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Supertramp – Crime of the Century

RICARDO AMARAL

Assim que entrei na Cultura Inglesa, em 1972, na casa de esquina da Conselheiro Nébias, o inglês passou a ser uma obstinação. Eu queria viver aquilo o tempo todo. Ler e ouvir música. Eu não podia fazer laboratório (uma sala congelante, cheia de tapes de rolo, daqueles beges com os comandos que pareciam o botão do fixovolt), pois somente os alunos do intermediário podiam frequentá-lo.

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Anne, uma jovem escocesa de cabelo azul e branca como a neve me recebia e, furando a vigilância de Mr. Going, deixou eu ficar na área da vitrola, uma Gradiente. Ela me deu um disco para ouvir e escrever o que eu ouvia. Crime of the Century!

Não havia nenhuma canção no rádio do Supertramp e eu não tinha a mínima ideia do que era e, pra dizer a verdade, na época eu estava totalmente ligado no chorinho e no meu cavquinho. Mas Hide in Your Shell marcou aquele tempo; aquele cheiro; aquele frio dentro do lab.

Crime of the Century é indispensável. É o retrato mais preciso de uma parceria que gerou canções inesquecíveis para minha geração.

O álbum começa pela capa, cuja arte veio da inspiração da canção Asylum. O fotógrafo Paul Wakfield, convidado para as gravações, escreveu a frase “when they haunt me and taunt me in the cage” (quando eles me assombram e me provocam na jaula). Eu sempre achei que tinha sido uma cópia da cela usada no filme Super Homem, que é igualzinha. Mas pesquisei e não encontrei nenhuma ligação.

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O disco foi o responsável pela sucesso da banda nos EUA, tendo sua primeira canção no primeiro lugar: Dreamer.
Uma introdução magistral com um solo longínquo de gaita oitavada abre o LP com School.

https://www.youtube.com/watch?v=8MhD7sY3FOQ&feature=youtu.be

A maioria das composições de Roger Hodgson reporta-se à sua infância e adolescência. School narra a relação com sua mãe e a opressão do regime britânico de educação. A estrutura melódica de todas as canções do álbum é cadenciada pela mudança rítmica e os alegros e adágios se revezando.

Uma linguagem típica inaugurada pelo Led Zepellin e introduzida por A Day in The Life, em Sgt Peppers.
Novamente, como acontecera nos dois primeiros álbuns da banda, Roger e Rick Davis revezam-se na composições, mas a prevalência de Hodgson começa a ser marcante. Suas composições passam a ser os carros-chefes da banda, o que fica marcante no álbum Paris, ao vivo.

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https://www.youtube.com/watch?v=ApTPN1wLZnM&feature=youtu.be

Bloody Weel Right, uma canção de Davis, retrata a primeira “briga” entre os compositores. Após receber de Roger a canção School como carro chefe da banda, mesmo nominando o álbum com o nome de uma canção de Rick Davis, este desabafa compondo “você estava certíssimo”. Obviamente, o adjetivo Bloody Right dá uma conotação irônica e sarcástica que, sinceramente, não saberia traduzir, senão usando o superlativo de certo.

Hide in Your Shell é a apoteose do Supertramp. Uma ode levíssima sobre a própria situação de Hodgson em sua infância e adolescência. A letra cria um diálogo consigo mesmo, fazendo-o enfrentar o medo de se comunicar e ser compreendido. Uma beleza dessas que você não cansa de ouvir. Aliás, pra quem teve a sorte de ir a um concerto de Roger Hodgson, é visível a dificuldade dele de interagir com o público. Muito tímido, até começar a tocar e cantar
Asylum, que fecha o lado A. A canção de Rick Davis é mais um de seus blues. O piano clássico de Davis marca o estilo de suas músicas. A vibração e o fortíssimo do teclar, no estilo Rachmaninoff, transporta toda a dor da letra e o pedido sofrido por abrigo.

Dreamer abre o lado B. Roger acabar de comprar o primeiro piano Wolitzer e abre a canção com um vibrante ataque de acordes. A melodia incrivelmente reflete o sentimento da letra que condena o sonhador, arrastando-o à realidade.
Na sequência Rudy, obra incrível de Rick Davis a retratar a fuga sem destino do protagonista que dá nome à canção. No meio da canção, um solo memorável de Davis no piano de cauda! O clipe da canção foi premiado no Emmy. A câmera retratando a viagem de trem entre King Cross e West Hampsted, estações do tube londrino é realmente impressionante. Quando o ritmo acelera, a câmera acelera junto, fazendo o percurso exatamente no timing da melodia.

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https://www.youtube.com/watch?v=7e3gJdt75aY&feature=youtu.be

If Everyone Was Listening sempre foi minha predileta. Não fez sucesso nenhum, mas a poesia metafórica de Hodgson, estabelecendo um paralelo entre uma peça de teatro e um relacionamento afetivo em falência é simplesmente primorosa. A letra foi inspirada no trecho falado de Are You Lonesome Tonight de Elvis Presley. Maravilhosa! Quem ainda não prestou atenção na letra, ou a desconhece simplesmente, procure ouvi-la com a tradução ao lado. É coisa de academia.

A música título, Crime of the Century, foi escrita por Rick Davis e, em minha humilde opinião é a primeira canção a retratar o problema da destruição do planeta. O crime do século é ainda planejado e o compositor pegunta: Qual será ele? Como quase todas as canções de Davis, o ritmo de blues, com pausas e vibrante, marca o estilo diferenciado entre suas composições e a do parceiro Roger.

Crime of the Century marca a transcendência do estilo do Supertramp para algo bem mais pop do que o antecessor, Even in the Quietest Moments, outro álbum espetacular da banda e o preferido de muitos de seus fãs. Mas não perdeu um só ponto a banda. Ao contrário. Trata-se de um disco indispensável e cuja audição não cansa nunca.

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