No ano em que completa 25 anos de fundação, a formação clássica do Cachorro Grande volta a se reunir para uma série de comemorações. A banda, que encerrou oficialmente suas atividades em 2019, está de volta aos palcos com uma turnê especial que passa por diversas capitais brasileiras. Em São Paulo, o quarteto se apresenta nesta sexta-feira (8), no Carioca Club, a partir das 20h. Ainda há ingressos à venda.
O guitarrista Marcelo Gross, um dos fundadores e figura central na história do Cachorro Grande, conversou com o Blog n’ Roll sobre o retorno da banda, a química que se mantém intacta após tantos anos e a forma como essa reunião reacendeu não só a relação entre os integrantes, mas também a conexão com o público.
Na entrevista, Gross comentou a possibilidade de novas músicas do Cachorro Grande, analisou o atual cenário do rock no Brasil e no mundo e relembrou histórias de bastidores que vão desde improvisos de palco até o dia em que abriram para os Rolling Stones no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre.
Confira a íntegra da entrevista abaixo.
Quando a banda entrou em hiato em 2019, vocês imaginavam que a reunião aconteceria tão cedo?
A gente não imaginava que fosse ser tão cedo. Quando a gente anunciou o hiato, baixamos a cabeça e começamos a trabalhar nos nossos projetos individuais, mas veio a pandemia, que exacerbou um pouco a vontade da gente estar no palco de novo, de estar junto, tocar para a galera.
Logo depois da pandemia, a gente fez um show de reunião para matar a saudade, depois daqueles dois, três anos de isolamento social. Depois que a gente fez esse show, que foi tão bacana, resolvemos fazer um evento anual de reunião da banda, que aconteceu em 2024 e 2025. A gente decidiu fazer essa turnê por conta que os shows estavam muito bons, tinha uma demanda muito grande de público para assistir a gente, então acho que foi a hora certa para se reunir, comemorar os 25 anos e quem sabe ainda o que vem pela frente, né?
Acredito que a gente está no momento em que o rock está voltando, a galera está cansada dessa coisa pré-fabricada e também isso parece ser uma coisa que está rolando no mundo inteiro: essa demanda pelo bom e velho rock and roll desgraçado.
Há chances de o Cachorro Grande lançar músicas ou um álbum novo, mesmo com todos focados nos projetos solo?
Estamos bastante envolvidos com os nossos projetos solos, e a gente foi vendo até onde a gente podia ir com esse lance da Cachorro Grande. Os shows anuais sempre foram muito legais, tudo ocorreu de uma maneira muito tranquila e agradável. As feridas da banda se cicatrizaram.
Durante esse um ano que a gente está fazendo a turnê de 25 anos, fomos mandando músicas novas e tem um material que poderia ser gravado, então existe essa possibilidade. Como a gente está se dando bem, a turnê está indo bem, é provável que no futuro lance alguma coisa, dê uma pausa nas carreiras solo para lançar algo novo.
O que mudou na relação entre vocês desde a separação até agora?
O problema de quando a gente acabou é que passamos muito tempo juntos, então precisava respirar um do outro, fazer novos projetos, outras coisas, para dar uma arejada na cabeça. Agora está sendo muito bacana, acho que a nossa relação está melhor do que nunca.
Os shows têm sido musicalmente muito bons, isso é importante. E é isso, a gente também tem o carinho do público, a galera mais velha que tem essa memória afetiva com a gente, que está levando os filhos, tem uma geração mais nova que não tinha assistido a banda. Tudo isso sensibiliza a gente e faz com que façamos tudo com muito carinho e valorize a presença um do outro.
Apesar de termos vivido tanto tempo com muita intensidade juntos, o pessoal está na casa dos 50 anos, a gente já não sabe mais até quando vamos estar por aí, então é bacana perceber que esse amor antigo ainda sobrevive.
Na sua opinião, o que torna a formação clássica do Cachorro Grande tão especial para o público?
Acho que é uma coisa que a gente mesmo sentiu nos primeiros ensaios lá em 1999, quando reuniu eu, o (Gabriel) Boizinho e o Beto (Bruno). O Boizinho batendo forte na bateria, eu tocando os four chords na guitarra, o Beto com aquela característica da voz dele, depois se juntou o Pedro nos teclados.
Como disse antes, não tem como não reconhecer que a química causa na gente e nas pessoas uma fagulha, uma energia que é especial. É a música que a gente faz junto, a característica pessoal de cada um, que cada um tem quando vai tocar, provoca uma mistura que é a Cachorro Grande.
Como foi pensado o repertório do show de 25 anos do Cachorro Grande em São Paulo?
Como é uma comemoração de 25 anos da banda, ele quase se faz sozinho. Brinco com os guris, o set se faz sozinho porque são quase dez discos, vários hits, clipes que ficaram na memória das pessoas na época da MTV, então se tu botar só as músicas que não poderiam faltar no show, já dá o show. A gente sempre brincou com improvisos no meio do show, a banda se solta ali em vários momentos. Cada show será um show único.
O público pode esperar todos os grandes sucessos nesse show?
Sim. Não vai faltar nenhuma das favoritas. Os lados B a gente deixa mais para o futuro. Claro que tem uma ou outra coisa, mas é um show essencialmente de hits.
Como foi assistir novamente ao documentário A Última Banda de Rock após o retorno da banda?
Assisti quando saiu, há um ano, e só fui assistir novamente agora, quando rolou no festival In-Edit, aqui em São Paulo. A gente reuniu a banda para assistir. Lembro a primeira vez que assisti e fiquei meio tenso: ‘o que vão pensar da gente? O que vão mostrar? O que vão falar? Mas dessa vez relaxei e curti mais.
É um documentário diferente, artístico, é a visão do nosso diretor pernambucano, Lírio Ferreira, sobre nós, gaúchos, roqueiros, doidos. Então achei bastante original, a construção foi bem bacana, gosto demais do que os outros artistas falam a respeito da gente.
Um filme divertido também, não é um documentário chapa branca, mostra os problemas que a gente enfrentou durante a carreira, os problemas que a gente tinha entre a gente. Então acho que é bem fiel ao que rolou com a gente.
Entre os grandes shows que vocês abriram, uma lista que tem Oasis, Iggy Pop e Rolling Stones, qual foi o mais marcante para você?
Todos foram especiais! Aerosmith no Palestra Itália foi especial, a gente é fã. O Supergrass, que é uma banda que a gente acabou virando amigos deles, foi super massa também. A gente abriu um show do Primal Scream, que eles tocaram o álbum Screamadelica, que somos fissurados. Oasis foi demais também.
Agora, o Rolling Stones foi algo incrível. Lembro quando estava assistindo em 1989, uma transmissão da Band de um show dos Stones em Atlantic City, que o Guns N’ Roses estava abrindo. Na época, perguntaram para o Axl Rose o que ele estava achando daquilo, respondeu uma coisa que gravada na minha memória: ‘uma banda de rock’n’roll só é uma banda de rock’n’roll de verdade depois que abre um show dos Rolling Stones’.
Abrir o show dos Rolling Stones foi uma espécie de graduação para a nossa banda, uma formatura, um diploma que a gente vai levar com carinho nos nossos corações para sempre. Foi com certeza o show mais especial, dado o amor que a gente tem pela banda.
Ao mesmo tempo, nunca me permiti imaginar abrindo um show dos Rolling Stones. Aquilo ficou no fundo da minha memória, mas meu sonho era só assistir um show dos Rolling Stones.
Quando vi, estava no palco deles, tocando com o público deles, no estádio onde cresci, o glorioso Beira-Rio, em Porto Alegre, onde ia com o meu pai desde pequeno. Era como diz uma música deles, Mixed Emotions, muitas emoções misturadas, muitos sentidos ao mesmo tempo.
A gente teve a oportunidade de ficar um pouco com eles, entre o nosso show e o show deles. Tiramos uma fotografia, nos abraçamos, então foi um momento que vou levar com carinho pro resto da minha vida.
Como vê o atual cenário do rock no Brasil e no mundo?
O público se encheu de música pré-fabricada, feita pelo computador, batida eletrônica, de sertanejo cantando com vocalizer. Tudo que é meio fake, tudo que é meio pré-fabricado não engana as pessoas por muito tempo não. Então essa coisa do rock tem essa parada explosiva de ser humana, ter os seus erros, as suas falhas, mas também de ter seus acertos que deixam todo mundo louco.
A galera está com saudade de ouvir guitarra alta, distorcida, as coisas saindo e entrando dos eixos, como é um bom show de rock and roll. Não é aquela coisa pré-fabricada com playback.
Quais são os três álbuns que mais influenciaram sua carreira e por quê?
O primeiro disco que comprei na vida foi o Os Reis do Ié, Ié, Ié!, do Beatles. É a versão de A Hard Day’s Night. Esse disco me influenciou bastante porque fez eu querer tocar, colecionar todos os discos dos Beatles. É um disco bastante importante na minha vida.
O outro é o Álbum Branco, dos Beatles, por conta da diversidade. As músicas parecem que jogam uma contra a outra, cada música parece uma banda diferente.
Fora dos Beatles, posso citar o Who’s Next, do The Who. É um disco que é essa coisa do power chord. Então, bastante do som da Cachorro Grande foi moldada pela maneira como eles gravaram o Who’s Next, os power chords, a bateria, com bastante rolo.
Por fim, além dos três, tem o Made in Japan, do Deep Purple, que ouvia bastante quando era adolescente. Me ensinou bastante essa coisa dos improvisos, ter a música ali estruturada, mas soltar a galera pra fazer as versões diferentes do que foi mostrado no estúdio. É um disco que me influenciou bastante.