de 2010
Para isso, claro, pesa a influência da obra do paranaense Paulo Leminski (salve!). O poeta falecido em 1989, e que ainda é influência de jovens e consagrados escritores, também se aventurou no universo musical. Ele foi um dos mais badalados letristas da Lira Paulistana, com parcerias como (os gênios) Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé. E teve poesias musicadas por Arnaldo Antunes, A Cor do Som, os punk´s do Beijo a Força e outros nomes consagrados da MPB.
Fragmentos de versos de Leminiski são utilizados nas (excelentes) canções O Silêncio e o Estrondo e Lua Alta – faixa, essa, que é o primeiro single do disco. O trabalho conta ainda com convidados como Pedro Pelotas (também da Cachorro Grande e responsável pelo piano da existencial faixa Pesadelo) E do pianista californiano Charly Coombes (que gravou com Oasis e Supergrass).
O título do álbum é uma espécie de piada interna entre os músicos Leonardo Montenegro (guitarra), Marcos Dank (guitarra), Rayman Juk (baixo e vocal) e Yuri Vasselai (bateria). Eles formaram o grupo em 2008, com relativo destaque nas redes sociais e festivais especializados – época que conquistaram Berto Bruno, fã declarado da trupe.
Nunca se Sabe, faixa lançada em 2012
E após Oliver no Planeta do Sol (revigorante EP lançado em 2010), eles deram uma pausa de quatro anos dos palcos e novas safras de pérolas psicodélicas. O tempo sabático foi usado para projetos pessoas e a banda ficou em stand-by. Período o qual revela o amadurecimento latente e reverbera a decisão de não seguir modismo e manter-se fiel às raízes do gênero nascido no ápice do movimento hippie.
Destaques para o reverb e distorções das três primeiras faixas (Nebulosidade, O Silêncio e o Estrondo e Lua Alta, que bem podiam ser única canção paginada em três movimentos). E atenção para o solo à lá Pink Floyd e falsa balada em Sem Rumo; e os eletrizantes arranjos em Dublinense. Com (boas) doses de criatividade e lisergia, Lapso é um disco impactante, com fortes composições e temáticas inspiradoras. O disco que já está nas lojas (físicas e virtuais) e é lançamento 180 Selo Fonográfico.
Ficou curioso, aperte e play e boa viagem: