Focados em figuras “invisíveis” de nossa sociedade e arte, os últimos filmes da mostra competitiva do Santos Film Fest, apresentados na noite de terça-feira (2), dividem os holofotes com histórias que precisam ser contadas.
Primavera de Fernanda
O curta Primavera de Fernanda (2018), de Débora Zanatta e Estevan de la Fuente, acende a discussão sobre visibilidade trans. É forte, consistente e importante, especialmente no país que ocupa o primeiro lugar no ranking de assassinatos de pessoas trans, segundo O Globo e a ONG Transgender Europe.
O filme começa com uma cena de violência, mostrando uma mulher trans sendo agredida por um homem em um beco. Pouco depois, descobrimos que ele é um cliente dela. Fernanda revida a agressão e pega seu dinheiro de volta, mas decide abandonar a prostituição depois do episódio.
Posteriormente, ela recebe uma oportunidade de trabalho no mercadinho do bairro. Com a oportunidade de recomeçar, resolve aceitar a chance de uma vida nova. A oferta de emprego também acende uma lembrança sobre a relação com sua mãe, despertada pela irmã.
As flores refletidas no espelho, ao fim do curta, mostram uma nova estação, uma mudança. Fernanda está pronta para recomeçar. O mundo exterior pode trazer desafios, mas é importante se manter firme com sua identidade. E é isso que a personagem representa.
Sob essa mensagem, o filme faz refletir tanto sobre realidades que desconhecemos como na forma que lidamos com as conhecidas. Logo após o mês do Orgulho LGBT, a apresentação do filme deixa em aberto várias questões que precisamos deixar sempre em pauta.
A atuação da protagonista Fernanda, feita por Laysa Machado, recebeu vários prêmios em festivais de 2018. Ela torna os 19 minutos do curta em um projeto imensamente poderoso. Mais do que seus diálogos, a força do filme está em seus olhares, que conduzem a história como ninguém.
O Coringa do Cinema
O Coringa do Cinema (2018), de Sérgio Kieling, é um documentário sobre a vida de Virgílio Roveda. O artista trabalhou em várias funções do cinema, indo desde direção de fotografia até produtor. Evitando a frente das lentes, Virgílio participou de produções nacionais grandiosas, como O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968).
Entre comédias, dramas, faroestes, terror, sertanejo, romances policiais e pornochanchadas, o profissional trabalhou com vários gêneros. Ele influenciou a produção cinematográfica paulista por 50 anos, aprendendo e dividindo conhecimentos.
>> Saiba como foi o primeiro, segundo e terceiro dia da mostra
O filme feito por Kieling, inspirado na obra homônima de Matheus Trunk, revela a dedicação do maior coringa do cinema nacional. Versátil e apaixonado pela arte, Virgílio influenciou gerações e contribuiu imensamente para os avanços na indústria nacional.
Entre acervo de imagens, entrevistas e muitos recursos diferentes, o filme é tão diverso quanto seu personagem. Não se conforma com um estilo único, por isso, atravessa várias experimentações, mas mantém-se estruturalmente intuitivo do início ao fim.
Acender os holofotes para um dos personagens anônimos da cinematografia, o técnico, é uma tarefa árdua. Com este registro, conhecemos não só a vida de Virgílio, mas os detalhes que cercam a vida de vários produtores cinematográficos pelo Brasil e o mundo.
A mostra cinematográfica do Santos Film Fest foi encerrada com filmes que abordam diversidade. Fugindo dos clichês, ambos trabalham de forma realista os pormenores na vida de pessoas invisíveis.