Formada precocemente no distrito de Birmingham, a The Moody Blues deixou sua marca no rock mundial em 1967, quando, com enorme cobiça comercal, inaugurou seu segundo registro em estúdio. O projeto, Days Of Future Passed (que em nada tem a ver com os X-Men), tornou-se logo um dos pontos de virada na cronologia da música, mesmo dentro daquele que foi um dos anos mais prolíficos para a mesma.
O disco é híbrido de um blues psicodélico com enormes pretensões sinfônicas, não sendo apenas um destaque dentro da turbulenta cena psicodélica britânica, mas uma bíblia sagrada para um grande número de bandas que ainda brilhariam nos anos 1960 e 1970, ajudando a solidificar aquilo que se tornaria tão habitual na indústria fonográfica: o álbum conceitual.
Munido de oito faixas, o trabalho se organiza como uma representação do tempo dentro de um dia, funcionando tanto como álbum quanto como uma sinfonia clássica de 40 minutos. O fluxo das canções é ininterrupto, similar ao Sgt. Peppers, dos Beatles, lançado no mesmo ano e que com um conceito um pouco menos elaborado (mas não menos ambicioso) acabou se antecipando e se apropriando do pioneirismo de concept álbum dentro da cultura pop.
Seja do lado de lá ou de cá, as duas obras têm seu grau proporcional de importância incontestável. Com DOFP, os Blues não apenas expandiram os horizontes da esfera psicodélica como também construiram caminhos para o rock progressivo – ajudando, inclusive, a a tornar a migração de um movimento para o outro algo tangível (metamorfoses bizarras como a do Pink Floyd e a do Mutantes tornam-se mais críveis quando analisadas desse ponto).
Sonoramente falando, as faixas são apenas um detalhe quando analisadas dentro do espetáculo homogêneo que é a obra como um todo.
A aura folclórica – com elementos tradicionais que flertam com uma enorme gama de influências e peças culturais britânicas – é uma das chaves para o brilhantismo do disco, conversando categoricamente com a poesia naturalista apresentada ao longo do trabalho. O uso da flauta, bem representada no riff de Another Morning, e de instrumentos consagrados da música indiana, como a sitar e o cinpuri, sintetizam o trabalho como uma força da natureza, trazendo o ouvinte para um ambiente que oscila entre o pacífico e o caótico dentro da progressão do dia como ele é.
Com a densidade com que a jornada se desenrola – frequentemente intercalando momentos eruditos com lampejos de rock n’ roll tradicional, como bem sintetiza Lunch Break, faixa que mais contrasta a divisão dos dois extremos – o poder imagético da obra se desenvolve de forma hollywoodiana, aguçando os sentidos imaginários e funcionando como uma soundtrack em todos os seus interlúdios.
Toda essa atmosfera martela um sentimento nostálgico de difícil descrição: as cordas, quando postas contra o silêncio, trazem a magia de um mundo fantasioso, como se observado da perspectiva de uma criança após ler um livreto de contos. Há uma linha tênue entre a visão de mundo inocente e a repleta de beleza, sendo que ambas se comunicam paradoxalmente ao decorrer do disco – seja através da poesia lírica ou da sofisticação instrumental.
Por outro lado, enquanto algumas faixas exploram toda a dimensão imaginária que uma orquestra pode criar (como acontece no primeiro triângulo introdutório da jornada), outras apresentam picos extremos de reverberações e viagens imersivas típicas dos grupos da época – iniciativas que, é claro, são sempre bem-vindas quando bem executadas. É o caso de Evening e Nights In White Satin, canções que marcam a bela derradeira do disco e que poderiam, com algumas ressalvas, marcar presença em qualquer álbum do The Zombies ou The Turtles lançado no período pré-woodstock.
Ao todo, a proposta do disco flui quase que inteiramente como uma proto-opera-rock. “Proto” porque, até então, esse tipo de abordagem dentro da música popular era inédita. O que distancia o disco desse rótulo (e de sua criação) é a ausência de um enredo significativo, já que o tema que interliga as canções funciona de forma subjetiva e não conta uma história concreta.
Uma curiosidade importante que deixa tudo mais interessante: apesar de aparentemente minuciosas, as reais intenções do grupo para o disco se limitavam a uma reinterpretação da Sinfonia do Novo Mundo, do Dvorak, fato que explica a condução filarmônica e quase todos os conceitos clássicos em em torno da obra.
No mais, é difícil tachar o disco como psicodélico, muito menos como clássico ou progressivo. Se é pra sintetizar ou classificar, diria que a obra funciona mais como um amálgama vanguardista de fácil digestão, sendo uma excelente pedida para quem procura algo razoavelmente diferente sem deixar raízes familiares de lado. Apesar de ambicioso, o trabalho não é maçante e muito menos exige grandes esforços do ouvinte – que se submeterá a uma experiência, no mínimo, agradável e enriquecedora musicalmente.