RICARDO AMARAL
A partir de Sgt. Pepper’s, uma onda psicodélica tomou o cenário de 1967. Donovan, nascido Donovan Philips Leitch, em Glasgow, Escócia, foi um dos mais influentes ícones da música psicodélica e do movimento hippie no Reino Unido. Seu sucesso com o single Mellow Yellow levou-o ao topo das paradas.
Contraditório e rebelde, Donovan se recusava a gravar o que pedia a gravadora, sendo, então, tomado pelo espírito do álbum dos Beatles. Seu lirismo era quase uma incógnita naqueles tempos. Desde o início de sua carreira, Donovan foi, talvez, o artista mais ligado aos Fab Four.
Em 1965, em uma das sessões de Help, ensinou a Lennon como dedilhar o violão, o que resultou na criação de Girl para o disco Rubber Soul, um ano depois. Na gravação de All You Need is Love, primeira transmissão via satélite do planeta, entre a Europa e os EUA, Donovan está sentado ao lado dos quatro Beatles, no mesmo nível, e foi um dos raros vocais a incorporar o coro da canção. O outro destaque, Mick Jagger!
Donovan, mesmo em 1967, arrebata o mundo musical com o excepcional álbum A Gift From a Flower to a Garden, lançado nos EUA em dezembro de 1968. Este disco não é para qualquer um. Trata-se de uma trova, faixa, após faixa, retratando um profundo lirismo. Em Wear Your Love Like Heaven, recita uma lista de cores patenteadas pela literatura, como o ‘azul prussiano”, o “escarlate”, o “carmim” e outras tantas.
Menestrel na esteira de Bob Dylan, mas com um voz afinadíssima, Donovan recria musicalmente um poema de Willian Shakespeare, Under the Greenwood Tree, como parte de um projeto para encenar um musical com recriações do maior poeta da literatura britânica! Ao final da canção, Donovan cita o cantarolar Will You, Won’t You… Join the Dance? em referência ao coro da Quadrilha da Lagosta, descrita no Capítulo X de Alice no País das Maravilhas, obra-prima de Lewis Caroll.
Mas o lirismo se devaneia em The Tinker and the Crab, na qual, sob o contracanto de uma sublime flauta transversal, descreve a odisseia de um andarilho hippie. A letra é um non sense total, mas o que importa é a imagem poética criada pela canção com a magia surreal da letra. Donovan era influência direta de Paul McCartney. Talvez a maior delas.
Em 1968, cria a prosa Atlantis uma ode ao continente perdido. No refrão, procurem cantarolar junto com ele a apoteose de Hey Jude (na,na,na,na,na,na,na…hey jude)! Sim, trata-se exatamente da mesma métrica musical utilizada por Paul McCartney em sua canção, em agosto de 1968. Atlantis foi lançada em novembro. Agora, vai saber quem usou a melodia de quem? Pouco importa. Nenhum dos dois jamais se importou.
Em 1970, foi convidado para compor a trilha sonora de Irmão Sol, Irmã Lua, clássico da telona, sob a impecável direção de Franco Zeffirelli. Feita a encomenda, Donovan, como era de costume, foi às turras com a gravadora, para garantir o lançamento de um álbum solo, com as músicas do longa. O contrato impunha rigorosas penalidades. Depois de anos, o que fez o gênio temperamental? Recompôs cada uma das canções, em versões, e, na brecha do contrato, lança o seu disco Irmão Sol e Irmã Lua, pelo Itunes, que não se tratava de um “disco”. Donovan é obrigatório para se entender Pink Floyd, Led Zeppelin, Jethro Tull e muitas outras bandas que fizeram do lirismo seu ‘mote’!