Entrevista | Pedro de Luna – “Champignon não aguentava mais a pressão e assédio dos haters”

Entrevista | Pedro de Luna – “Champignon não aguentava mais a pressão e assédio dos haters”

Champignon faleceu dia 9 setembro de 2013, aos 31 anos, justamente o mês agora associado à campanha Setembro Amarelo, dedicada à prevenção do suicídio e à saúde mental. A biografia de Pedro de Luna mostra não apenas o legado musical de Champignon, mas também os problemas de depressão, ansiedade e pressões financeiras que ele enfrentava, lembrando que por trás do talento e da fama existiam batalhas silenciosas que merecem atenção, compreensão e diálogo.

Luna mergulhou na vida do baixista em um relato detalhado sobre sua trajetória pessoal e artística. Afinal, Luiz Carlos Leão Duarte Júnior, o Champignon, foi um dos nomes mais emblemáticos do rock brasileiro, reconhecido pelo trabalho com o Charlie Brown Jr. e por projetos como Revolucionnários, Nove Mil Anjos e A Banca. Com talento, carisma e presença de palco, ele marcou gerações, mas também enfrentou desafios pessoais e emocionais complexos que moldaram sua história.

Pedro de Luna exibe a biografia do Champignon em sua entrevista para o Blog N’ Roll

Você teve a impressão de que o Champignon era a segunda cara do Charlie Brown Jr., quase um “segundo em comando”, quando escreveu a biografia?

Pedro de Luna: Sim, tive essa impressão, como se ele fosse o segundo em comando. O Dom Quixote e o Sancho Pança. É engraçado você falar isso, porque tem uma passagem no livro em que, se não me engano foi o Thiago (Castanho) ou o Marcão, contou numa entrevista que eles estavam em um evento e viram o Champignon e o Chorão andando de costas. A pessoa comentou: “Cara, até andar igual eles andavam”. Essa simbiose foi muito intensa. O Champignon tinha 12 anos quando conheceu o Chorão, que já tinha seus 20 anos e um filho. Essa convivência influenciou muito, principalmente o mais novo. O Chorão era o dono da banda, o porta-voz nas entrevistas, mas o Champignon, de alguma forma, era o segundo em comando.

Como foi o processo de viabilizar o livro via crowdfunding, ainda mais durante a pandemia?

Pedro de Luna: Não foi o primeiro livro que fiz por financiamento coletivo. Já tinha feito, por exemplo, a biografia de outro baixista, o Speed (parceiro do Black Alien), e também outros livros por venda antecipada. Mas no caso do Champignon foi desanimador no início, porque a primeira campanha não bateu a meta. Pensei: “Não é possível que as pessoas não tenham interesse em saber sobre ele”. Foi uma decepção, mas tentamos novamente. Na segunda campanha começamos com uma meta mais alta, depois reduzimos, e aí conseguimos bater e bancar a primeira tiragem praticamente no zero.

O grande desafio mesmo foi a pandemia. Eu gosto de fazer entrevistas pessoalmente, e naquele momento não dava. A única pessoa que exigiu o encontro presencial foi uma das irmãs do Champignon, a Dani, a caçula. Nos encontramos em um lugar aberto, com todos os cuidados, e foi ótimo. Ela contribuiu muito, assim como a Eliane, a irmã mais velha, que ajudou com fotos e material de acervo pessoal. Mas foi a única entrevista que consegui fazer presencialmente. Isso dificultou bastante o processo.

Lili, irmã mais velha do Champignon, e o Seu Leão, pai dele (de jeans)

Os fãs ajudaram a escolher a capa do livro. A disputa foi acirrada ou houve um consenso?

Pedro de Luna: Foi apertada, mas no fim a capa vencedora ganhou com folga. Essa foto acabou virando a principal e a camisa ficou com a Dani, irmã mais nova do Champignon. A outra opção era uma foto de 1998, dele bem jovem com um macacão bordado com “Charlie Brown”, que acabou indo para a contracapa. A escolha da capa foi simbólica também porque a foto é do Marcos Hermes, um grande fotógrafo e amigo meu. Nós moramos juntos quando me mudei para São Paulo em 1998, então ter uma foto dele no livro foi especial.

Você entrevistou músicos de outras bandas como CPM 22 e NX Zero, que tiveram relações com o Charlie Brown Jr. Como você viu essa influência e convivência entre eles e o Champignon?

Pedro de Luna: É interessante, porque o Chorão sempre foi um ponto de tensão com outras bandas, mas o Champignon era o oposto: um cara muito boa praça, que se dava bem com todo mundo. O Marcelo D2, por exemplo, sempre foi amigo do Chorão, e o Planet Hemp foi fundamental na trajetória do Charlie Brown, já que foi o D2 quem sugeriu que o Chorão cantasse em português.

Sobre a geração seguinte NX Zero e CPM 22 e até o Raimundos, da mesma geração, era natural a convivência. Nos anos 90 e 2000 havia muitos festivais de rádio, aniversários de emissoras, e quem estava no topo eram as bandas dessa geração. O Charlie Brown ainda era um finalzinho dos 90, antes da ascensão do emo, e dividiu muito palco com todos eles.

A famosa “treta” com o CPM surgiu de uma entrevista boba publicada na Capricho, mas na prática os caras eram próximos. Há vídeos de turnês nos EUA com Champignon, Badaui e Japinha juntos, super amigos. O NX Zero nunca teve treta nenhuma, pelo contrário: Di Ferrero participou de shows com o Champignon em sua fase fora do Charlie Brown, e vice-versa. O Raimundos também sempre abriu espaço, o Digão chamou o Champignon para apresentações e ajudou bastante.

Eu tenho muito cuidado como biógrafo: não coloco fofoca nem rumores. Só relato coisas já publicadas em entrevistas, matérias de TV e revistas. Não escrevo livro para criar desavenças, e sim para contar histórias de forma honesta e respeitosa.

E eu vi que você teve dificuldade também de encontrar matérias, entrevistas e alguns materiais com o Champignon. Como é que foi que você se enfrentou esse tipo de dificuldade para encontrar material?

Pedro de Luna: Cara, a pesquisa é sempre a parte mais difícil do livro. Escrever já está no automático, mas a pesquisa, até antes das entrevistas, eu tenho que fazer uma boa pesquisa.

No caso do Charlie Brown, e na verdade com muita gente, as informações que estão na internet ou não são fiéis, ou estão com datas erradas. Até mesmo vídeo, encontrei pessoas que postavam muitos vídeos e depois, fazendo uma pesquisa, vi que o ano estava errado, ou o mês. Normal, o cara não vai lembrar também daquele VHS, às vezes nem escrevia a data certa, só colocava o ano, se colocava. Então a pesquisa foi muito difícil.

Mas eu tenho que agradecer muito, porque quem tem me ajudado muito nesses processos de biografia são os fã-clubes. Ainda que tenham bandas que não tenham, como o Mundo Livre S/A que não tem fã-clube, no caso do Charlie Brown especificamente, tanto o fã-clube Aquela Paz foi muito importante, porque eram meninas adolescentes na época que a banda surgiu. Elas tinham não só todas as matérias das revistas de adolescente, quanto panfletos, quanto fotografias que elas mesmas tiravam: “olha a gente no programa H do Luciano Huck, no camarim, entrando na van”. Então tinham não só testemunhos e histórias, mas também material.

Depois, quando o Champignon sai do Charlie Brown e fica aqueles anos separados, surgiu outro fã-clube chamado Champirados, que também foi importantíssimo, sobretudo na figura da presidente, a Vanessa. Eles ajudaram muito, não só tirando dúvidas, mas mandando fotografias e conseguindo contatos de algumas pessoas.

Eu tento sempre fazer entrevistas em um espectro muito grande, que não são só os músicos que tocaram ou que tocam na banda, mas pessoas da equipe técnica, empresários, fotógrafos, contratantes de show, fã-clubes. Quanto mais pontos de vista diferentes a gente tiver, mais interessante, porque gera conflito de opiniões e o leitor tira suas conclusões. Às vezes não é conflito, é complemento.

Eu lembro, por exemplo, de uma entrevista com o Canisso, na época ainda vivo, baixista dos Raimundos, sobre como lidar com brigas em banda. Os Raimundos viveram isso também, teve uma época que foi saindo um, saindo outro, antes desse momento atual que só tem o Digão. Ele deu um ponto de vista muito interessante.

Muitos falam também sobre empresários, então você vai ver que sempre existe alguma questão polêmica. Tem essa envolvendo empresários também.

Você chegou a entrevistar o Champignon na época do Revolucionnários. Como ele lidava com o recomeço, tocando em casas pequenas e com público reduzido, depois do sucesso no Charlie Brown Jr.?

Pedro de Luna: Ele levava numa boa. O Champignon já tinha conquistado estabilidade financeira no Charlie Brown Jr. , tinha imóvel, carro, dinheiro guardado e já havia ajudado a família. Isso dava liberdade para recomeçar do zero, agora como líder e vocalista do Revolucionnários.

Ele investiu pesado do próprio bolso, produzindo clipes caros e apostando em qualidade, porque queria fazer tudo em alto nível. Mas a banda sofreu muito com o boicote do Chorão, que pressionava contratantes e rádios a não abrirem espaço. Isso minou bastante o crescimento do grupo, que ainda por cima não tinha gravadora.

Foram dois anos de resistência, mas os shows não lotavam e a grana só saía. No fim, Champignon se mudou para São Paulo, onde acabou se aproximando de Peu Souza e Júnior Lima. Dali nasceu o projeto Nove Mil Anjos, e ele deixou o Revolucionnários de lado.

O que você conseguiu extrair desse período do Nove Mil Anjos?

Pedro de Luna: Foi muito bacana, embora eu não tenha conseguido entrevistar o Peu Souza, que já havia falecido. Ele foi parte essencial dessa história, porque estava no meio daquela sequência trágica de 2013, com a morte do Chorão em março, dele em maio e do Champ em setembro.

Para o livro, recorri ao vocalista da banda na época e ao Júnior, que me surpreendeu demais. Ele me mandou áudios muito emocionados, em que a voz até embargava, principalmente quando falou da última vez que encontrou o Champ. Contou de um churrasco em São Paulo em que o Champ o agradeceu por tudo que tinha feito por ele. E realmente, se no Revolucionnários o Champ era o patrocinador, no Nove Mil Anjos esse papel foi do Júnior. Ele levou a banda para gravar em Hollywood com um produtor premiado, conseguiu patrocínio da Nokia e fez o disco sair dentro de um celular da marca.

Mas a banda não deslanchava, não vendia shows, e os integrantes precisavam ganhar dinheiro. Isso criou tensões. O Júnior disse que chegou a um ponto em que só de receber ligação da banda já se irritava. Ele tinha outros projetos, estava cansado, e decidiu sair. Assim o Nove Mil Anjos chegou ao fim.

O Champ passou alguns anos no ostracismo, em grupos que não tiveram o mesmo sucesso do Charlie Brown, e começou a sentir saudade. Por mais difícil que o Chorão fosse, havia uma relação de amor e ódio muito forte. As irmãs do Champ até diziam que o Chorão era como um pai para ele. Por isso, é importante destacar que o Charlie Brown não era apenas o Chorão, mas uma banda que também se fez com Champignon, Marcão, Thiago, Graveto, Pinguim, Pelado… Sem eles, não teria a mesma história.

Pedro ao lado de Marcão (Charlie Brown Jr.)

Como Champignon se sentiu ao voltar para o Charlie Brown como músico contratado. Como ficou o ego dele? Como foi esse processo?

Pedro de Luna: Em cada fase da vida, Champignon teve companheiras marcantes. Na época de seu retorno à banda, ele namorava Natália Curti, fotógrafa que inclusive cedeu ótimas fotos para o livro. Natália morava no Pacaembu, e alguns encontros com fãs chegaram a ser registrados no YouTube, com bolinhos e violões na rua, mostrando a humildade de Champignon. Desde criança, ele sempre foi assim: tocando violão na Fonte do Sapo com os amigos, tranquilo no meio da rua.

Natália contou um episódio que marcou bastante: O Chorão ligou para falar algo com Champignon, e eles discutiram. O músico ficou tão irritado que jogou o telefone na parede e disse à Natália: “Não adianta, esse cara nunca vai mudar”. Para Champignon, voltar ganhando menos não era o problema. Ele tinha humildade, mas outras questões, como o autoritarismo de Chorão, pesavam mais. Houve momentos em que a tensão entre os dois quase resultou em agressão física, algo presenciado por fãs. Rock and roll, drogas e álcool sempre fizeram parte da história da banda, mas essas nuances muitas vezes não aparecem na narrativa oficial do Charlie Brown.

Eu vi também na questão daquele fatídico show lá de Apucarana (em que o Chorão humilhou o Champignon no microfone, na frente da platéia). O que você conseguiu extrair disso? Porque eu achei muito curioso. Lembro que, quando recebi a notícia da morte do Champignon, veio no meu Facebook a lembrança de alguém que tinha publicado um vídeo e me marcado.

Pedro de Luna: Pois é, Renato, para quem não viu foi muito constrangedor. No meio do show, enquanto a banda tocava, Champignon foi esculachado publicamente. E eu me pergunto: por que só ele? Não foi só ele que voltou para a banda com uma negociação financeira; outros voltaram também, mas por que esculachar apenas o Champignon?

O Chorão, nos últimos dias de vida, estava em um estado de paranoia absurda. Foi expulso de alguns flats em São Paulo, acreditava que havia câmeras escondidas em todos os lugares, arrancava luzes, tomadas e até pisos. Já o Champignon já tinha declarado falência duas vezes, lidava com pensões e não tinha casa própria, morando no apartamento da Cláudia, no Morumbi, onde veio a falecer.

Na véspera da morte, participou de um show do Rappa em Lorena. No palco foi celebrado, mas depois teve que esperar duas horas para entrar no camarim, e isso reforçou sua sensação de desvalorização. Junto à falta de grana, baixa autoestima e depressão, acumulou um pacote de problemas. No dia fatídico, passou o dia teclando no Facebook, discutindo com amigos, e voltou para casa abatido. À noite, jantou com a Cláudia e amigos, bebeu saquê, fumou muito, mas já não estava bem.

Ele entrou no apartamento, pegou a arma que tinha em casa, testou primeiro no chão, e depois disparou contra si mesmo. Não sabemos exatamente o que aconteceu entre entrar no apartamento e o ato final, mas ele já estava esgotado com tudo aquilo. Além disso, o assédio de haters e fãs que o criticavam publicamente acelerou o quadro depressivo que culminou na sua morte.

Quem quiser conferir mais detalhes e bastidores do livro, a obra está no Instagram como @biografiachamp e o livro está na Amazon.