Entrevista | Hugo Mariutti – “Muita gente acha que é um disco de guitarrista, mas é um projeto diferente”

Entrevista | Hugo Mariutti – “Muita gente acha que é um disco de guitarrista, mas é um projeto diferente”

Hugo Mariutti acaba de lançar This Must Be Wrong, seu quarto álbum solo, produzido inteiramente pelo guitarrista. O trabalho sucede The Last Dance (2023), seu primeiro após o fim do Shaman, e marca uma fase em que o músico busca novas sonoridades. O primeiro show foi realizado no Sesc Santo Amaro com casa cheia e boa repercussão “ Agora é seguir divulgando, porque muita gente ainda acha que é um disco de guitarrista. É importante mostrar que é um projeto diferente.”, afirma Hugo, que encara o disco como o mais completo de sua carreira, tanto no aspecto vocal quanto nas composições.

Distante do heavy metal pelo qual é amplamente reconhecido, Mariutti mergulha em influências que transitam pelo post-punk, rock britânico e elementos alternativos, sem abrir mão da bagagem construída ao longo de décadas de estrada. A faixa-título e a capa, por exemplo, reflete sobre a exaustão física e mental imposta pela sociedade atual e pela autocobrança constante, traduzindo inquietações pessoais e coletivas em forma de música.

Em entrevista ao Blog N’ Roll, Mariutti falou sobre os desafios de gravar em tons mais altos sem perder a força das composições, a importância de saber equilibrar perfeccionismo e maturidade durante a produção e como influências de bandas como The Cure e New Order ajudaram a moldar esse novo momento em sua trajetória.

Esse disco sucede The Last Dance e você o define como seu trabalho mais completo. Quais foram os maiores desafios, tanto na produção quanto na composição?

Meu maior desafio nesse disco foi cantar as músicas no tom que eu escrevi. Algumas estão em tons mais altos e eu não quis baixar, porque poderia tirar um pouco da essência. Então tive que treinar bastante para cantar bem. Na produção eu sempre tomo muito cuidado com a gravação de voz, porque é a primeira coisa que salta para quem está escutando.

Nas letras também tive muito cuidado. Reescrevi várias vezes frases que não estavam boas, voltava, refazia, regravava. O legal de estar produzindo, e com a tecnologia que temos hoje, é que isso fica mais fácil e rápido. Mas também chega uma hora em que você precisa ter maturidade para falar: é isso, está pronto.

Pra quem está te conhecendo agora com esse novo trabalho, como é a sua relação com o post-punk e o rock britânico? Era algo que você já ouvia na infância?

Ao longo da vida a gente passa por fases musicais. Comecei a ouvir música muito cedo por influência dos meus irmãos mais velhos. Tinha Queen, Supertramp, e depois fui para o metal, tive banda de thrash metal no começo dos anos 90, depois uma que misturava rock progressivo e jazz, ouvindo Rush, Marillion.

O post-punk também esteve presente. O The Cure e o New Order tocavam muito no rádio quando eu era pré-adolescente. Eu gostava, mas como era ligado ao thrash metal, não podia assumir muito. Mais velho, você entende que tudo isso se mistura. No disco realmente dá pra perceber essas influências.

E como foi o primeiro contato deste trabalho com o público no show do Sesc Santo Amaro?

Foi muito legal. Bastante gente no teatro, conseguimos tocar quatro músicas do disco novo e mesclar com os quatro álbuns. A recepção foi ótima, muitas mensagens positivas. A banda é muito boa, isso ajuda muito. Agora é seguir divulgando, porque muita gente ainda acha que é um disco de guitarrista. É importante mostrar que é um projeto diferente.

A faixa-título fala de exaustão física e mental. Isso tem relação com a sua vida pessoal ou foi apenas uma ideia para a letra?

Tem relação comigo, mas também com muita gente. Várias vezes me peguei em casa, em dias sem compromisso, deitado, olhando pro teto, e me cobrando por não estar fazendo nada. Esse modo de vida gera exaustão mental e física. A capa reflete isso: uma pessoa sentada na praia, em paz, enquanto as pegadas mostram todo mundo indo embora, como se o certo fosse estar sempre produzindo. É uma reflexão sobre essa cobrança.

Você falou sobre essa cobrança e tem a questão também sobre o ego do artista. Como foi sair da zona confortável da guitarra e focar mais na composição e produção?

Eu nunca me considerei um guitar hero. Pra mim, a composição sempre foi mais importante. É claro que ganhar prêmios é legal, mas meu objetivo sempre foi ouvir as pessoas dizerem que as músicas são boas. Desde os 15 anos eu já tocava música autoral, e isso sempre foi o que me movia.

Alguns podem pensar que é um disco de guitarra, mas eu gostaria que escutassem para perceber esse outro lado. Eu gosto do desafio. Nesse disco gravei quase todos os instrumentos, menos a bateria. É sempre uma evolução pessoal, quase uma terapia.

Seus trabalhos mais famosos foram com Shaman, Viper e André Matos e são bem diferentes. O que dessas bandas reverbera agora na sua carreira solo?

É muito diferente do que eu fazia nas outras bandas. Não tem como soar igual, e eu também não quis. Se fosse para fazer algo parecido com Shaman, André ou Viper, não teria sentido. O trabalho solo é para ser diferente.

Mas como sou eu escrevendo, alguma coisa acaba aparecendo. Escrevi muita coisa no Shaman e na carreira solo do André. Já ouvi gente dizer que certa linha de voz poderia ser cantada pelo André, por exemplo. Pode ser inconsciente, porque essas pessoas me influenciaram muito.

A histórica Gibson Flying V

Falando da sua carreira, não dá pra fugir da pergunta: qual a sua história com a Flying V?

Essa é legal. A segunda guitarra que tive na vida foi uma Flying V. Na época era muito difícil ter instrumentos importados no Brasil. Gravei o primeiro disco do Shaman com uma Gibson do produtor, Sasha, mas logo depois um amigo me ligou de uma loja em São Paulo e disse que tinha uma Flying V com ótimo preço. Testei e comprei.

Foi a guitarra que usei na fase de maior sucesso do Shaman, então ficou marcada. Tenho ela até hoje, está comigo há mais de 25 anos.

Qual foi a turnê mais marcante da sua carreira?

Algumas foram muito marcantes. O Rock in Rio, claro, e a abertura para o Iron Maiden em 2004, num estádio lotado. O empresário deles entrou no camarim depois e disse nunca ter visto a plateia reagir assim a uma banda de abertura do Iron. Foi especial.

A primeira turnê fora do Brasil também foi marcante. Você não conhece nada, não conhece o público, é uma experiência única.

E você chegou a conhecer os bastidores do Iron Maiden ou de outros ídolos?

Nesse show vimos o Nicko e o Adrian Smith assistindo, mas não cheguei a encontrá-los. Já tive contato com outros artistas incríveis, como o Glenn Tipton, do Judas Priest, e o Rob Halford, com quem passamos uma tarde em Paris. Sempre foram muito solícitos, humildes e legais. Só tenho boas lembranças desses encontros.