Era Uma Vez Um Crime: Elize Matsunaga te convida a escutar sua versão do crime

Era Uma Vez Um Crime é uma minissérie documental com quatro episódios, produção original da Netflix. Seu enredo se dá através de uma única entrevista concedida por Elize Matsunga, condenada a 19 anos de prisão pela morte do marido, Marcos Matsunaga. O crime aconteceu em um condomínio na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, em 2012. Era Uma Vez Um Crime é como um júri popular De antemão, já é possível prever como será o desenrolar da série: uma entrevista vitimista com o intuito de fazer você mudar de opinião sobre um crime bárbaro. Entretanto, ainda em seu primeiro episódio, o desenrolar da entrevista deixa o espectador preso na trama. Seguindo a entrevista, é apresentada a narrativa, que dispõe a quem assiste os detalhes mais sórdidos do Caso, colocando todo o trabalho da defesa e acusação em jogo; mostrando detalhes e dados populares da época do assassinato, além de depoimentros reais da família de Marcos; e a partir disso pode ser que o apreço por Elize mude. Elize Matnunaga x Marcos Matsunaga Posteriormente, é apresentado uma nova perspectiva: Elize teve uma justificativa para cometer o crime contra Marcos, e a partir disso é dado início ao fim do rótulo de “vida de princesa”, título que a mídia adotou para se referir a réu. Nesse inteirim de tempo, vemos que Elize passa de mulher sedutora para uma vítima vulnerável, de família humilde, que saiu do interior do Paraná para tentar a vida em São Paulo, mas teve seu futuro desmoronado por decorrência de uma traição. Em síntese, o advogado de Elize, Luciano Santoro, precisou montar um arquétipo para que ela pudesse ter a chance de convencer o juri popular, para reduzir sua pena. Em contrapartida, a acusação utilizou argumentos bem estruturados para que o juri interpretasse a réu como uma mulher que se vitimizava para invalidar o crime; e tiveram como argumento principal o interesse financeiro, visto que Marcos era herdeiro de uma grande empresa. Notas sobre Era Uma Vez Um Crime De fato, achei a minissérie fascinante. Pela primeira vez, após nove anos do caso, Elize concedeu uma entrevista. Ademais, é admirável como a defesa de Elize soube lidar com esse caso, tendo em vista o resultado da sentença, fazendo com que o quebra-cabeça viesse formar uma imagem positiva. Ainda que de início a série apresente indícios de ter o intuito de inocentar a réu, acredito que a produção teve o interesse em apresentar o outro lado da moeda, desejando compreender o motivo por trás do crime; lançando um olhar humano, indo além do sensacionalismo que houve por parte da imprensa na época.
Crítica | Ratched: Todos podem se tornar monstros

Ratched é uma série de produção original da Netflix, criada por Ryan Murph, diretor de séries de sucesso, como American Horror Story, Pose e Hollywood. Conhecido por seu estilo sombrio e fantasioso, Murph colocou mais uma vez esse olhar ao recriar a personagem do filme Um Estranho no Ninho. Ratched e seu enredo Após iniciar como enfermeira no hospital psiquiátrico Lucia State, Mildred Ratched se demonstra uma personagem fria, sendo minimalista antes de agir, manipular e enganar. De inicio não é expressado o motivo pelo qual a enfermeira se dedica tanto ao hospital, mas outrora começamos a entender seu objetivo. Adiante, é liberado espaço para outros personagens, como o diretor do hospital, Dr. Richard Hanover (Jon Jon Briones), que esconde muitos segredos por trás de sua medicina “inovadora”; Lenore Osgood (Sharon Stone), uma mãe desesperada por vingança (mesmo que seu papel se torne irrelevante), e Charlotte Wells (Sophie Okonedo), uma paciente que sofre de transtorno dissociativo de identidade (TDI). Charlotte não tem memória sobre o que Ondine Duquette (uma famosa musicista), Apollo (um boxeador), um bebe, e até mesmo o próprio Dr. Hanover, fazem quando habitam o seu corpo. Diga-se de passagem, é uma das melhores atuações. Traumas do passado que refletem no presente No decorrer dos oito episódios da série, é possível notar uma mudança de comportamento de Mildred, anteriormente apresentada como uma personagem dominadora, passa a se tornar “humana” com a chegada de Gwendolyn Briggs (Cynthia Nixon), onde surge uma incrível combinação, mesmo com personalidades distintas (ainda que muitas cenas tenham ficados confusas). Com relação a Edmund Tolleson (Finn Wittrock), antagonista de Ratched, é mostrado o que o levou a assassinar tantas pessoas, até então sem motivos. Mesmo após a explicação sobre seu comportamento, o personagem acaba perdendo o foco, o que dificulta saber qual seu propósito dentro da série. Um personagem que teria tanto a apresentar, se perdeu no emaranhado de histórias. Notas sobre Ratched De fato, se você espera assistir a série se baseando na Mildred de Um Estranho no Ninho, você não irá gostar. Mas de fato a série retrata temas interessantes a questão da saúde mental. É uma série muito fácil de assistir, já que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. O suspense não é exagerado, o que faz com que mantenhamos o interesse. Outro ponto chave da série é sua fotografia. Cenários deslumbrantes, combinando com a fantasia e a realidade da série; uma paleta de cores incrível, que abusa de tons de verde; figurinos excepcionais, que entra em harmonia com a época e remete a sofisticação de Mildred. Em suma é uma série muito atraente visualmente, com um roteiro e história atrativa. Mesmo que não tenha aproveitado 100% seus personagens, faz com que tenhamos diversas perspectivas sobre os pacientes.
Pose: A invisibilidade da atualidade

Pose é uma série de drama, produzida por Ryan Murph. Sua primeira temporada está disponível na Netflix. Em suas duas temporadas, conta a história de mulheres trans na década de 1980 e 1990, em que negros, principalmente LGBTQ+ eram descriminados e invisíveis para a sociedade. Pose entre o drama da ficção e realidade A série se passa em Nova York, no fim da década de 1980, em que mostra a cidade em seu auge da noite noturna. Enquanto pessoas cisgêneros buscam o sonho americano de ser bem sucedidas, já tendo um espaço tomado, a comunidade LGBTQ+ organiza bailes secretos, repleto de muita animação, danças e desfiles por categorias. Mas em outra perspectiva, o baile é a única alternativa para que esse grupo se sinta incluído em sociedade. Adiante, uma das protagonista, Blanca (Mj Rodriguez), decide sair da casa de sua mãe adotiva, Elektra Abundance (Dominique Jackson), personagem autoritária, egoísta e de extremo narcisismo. Dado a decisão, decide inaugurar sua própria casa, afim de construir seu nome dentro da cena. Nesse ínterim de tempo temos Damon (Ryan Jamaal Swain), um adolescente cheio de sonhos, que é expulso de casa após assumir sua orientação sexual para seus pais. Por consequência, vai morar nas ruas de Nova York, mas outrora passa a conhecer Blanca, e se tornando o primeiro membro da casa “Evangelista”. Assim como Damon, os demais personagens possuem histórias instigantes: Angel (Indya Moore), é uma mulher trans que sonha em ter uma vida igual a de uma mulher cis; Elektra, que dentre os personagens, é a única da alta classe, sonha em fazer redesignação sexual, ainda que seja sustentada por Dick Samuels (alusão ao dono do Ace Studios), que não lhe autoriza; Candy luta conta seu próprio corpo, fazendo procedimentos estéticos, afim de ser aceita em sua comunidade. Tema tratado com seriedade Pose é uma série extremamente necessária, não só em seu enredo mas também como uma verdadeira aula de história, que tem como princípio desmistificar a visão retrógada existente até os dias de hoje sobre a comunidade LGBTQIA+. Com seu roteiro emergente e dramático, Murph reforçou mais uma vez a urgência de falar sobre preconceito, não deixando de lado o cenário da época, em que o protagonismo tem ênfase sobre as personagens e sua exclusão até mesmo do grupo pertencente. Ademais, Vouguing, glamour e fashion, é entrelaçado com a crescente epidemia do HIV e AIDS, que até então não tinha tratamento adequado, já que o governo americano negava-se a ajudar. Com isso, Pose conseguiu fazer com que a série cause indignação e repressão do sistema capitalista, e exibindo a consequências do branqueamento. Notas sobre Pose Ainda que traga fantasia em seus episódios, ao retratar os anos 1980 e 1990, não deixa de transparecer a verdade, que ainda reflete em nossa sociedade. Revela o lado que ninguém gosta de falar: a transfobia, opressão e a censura existente para pessoas que não estão no padrão que ainda é estabelecido. Seu elenco conta com o maior número de transgêneros protagonistas em produções audiovisual, o que faz com que sua narrativa seja real, contada por mulheres que lidam com a exclusão e medo diariamente. De um lado temos Damon, que sonha em ser um bailarino profissional, e de outro Angel, que na 2° temporada busca pela aceitação de seu corpo, e almeja a carreira de modelo. Tendo Elektra e Blanca como rivais em sua primeira temporada, destaca que mesmo com diferenças, as pessoas da comunidade se unem quando o assunto afeta a vida de algum membro, o que se aproxima da realidade; mesmo com adversidades no meio LGBTQ+, a luta é uma só. Pose é isso e muito mais. Se trata de resistência, aceitação e representatividade. Viva, Rebole, Pose!
Crítica | After Life: Humor ácido em perspectivas sobre luto

After Life é uma série original Netflix com duas temporadas, que em seus episódios de 20 minutos, conta a história de Tony Johnson, um jornalista que trabalha em uma redação local na Inglaterra e perdeu sua esposa após uma luta contra o câncer de mama. No momento em que a série se inicia, é perceptível a tristeza e o pensamento suicida de Tony (Rick Gervais), o recém viúvo. São apresentados vídeos que sua esposa deixou antes de falecer, e por meio deles, desenrola-se a história da série. Por mais que deseje a morte, Tony falha miseravelmente em inúmeras tentativas. Quando decide se revoltar contra a sociedade, não poupando ninguém, se torna um homem amargo, liberando sua ira para qualquer pessoa, mesmo que isso signifique magoar as pessoas que o amam. Seus colegas sofrem diariamente com seu comportamento, principalmente seu cunhado Matt (Tom Basden), que é seu chefe e se recusa a demiti-lo por medo de perder mais uma pessoa querida. Importância das amizades Ao decorrer de After Life, é perceptível o desenvolvimento do protagonista e suas tentativas de se tornar uma pessoa melhor, ainda que na verdade só queira morrer. Amizades como a de Roxy (Penelope Wilton), uma “profissional do sexo”, como prefere ser chamada (que inclusive é hilária), foram cruciais para que Tony enxergasse além de si mesmo em sua jornada. Sandy (Mandeep Dhillon) também é um dos pilares para a construção da história. Mesmo sendo uma estagiária recém chegada na redação, não se deixa abalar com a falta de interesse de Tony em ensinar, buscando mostrar a ele uma nova perspectiva de vida. Notas sobre After Life De início, After Life parece ser um poço de grosseria com humor ácido. Porém, é demonstrado equilíbrio entre o drama e o humor no desenrolar da trama, sendo os coadjuvantes pilares para a construção do enredo. Ainda que sua primeira temporada não tenha aprofundamento nos personagens, outrora passa a investir nos secundários. Ao contrário de Tony, os demais personagens reagem de maneiras diferentes ao luto, insinuando que não é necessário ser agressivo para lidar com os problemas da vida. A série sempre remete à premissa de que o sentimento autodestrutivo é motivado pela perda recente, e que essas perdas fazem com que venhamos a mudar quem somos a fim de omitir o luto. É um esboço da realidade. Em suma, vale a pena conferir a série e refletir sobre seus acontecimentos. Confira o trailer: