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Slowdive: Pygmalion e suas estranhezas

Em meados dos anos 1990, quando a curta estadia do shoegaze na mídia já havia sido extirpada pela própria, os britânicos do Slowdive – que vinham de saldo positivo com os sucessos de Souvlaki, seu último disco lançado até então – resolveram que não iam mais atender a demanda pública. Dali em diante, a ideia era fazer música, integralmente, da forma que foi pensada no interior de suas cabeças. O resultado saiu com Pygmalion, de 1996, e dividindo opiniões.

Pra começar, o clima agora é outro: a ideia é que as faixas caminhem pelo mundo dos sonhos. Entre sons ambientes, ruídos e batidas dissonantes, os vocais de Rachel Goswell e Neil Halstead parecem relatar, a todo momento, experiências oníricas desoladoras. Tal como os grandes nomes do trip hop que vingavam, o Slowdive saiu do mundo flutuante (ou mergulhante) do shoegaze para “perder-se” em um complexo pesadelo, optando por uma carga sonora fria, calculista e claustrofóbica.

Pra quem gosta do básico do shoegaze e do próprio Slowdive, ele deve soar amargo (temporariamente ou não). Alison? When the Sun Hits? Não. Aqui, o single principal é Crazy For You. Não se espante se a canção não soar como um single – a letra consiste em uma única frase repetida durante seis minutos. Em alguns momentos, surrealista; outros, um pouco bizarra (ou chata, dependendo de quem faz a análise). Seu clima carrega algumas nuances do New Order dos anos 1980, inclusive na condução dos vocais e dos demais instrumentos.

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Mas não tem como não citar aquelas faixas: as que, a princípio, soam como prego nos ouvidos, mas vão se adaptando aos nossos tímpanos de um jeitinho tão carinhoso que não esquecemos mais. Miranda, terceira faixa, é um desses prazeres fragmentados. Sua atmosfera tensa e introspectiva – marcada por um violão típico que lembra as baladas mais melancólicas do Portishead – se centraliza como um dos melhores momentos do disco. Subsequente, Trellisaze segue a risca como mais um ótimo retrato sombrio, dessa vez com um maior número de elementos sonoros complementares -que trazem, sempre, uma certa sensação de vazio. Visions of L.A. é uma das mais acessíveis, talvez pela curta duração e pelo arpeggio de violão marcante.

Entretanto, isso não tira o rótulo de disco difícil do trabalho. A constante fuga de métricas que conversem com o público e o espírito experimentalista que permeia a grande maioria das canções impede que o trabalho seja visto como um exemplo de acessibilidade até para os mais afetuosos com o gênero. Em alguns momentos, algumas escolhas individuais/artísticas do grupo para o álbum podem até soar pretensiosas (a faixa de abertura não precisava, necessariamente, ter 10 minutos). Mas isso não atrapalha no processo de entendimento e adaptação.

Ao fim da experiência, fica a ideia de que Pygmalion traçou uma linha tênue entre a vanguarda e o intangível – ficando a critério do ouvinte decidir o caminho. No mais, soa belo. É um delírio (benéfico) de Neil Halstead. Suas músicas são petardos que figuram na memória como um silêncio muito agitado. É um anti disco muito bem feito. Assim como o Kid A, do Radiohead (que viria cinco anos depois), o trabalho foge das fórmulas impostas pela indústria em seus discos anteriores, e proporciona um choque térmico difícil para aqueles que esperavam um novo Souvlaki. O desafio já é ótimo por si só.

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