BRUNA FARO
Palavras cantadas nas ruas da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. A realidade da periferia, dos negros, das mulheres citada por vozes impotentes no dia a dia, mas que naquela roda se tornam imponentes. Gritos de guerra, pedidos de compaixão, rimas por um país melhor.
Assim começa o filme Slam – Voz De Levante, das diretoras Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohman. O documentário mostra a prática slam poetry, onde artistas declamam seus poemas e a platéia vira o júri. Porém o foco vai além disso, com passagens movimentadas, usando os diferentes tipos de locomoções para mudar de ambiente, o longa consiste em mostrar um hobby e trabalho que transformam a vida daqueles que o praticam.
Visto por muitos como uma espécie de RAP, o Slam é um poema quase cantado. O compasso das rimas tocam na alma da mesma forma que os ritmos fazem nosso corpo querer se mexer. Isso fica destacado por muitos dos poetas retratados no longa, para eles a poesia os ajudou a se livrar das drogas, da mesma forma que o hip hop livrou muitas crianças dos crimes.
Luz Ribeiro, campeã brasileira de slam em 2016 e semifinalista da Copa do Mundo na França em 2017, diz que sempre foi invisível e graças a poesia, quando está no palco, ela se torna alguém importante.
O slam poetry surgiu nos Estados Unidos em 1984, mais especificamente em Chicago, com o poeta Marc Smith. Ele começou a compartilhar seus poemas em bares com “open microphone” (microfone aberto/liberado) que existe até hoje por lá, onde artistas amadores sobem ao palco e fazem suas performances que vão de música à comédia. Marc ajudou a transformar o que antes era um recital em uma competição. Ele, junto com Bob Holman, levaram a poesia a outro patamar. Holman foi um dos primeiros a aparecer com as competições em New York. Com isso, slam foi ficando popular nas ruas americanas e ao redor do mundo.
No filme é possível ver gravações desde 2008 com a diretora Roberta que também é poeta e já até competiu na Copa do Mundo de slam! No projeto vemos ela por diversos países mostrando a técnica em diferentes culturas. Há uma década o Brasil já fazia disputa de poesia e outros países também seguiam esse embalo.
A competição de slam poetry funciona com grande participação da plateia, o mestre de cerimônias escolhe alguns membros da audiência para serem jurados, esses então devem avaliar os competidores com uma nota de 0 a 10 em cada rodada. Na norma original é proibido usar objetos, música, entre outros durante a apresentação. O importante são as palavras e a forma como o artista se relaciona com elas. Geralmente a eliminação é feita em três etapas para os participantes recitarem seus poemas, os quais de acordo com a regra, precisam ter três minutos de duração. A fórmula mais comum é começar com oito poetas, depois na segunda parte seis e por último dois.
Claro que existem muitas formas de praticar essa arte, alguns locais nem eliminam pessoas, outros duram mais de 20 horas, existem competições temáticas e até mini versos de somente alguns segundos. Mesmo com tantos formatos, todos têm o mesmo princípio: o prêmio é simbólico. O documentário, por exemplo, mostra os poetas recebendo 20 dólares após ganharem a competição.
O mais importante é passar uma mensagem, o conteúdo é o que se destaca no meio das rimas. Cada um fala sobre a sua realidade, sendo que a maioria aborda problemas sociais. São cidadãos invisíveis que usam suas vozes para representar seu povo em uma forma de arte que trabalha a inclusão, onde várias tribos se unem para ouvir as causas de seus opostos e semelhantes.
União essa que aparece muito durante o longa. Todas as suas versões são legendadas para os surdos. Vemos artistas de todas as idades, como a Dona Mauri, poeta de mais de 70 anos, até o adolescente Isaac Quaresma. A diversidade prevalece nesse mundo de rimas e como o filme mostra, as diferenças e o preconceito somem, pois a energia é a mesma em qualquer lugar do mundo.
Infelizmente poucos dão a esses artistas o prestígio que eles merecem. A sala de cinema estava vazia, contrastando com o filme, onde os lugares estavam cheios e havia aplausos a cada verso. Faculdades e escolas deveriam levar seus alunos para assistirem ao documentário e ensinarem essa “brincadeira” com as palavras, incentivando o conhecimento e o respeito à pluralidade.
Assim como a música, a poesia toca as pessoas e fala sobre assuntos muitas vezes apagados da sociedade. É uma forma de arte que igual a muitas, transforma o individual em coletivo, trazendo a tona problemas do cotidiano e inspirando aqueles que a escutam. Conscientiza e une diferentes culturas em um só lugar, com um propósito: celebrar a arte.