RICARDO AMARAL
Começar a escrever sobre este disco, em especial, me traz um misto de alegria e tristeza. Ouvir Abbey Road é imaginar como foi a última sessão de gravações do maior grupo de música de todos os tempos e adorar fazer isso sempre, não obstante. Por isso, como fiz em Sgt. Peppers, dedicarei duas semanas a uma obra de arte, da capa e suas “teorias de conspiração”; dos fatos das gravações e finalmente, lados A e B.
Procuro nunca ser prolixo, mas confesso que é tudo muito importante e quero dividir o que sinto com este álbum em mãos e aos ouvidos. A primeira importante informação é exatamente aquela que posiciona Abbey Road (lançado em 26 de setembro de 1969) como última gravação dos Beatles, no estúdio que levou o nome ao álbum e não Let it be, lançado em dezembro de 1970, após o término da banda e que fora gravado em janeiro de 1969. Outra é o próprio nome. O disco era para ter sido chamado de Everest, em homenagem ao monte entre Nepal e Tibet. Esta escolha levaria a sessão de fotos ao local, o que não estava nos planos dos quatro (e nem no clima).
Assim, sem saber como se chamaria o disco, num dia comum de gravação, vestidos como estavam, fizeram a famosa foto cruzando a esquina de Abbey Road com Garden Road (a placa de rua mais roubada da história), em St. John’s Wood, Londres. A foto é como um livro de fábulas infantis. Muitas estórias, baseadas nas interpretações, conforme as paixões pessoais.
No dia, Paul estava com aquela roupa da foto, mas de sandálias e preferiu tira-las. Seu passo era contrário, por ser iniciativa de qualquer canhoto iniciar o passo com a perna esquerda. Logo, não há mensagem nenhuma no fato. A “estória” é que seria uma procissão fúnebre, na qual Lennon seria o padre, Ringo o parente, Paul o defunto e George o coveiro.
Bobagens da época, na sequência da fantasia criada em Sgt. Peppers, a placa LMW 28 IF, do fusca branco parado ao lado esquerdo de quem olha, significaria “Linda McCartney Widow (viúva) e 28 anos se Paul estivesse vivo! O fusca foi rebocado por estar abandonado e estacionado irregularmente. E o furgão preto, um Triumph Herald de 1967, do outro lado da rua “seria” um carro funerário.
Tirando as besteiras da imaginação de muitos, a capa virou um ícone, que criou um landscape, como se fora a silhueta de uma cidade, ou um monumento, assim como acontecera com Help, em 1965.
A primeira do Lado A é um funk de John Lennon. Sim um funk (dos bons, não o significado de hoy dia): Come Together: O título, ao contrário do que queriam os fãs à época (e alguns quiseram até a morte de John) não é um pedido aos amigos da banda para “Juntem-se”. John usou o slogan de Timothy Leary, candidato ao governo da Califórnia em 1969: “Come together, join the party”! Os vocais são todos de John Lennon.
Something, a segunda faixa, primeira canção de George Harrison lançada como lado do A, compacto simples com Come Together no B. Considerada como “a música romântica mais linda de todos os tempos”, demonstra a maturidade das composições do “beatle místico”. Maxwell Silver Hammer foi uma das muitas teimosias de McCartney entre o álbum branco e Abbey Road. Nesta gravação, Lennon não participa de absolutamente nada. Sofrera um acidente de carro e Yoko estava hospitalizada.
Oh! Darling, que exigiu de Paul fazer todos os três takes de vocal pela manhã, para extrair tudo de sua voz, foi uma brincadeira surgida em uma jam session durante as gravações de Let it be. Segundo John, único momento feliz daquele tempo. A qualidade musical dos quatro transformou-a numa canção de sucesso.
Octopus Garden, segunda colaboração de Ringo Starr como compositor (a primeira foi Don’t pass me by, no Álbum Branco), é mais uma melodia infantil dos Beatles, seguindo a onda de Yellow Submarine e All Together Now. Ringo voltara de uma viagem de férias mergulhando e criou as imagens na letra. Embora não tenha aparecido nos créditos, a parte musical é toda de George Harrison.
Por fim, encerrando o Lado A, I Want You (She’s so heavy), um blues de sete minutos, viceral e diferente de tudo que Lennon compusera até então. A canção se refere à relação com Yoko e o peso que ela trazia para todos (exceto para ele, John). Os seguidores do “Paul is dead”‘atribuem o corte repentino, terminando a canção, como mais uma referência… Ai, ai…. Assim, antes de virar o disco, a certeza de que estas canções tornaram-se todas icônicas e nos levam remetem à certeza que a obra dos Beatles atingia seu ponto maior de maturidade.