MATHEUS DEGÁSPERI OJEA
O sol ainda estava terminando de se pôr quando o Kraftwerk subiu no palco montado no jardim do Palácio Real de Bruxelas no último dia 14 de agosto, por volta de umas 21h. Um de cada vez, a começar pelo líder e membro fundador Ralf Hütter, os quatro integrantes da entidade alemã pioneira da música eletrônica entraram já ao som da introdução de Numbers, que foi acompanhada por projeções nos telões que seguiam a contagem de 1 até 8 feita no começo da música.
Do meu lado na pista, provavelmente o maior fã de Kraftwerk da Bélgica contava junto em alemão, em êxtase por acompanhar mais um show da banda, o quarto que veria na vida. Pouco antes, ele conversava animadamente com qualquer pessoa em volta, exaltando os louros do grupo que redefiniu os rumos da música pop. Parecia estar acompanhado de dois outros caras que trocavam ideia com ele em inglês pela maior parte do tempo. “A gente acabou de conhecer ele”, eles explicaram depois, entre risadas.
No meu caso, é a primeira vez vendo a banda, apesar das suas passagens até que frequentes pelo Brasil – a última no primeiro C6 Fest, em 2023 – e também é o meu primeiro dia na cidade, após ter pego um expresso trans-europeu (rsrs) direto de Amsterdam, onde estava antes (conto mais sobre isso no primeiro dessa série de textos (https://blognroll.com.br/resenha-de-shows/de-ferias-na-europa-gibby-haynes-toca-butthole-surfers-com-adolescentes-em-uma-igreja/)).
“O show é bom?” Eu pergunto e o cara me olha como se eu tivesse feito a pergunta mais imbecil da face da Terra. “Claro que o show é bom, é o Kraftwerk!” (Ele pronuncia o nome do jeito foneticamente correto, algo como ‘crrraftvârk’).
E apesar desse cara ter jogado pro espaço as expectativas de todo mundo em volta, superando as barreiras da língua até entre os nativos – a mulher do meu lado falava francês, os dois caras que eu citei antes, holandês – com nada além do seu puro amor pelo crraftvârk, ninguém saiu desapontado no final. Foram duas horas de uma apresentação irretocável, em alto e bom som, que passeou pela carreira do grupo entre pouquíssimas palavras, que são desnecessárias, uma vez que é o Kraftwerk.
UM SHOW EM UM PALÁCIO BELGA
No ano da graça de 2025, os palácios reais deveriam servir apenas como atração turística pras pessoas botarem a mão no coração e pensarem se valia a pena mesmo sustentar aquele pessoal ali (não valia). No caso da Bélgica, apesar de eles terem encontrado outro uso pro local, o país segue sendo uma monarquia constitucional. Desde 2013, o Rei dos Belgas é Filipe I, o que é surpreendente quando você pensa que, até então, nunca tinha tido um Filipe no trono, um dos nomes mais básicos de monarca do mundo.
Apesar do obstáculo de ter um rei, os promotores belgas não se acanham com isso e realizam uma série de eventos batizada de Royal Palace Open Air no jardim do lugar, que já teve até show do Neil Young neste mesmo ano. O palácio é a residência oficial do monarca, mas ele passa a maior parte do tempo em um castelo em outro lugar, o que impede que Filipe I reclame do barulho do show tal qual um morador do bairro do Morumbi.
A estrutura montada para o evento foi muito boa tanto em organização, com banheiros e bares em boa quantidade, quanto no quesito do som. Mesmo recebendo alguns milhares de pessoas, a pista estava bem confortável, inclusive perto da grade, que também não era tão difícil de chegar, não tendo divisão de pista premium.
A paisagem também roubava a cena. Não é todo dia que se tem o Kraftwerk tocando do lado de um prédio histórico e de frente pro pôr do sol, apesar de que eu tenho certeza que a Praça Mauá, em frente ao Paço Municipal de Santos, também está pronta pra receber esse evento.
KRAFTWERK EM 2025
Os quatro integrantes do Kraftwerk hoje em dia são Ralf Hütter, Henning Schmitz, Falk Grieffenhagen e Georg Bongartz, sendo que Hütter é o único que esteve presente em todas as várias formações do grupo. A ausência mais sentida pelos fãs não poderia deixar de ser Florian Schneider, falecido em 2020. Atrás de suas mesas, no entanto, os músicos formam uma das imagens mais icônicas da história da música, inconfundível, do tipo de banda que é maior do que as suas partes individuais ou do que quem está no palco.
Afinal, não é qualquer um que consegue emendar músicas do calibre de Authoban, Computer Love e The Model uma seguida da outra, ainda pela metade do show. Também não é qualquer um que toca por duas horas sem um ponto baixo ou um momento em que a coisa esfrie, sem ter que apelar pra nenhum tipo de firula além da música e as projeções nos telões.
O aspecto visual do show dos caras é muito exaltado desde sempre e continua fazendo jus à reputação. Os alemães usam todo o espaço do palco para projetar imagens, dando a impressão de se apresentarem dentro de um telão. As projeções compõem a viagem pela discografia que sempre apresentou conceitos visuais quase tão fortes quanto a música.
QUEM SÃO OS ROBÔS?
Ao som de Musique Non Stop, os quatro ‘robôs’ saíram do palco como entraram, um de cada vez, deixando Ralf Hütter por último para terminar o set sozinho e ovacionado por todos os presentes. Ainda sobrou tempo para um bis, com a incontornável We Are Robots, música que ganha novos contornos na era da inteligência artificial, bem como grande parte da obra do grupo.
Hoje a gente tem a tal da música de robô, só que ela é bem ruim e nem se compara com gente de verdade fingindo ser robô. O show do Kraftwerk em 2025 escancara esse paradoxo. Por mais que a apresentação busque ser impessoal e que a estética do grupo mire na máquina, isso nos diz mais sobre a criatividade humana de imaginar cenários e possibilidades do que qualquer outra coisa e, nesse sentido, o Kraftwerk é profundamente humano.
Prova disso é o cara belga exclamando os nomes das canções no começo de cada uma com a empolgação de uma criança, compartilhando provavelmente o melhor dia que ele teve no ano com quem mais quisesse ouvir.
Setlist – Kraftwerk – Place des Palais (Paleizenplein) – Bruxelas (14/08/2025)
Numbers / Computer World / Computer World 2
Home Computer / It’s More Fun to Compute
Spacelab
Airwaves
Tango
The Man-Machine
Electric Café
Autobahn
Computer Love
The Model
Neon Lights
Geiger Counter
Radioactivity
Tour de France / Tour de France Étape 3 / Chrono / Tour de France Étape 2
La Forme
Trans-Europe Express / Metal on Metal / Abzug
Mini Calculateur
Planet of Visions
Boing Boom Tschak / Musique Non Stop
Bis:
The Robots