Crítica: O Oficial e O Espião, de Roman Polanski

O Oficial e O Espião está em cartaz desde a última quinta-feira (12) nos cinemas brasileiros. Com mais de duas horas de duração, o drama aborda um dos maiores escândalos franceses sob a perspectiva de um personagem interno. O filme resgata um caso histórico que a França viveu no século 19, quando um capitão do exército francês foi condenado à prisão na Ilha do Diabo, após ser acusado pelo governo de oferecer informações sigilosas aos inimigos alemães. Alfredo Dreyfus (interpretado por Louis Garrel) é um dos poucos judeus do exército francês e por isso, não lhe faltam olhares com suspeita de seu caráter. Na mesma trama, George Picquart (Jean Dujardin) assume o comando de um batalhão e começa a investigar um possível espião infiltrado entre eles. Não demora muito para chegar até Dreyfus, que acaba sendo condenado por prisão perpétua. No meio de tantas buscas, acusações e controvérsias, o diretor Roman Polanski humaniza Picquart e o coloca como protagonista. Entre cenas de assassinato, o roteiro constrói a narrativa com lembranças e saltos temporais. O Oficial e o Espião traz reflexões atemporais Em alguns momentos, é possível o público se aproximar da vida íntima do oficial e acompanhar um romance entre ele e uma mulher comprometida. Com isso, é possível ver os desdobramentos da investigação contra o judeu. Não demora muito para Picquart descobrir que um terrível engano se instaurou pelo judiciário do Ministério da Guerra. Contudo, mesmo que os comandantes da alta escala sejam avisados, a negação pela correção judicial mostra um sistema mais sujo do que o erro cometido. Em busca da justiça, o homem junta provas, confidentes e autoridades. O caso é estampado na capa do jornal L’Aurore com a manchete “J’ Accuse” – mesmo nome do filme em Francês – e a verdade vem à tona. Polanski mostra belas cenas com enquadramentos rebuscados. É impossível não notar o excelente trabalho da direção de arte com cenários, figurinos e maquiagens. Ademais, é difícil crer que o filme foi gravado nos tempos modernos. Ainda que tenha uma enorme controvérsia envolvendo Polanski em festivais, vale a pena conferir o longa. O Oficial e O Espião está em exibição em Santos, no Cine Roxy 4 – Pátio Iporanga. Confira a programação, horários e valores acessando este link. Polêmicas com Roman Polanski Ainda que estejamos em 2020, é muito difícil ver representatividade em festivais e premiações consagradas. O César é um dos maiores festivais cinematográficos do mundo, considerado como o Oscar da Europa. Localizado na França, completou a 45° edição no final de fevereiro. Neste ano, a cerimônia não contou com tapete vermelho estendido para os cineastas. Muito pelo contrário, a cor púrpura vinha das luzes e gritos da enorme manifestação que acontecia em frente ao evento. Tudo isso porque Roman Polanski, de 86 anos, estava com 12 indicações na premiação por O Oficial e o Espião (2020). O contraponto é que o longa metragem dialoga sobre a busca pela justiça. No entanto, o diretor é o oposto. Em 1977, Roman Polanski foi condenado por estuprar Samantha Geimer, de 13 anos, durante um ensaio fotográfico para a revista Vogue. Foi sentenciado com uma prisão preventiva de 3 meses, porém, pagou fiança e só cumpriu 47 dias. Outras denúncias e relatos também vieram à público, como o da jovem Valentine Monnier, de 18 anos. Desde então, existe um mandado judicial da Califórnia contra ele. Portanto, o produtor mora na Europa há muito tempo. Falta equidade nas premiações Em relação ao César, a edição começou a passar por fortes turbulências desde que apresentou a lista de indicados. Esta Academia, por sua vez, consegue ser pior do que o Oscar – que já é conhecido pelo cenário da desigualdade de gêneros. Para entendermos melhor, atualmente só 8 dos 47 membros da sua Assembleia Geral são mulheres. Aliás, em seu Conselho de Administração a realidade não é diferente, pois o número indica 6 de 21 integrantes. Consequentemente, durante a indicação aos melhores filmes do ano, o público masculino, composto por 65%, possui direito ao voto. Embora a oposição tenha sido forte durante toda a cerimônia, com artistas virando as costas e indo embora, Polanski faturou 3 prêmios das 12 indicações no festival. O longa ganhou com Melhor Adaptação, Melhor Figurino e Melhor Diretor. Contudo, o cineasta não estava presente para receber as premiações. Com isso, o caso está sendo comentado até agora na França e muitas atrizes se posicionaram. Uma delas foi Adèle Haenel, estrela de Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019), que disse em alto e bom som “Que vergonha!”, ao sair da cerimônia. Há muitos comentários sobre a premiação. Algumas pessoas dizem até que Polanski quis retratar o filme como um modo de pedir perdão e se colocar como “vítima de algo maior” – se assim podemos dizer – na história dos abusos sexuais.