No terceiro dia da Mostra Competitiva do Santos Film Fest 2019, mais quatro filmes ocuparam as salas do Cine Roxy 4 e 5, no Gonzaga. Com temas distintos, as obras emocionaram e também levaram o público a refletir bastante.
Confira abaixo um resumo de cada um dos filmes da mostra competitiva.
Mostra competitiva: As Balas Que Não Dei a Meu Filho
No curta As Balas Que Não Dei A Meu Filho (2018), observamos uma história aparentemente simples. O filme inteiro é sobre a espera de um pai pelo seu filho. Toda a cena se passa na pequena casa da família, acompanhando a agonia de Jessé com o desaparecimento do filho.
O pai, policial, recebe mensagens de uma ação violenta acontecendo em seu bairro. Ele tenta entrar em contato com o filho, mas não obtém resposta. O avô, que passou o dia todo no sofá, não sabe para onde o menino foi. O pai, cada vez mais angustiado, suspeita da demora. Quando ouve tiros próximos à casa, começa a acreditar no pior.
O filme dirigido por Thiago Gomes relaciona a complexidade nos laços familiares, violência policial e o assassinato de jovens negros. Tudo isso entre breves diálogos, em um filme de apenas 13 minutos.
A experiência acende um importante diálogo. Com viés teatral, oriundo do espetáculo original, o protagonista passa as mensagens do filme naturalmente, apoiado em um suspense silencioso, porém inquietante.
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Mostra competitiva: Salustianos
Com Salustianos (2018), celebramos a música brasileira observando três gerações de uma família de artistas. O ponto de partida é Manoel Salustiano, também conhecido como Mestre Salu, uma das maiores autoridades em cultura popular pernambucana do país.
O longa, dirigido por Tiago Leitão e produzido desde 2012, apresenta os herdeiros de Salu. Entre seus 15 filhos, 11 teceram depoimentos que mostram como lutam para manter vivo o legado do pai.
O documentário, narrado pela perspectiva dos filhos, conta com arquivos inéditos de Salu e mostra os impactos da herança musical do pai. Com 54 anos de carreira, Mestre Salu foi um grande influenciador de toda a cena do maracatu rural Piaba de Ouro, manifestação folclórica fundada por ele.
Através do maracatu e cavalo marinho, Salu influenciou inúmeros artistas brasileiros e fortaleceu a cena musical pernambucana. Com seus ensinamentos sobre família, amizade e o valor do trabalho, inspirou seus filhos a seguirem seus caminhos. Mesmo que em diferentes rumos, todos voltam para um mesmo ponto: a música que marcou gerações.
O filme mostra como as tradições são passadas entre filhos, netos e bisnetos. Por vídeos e imagens do cotidiano às apresentações, a história dos Salustianos é contada pela arte. A música, intrinsecamente ligada à família, é tanto o elo que os une como o meio de cada um construir sua própria história.
Um Café e Quatro Segundos
No curta Um Café e Quatro Segundos, do diretor Cristiano Requião, dois torturadores se encontram para tomar um café depois de mais de 30 anos sem se ver. O curta tem ares de suspense e conta com a participação do ator Osmar Prado, que atuou em várias novelas nos últimos anos, sendo seu papel mais recente Bóris, em Órfãos da Terra.
Os amigos que se encontram após 30 anos foram torturadores na época da ditadura militar. O curta é de 2018 e traz duras críticas ao período, já que um dos dois está arrependido do que cometeu naqueles anos, enquanto o outro defende que fez o que “era certo para salvar o país”.
Em meio a situação nosso país se encontra, de crise política e social, como o próprio Santos Film Fest descreve, vivemos tempos de radicalismo e polarização, como vemos no curta: onde um ex-torturador se arrepende das coisas que fez após reconhecer o corpo de seu sobrinho, assassinado pelo próprio colega de trabalho, que não se arrepende em nenhum momento, nem mesmo sob ameaça.
Os créditos trazem fotos de arquivo de crianças, homens e mulheres desaparecidos durante a ditadura, mostrando inclusive a famosa foto do jornalista Vladimir Herzog morto.
O Imperfeccionista – Ian Guest
O longa que veio na sequência deUm Café e Quatro Segundos foi O Imperfeccionista – Ian Guest. O filme é dirigido por Marcello Nicolato e foi lançado esse ano. Ian Guest foi um dos nomes que deu origem ao Método Kodaly e revolucionou o mundo musical. Imigrante da Hungria, veio para o Brasil com seus pais após a 2ª Guerra e a Revolução Húngara de 1956, em plena Copa do Mundo de Futebol.
O documentário tem cenas muito sensíveis que mostram a Hungria, Colômbia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de contar com uma belíssima trilha sonora criada pelo próprio músico. Cenas de depoimentos sobre a carreira de Ian Guest por meio de ir nos mesmos lugares por onde o músico andou, ouvir as sonatas e as composições e vasculhar sua memória.
Quem abre o longa contando a história é o próprio Ian Guest em um perfeito estado de saúde no transporte público húngaro, falando em um português perfeito sobre como e porque veio para o Brasil. Ian Guest já vem de uma família ligada com a música e revisita até mesmo o lugar onde seus pais se conheceram antes da guerra: uma escola de música.
Enquanto o filme vai passando, descobrimos sobre sua vida em meio à guerra, a chegada no Brasil e suas experiencias com a música. Ian Guest trabalhou como técnico de som em uma gravadora até começar a perder a audição, coisa que não foi empecilho para se tornar especialista em música brasileira, dando aulas de música até hoje em Tiradentes (MG) no Centro de Aperfeiçoamento Musical que criou.
Textos: Bia Viana e Natália Cuqui