Semana passada elaborei uma lista com cinco registros de rock argentino para quem quiser entender e se aprofundar na história do gênero no país. Falei sobre o Soda Stereo, e consequentemente sobre Gustavo Cerati, líder catalizador do grupo e figurinha marcada na vitrine de ícones sulamericanos. O ruídos de hoje é uma extensão do último artigo, apresentando dois discos do músico portenho – que não necessariamente refletem a persona rockeira do artista.

Lembrando que já não é a primeira vez que Cerati é a pauta principal dessa coluna: em setembro do ano passado relembrei de um valioso trabalho do artista com o não menos importante Daniel Melero. Na atual ocasião, o destaque vai para dois discos solo do artista, Amor Amarillo e Bocanada, ambos dos anos 1990.

O primeiro conta com um Cerati debutante, apostando nas flertes recentes com a música eletrônica que havia testado no Soda Stereo. Apesar de não arriscar muito, o músico atinge certo nível de consistência pop ao explorar as diversas sonoridades exploradas pelo Soda nos anos anteriores, servindo como limiar tanto para quem se interessar pela banda quanto para os mais familiarizados com os rumos que a música solo de Cerati viria a se tornar nos anos seguintes.

Terreno para faixas como Te Llevo Para Que Me Lleves – em parceria com Cecilia Amenábar, ex-esposa do músico – o registro se cria quase como uma coletânea de peças radiofônicas, chegando a apresentar, até mesmo, um cover reticente de Bajan – hino do rock argentino composto por Luís Alberto Spinetta. Apesar de honesto, o tributo não é o melhor momento do disco, que também conta com Pulsar – uma demonstração perfeita da harmonia pop dentros conceitos eletrônicos – e com uma faixa-titulo marcante. Se em terras brasileiras artistas fizeram dos anos 1990 um enorme resgate reinventivo e miscigenado de sua própria cultura – como fez Chico Science e a Nação Zumbi em seus dois primeiros e únicos registros – o maior ícone argentino da época apostou em um olhar para fora do continente americano, usando nomes como U2 como referência básica de sua obra.

Seus segundo disco, Bocanada, por outro lado, coexiste como uma obra mais contemporânea, apostando em suas próprias raízes e experimentos para atingir uma sonoridade diferente do que se ouvia na minha época. Ainda com os pés – e mãos, e cabeça – no eletrônico, Cerati faz deste registro sua principal obra prima, com elementos que variam da dance music ao trip hop – sem deixar de soar acessível.

Se o carro chefe do disco, Puente, segue o rumo das baladas noventistas com retoques de frieza experimental – muito bem representada pelo azul congelante da capa -, outras faixas como Y Si El Humo Esta En Foco capta um lado puramente artístico, com uma proposta do que poderia vir nos anos 2000. E veio: é possível ver nuances de Bocanada no Radiohead millenial e em todos os sons provenientes dele, ainda que involuntariamente – o que, novamente, concretiza o olhar futurista do ídolo argentino.

O destaque principal do disco, no entanto, fica por conta de Paseo Inmoral, um hit new wave em plena preliminar de anos 2000, e de Rio Babel, que foca num experimentalismo gélido e nostalgico levado pelo misto de arpeggios e batidas eletrônicas.

Um excelente final de semana a todos!!