Liderada por Andre Frateschi, atual vocalista de turnê da Legião Urbana, o Undo chega ao álbum de estreia movida por uma mistura de inquietação e maturidade artística. Formado por músicos profundamente ligados ao rock nacional, o quinteto abraça uma estética que recupera a força do post-punk e da new wave dos anos 80 sem abrir mão de um olhar contemporâneo. O resultado é um trabalho que assume identidade própria ao unir atmosferas sombrias, melodias marcantes e letras que exploram os conflitos e as reconstruções possíveis do dia a dia.
Fazem parte da banda também Rafael Mimi e Johnny Monster nas guitarras, Rafael Garga na bateria e Dudinha Lima no baixo e na produção.
Para quem ainda não conhece o Undo, a banda vai agradar em cheio fãs de bandas como Joy Division e The Cure, bem como uma nova geração que busca por sons radiofônicos de rock alternativo.
O disco, autointitulado, apresenta um conjunto de faixas que reforça a versatilidade da banda, indo do lirismo elétrico de “Músculo Novo do Medo” às frenéticas camadas de “Kill Billy”, parceria com Dado Villa-Lobos. Entre singles já conhecidos e composições inéditas, o álbum revela uma banda segura de suas referências e, ao mesmo tempo, determinada a propor novos caminhos dentro do rock brasileiro.
Agora, no lançamento desse trabalho que consolida a formação e o conceito do Undo, a banda conversou com o Blog N’Roll sobre criação, influências e o processo de dar forma a esse universo sonoro.
A sonoridade de vocês tem ligação com os anos 80, mas com um olhar atual, principalmente do cenário indie americano e inglês. Que referências vocês buscaram para equilibrar essa essência dos anos 80 com elementos mais novos?
André – Acho que nada foi buscado de forma deliberada. As referências estão ali porque fazem parte da nossa origem, mas, ao mesmo tempo, somos muito inquietos e estamos sempre olhando para o que está sendo produzido hoje no mundo. Não sentamos nas referências antigas achando que já basta. Se fosse assim, não estaríamos fazendo uma banda agora. A vontade é experimentar coisas diferentes e chamar atenção para o que achamos importante: a canção e as letras, que parecem estar um pouco diluídas.
Muita gente produz coisas interessantes, mas no mainstream as letras e melodias perderam importância, e pra gente isso é essencial. A banda nasce dessa vontade de fazer música relevante, que comunique com mais pessoas, não apenas com uma bolha indie. Se vamos conseguir, não sei, mas é sincero. Queremos uma música que comunique e que traga de volta a força para canção e letra.
Sobre o nome da banda: no primeiro momento a gente lembra de algo ligado a recomeçar, desfazer, até mesmo o atalho Ctrl+Z do teclado. Como o nome surgiu e como vocês bateram o martelo?
André – Isso aconteceu no primeiro dia em que nos juntamos. Eu convidei o Oscar e o Johnny, estávamos na casa do Flávio, nosso produtor. O Mimi também estava. Falamos sobre montar a banda e começar a pensar em nomes. Três minutos depois me veio “Undo”. E pensei: Undo também é como um mundo faltando um pedaço, o M já caiu, já está lá embaixo na ribanceira, sobrou só o M. O nome bateu em todo mundo de primeira, o que é raro. Todo mundo falou “é isso”. Hoje gostamos de falar abrasileirado, para facilitar o entendimento e para reforçar essa imagem do mundo despedaçado. E assim viramos Undo.
Mimi – A outra opção era Arquitetos da Indonésia. Brincadeira (risos), não tinha nome nenhum.
No álbum já era esperada uma participação do Dado, que é seu parceiro, André, nos últimos anos. Também tem o Leoni. Como foram os bastidores das gravações com eles? Eles trouxeram ideias, chegaram com algo pronto?
Johnny – Foi bem natural. O Dado já tinha relação com o André. Ele não esteve no estúdio com a gente, gravou no próprio estúdio e mandou. O riff que ele apresentou era muito bom, é o da música “Kill Billy”. Mantivemos o riff, mas repaginamos a música para a nossa cara. Ele adorou o resultado e já tocou com a gente algumas vezes.
O Leoni foi mais íntimo, porque temos um projeto chamado Hospitais, com apresentações em hospitais. Ele conheceu a banda, adorou e fez uma letra com o André, além da música do Mimi. Lembro de um dos dias mais bonitos da banda, na casa dele, quando mostrou o que preparou para “Aprender a Perder”. Ficamos emocionados. Ele é um gigante da composição pop brasileira, então são participações de muito peso.
O Leoni brinca que “se convidou”, que ninguém chamou. Quando fazíamos o trabalho nos hospitais, falávamos da banda e ele dizia “me manda, quero fazer algo com vocês”. Achei que ele estava falando só por falar, mas ele sempre foi presente e importante. Foi o primeiro a dar um selo dizendo “o trabalho de vocês é bom, sigam nisso”. Para nós, ele é muito querido.
A banda é formada por músicos experientes, cada um com sua bagagem. Como foi o processo criativo? Foi natural ou teve disputa de direcionamento?
Mimi – Foi super tranquilo, sem briga nenhuma. Começamos com um núcleo menor e as coisas fluíam naturalmente, sem foco rígido de “vamos pra cá”. Tinha ideias minhas, do Johnny, o André trouxe várias letras, e formamos aquele primeiro núcleo.
Depois chegou o Dudinha para produzir, com ouvidos frescos, e deu um novo ar ao material. Depois veio o Garga também com ideias. Tudo muito respeitoso. Fazer música é confiar no outro e deixar que ele coloque suas referências.
A música nacional sempre teve grandes movimentos, temos o rock de Brasília, a mistura dos anos 90, depois o emo nos anos 2000. Hoje há uma cena indie forte que tem sonoridade semelhante à de vocês, que remete a um post punk e anos 80. Como enxergam essa galera nova trazendo esse som e como vocês se encaixam num futuro próximo de shows?
Johnny – Não sei se nos encaixamos exatamente nessa cena, até pela nossa bagagem, trajetória e talvez idade. Não sei se as referências são as mesmas. Existem bandas indies muito boas e com muito público, como Sofia Chablau. Mas, tenho minhas dúvidas sobre estarmos nessa cena. Não sei se vão gostar da gente.
Buscamos um rock popular. Vivemos de música. Hoje tudo é muito nichado: punk, indie, gótico, emo… Sinceramente não sei onde nos encaixamos.
Dudinha – Acho que nos encaixamos onde nossa música faz sentido pra gente, dentro do nosso universo individual. Os anos 80 tinham uma poesia mais profunda, temas mais densos da vida urbana e da metrópole. Tentamos fazer algo que faça sentido pra nós e esperamos que quem gosta de letras mais profundas sinta o mesmo.
André – Nos anos 80 vivíamos sob a sombra nuclear. Isso dava pano de fundo pra muita coisa. Depois veio um período de hedonismo extremo, que parece ter se esgotado. Agora vivemos crise climática, depressão das telas, avanço do fascismo. O rock precisa disso de novo. É nesse lugar que nos encaixamos: onde as pessoas precisam de outro tipo de expressão artística.
Johnny – Às vezes o público do indie pode gostar disso que o André falou. Sinto falta do rock ser popular novamente. As músicas têm profundidade, mas também são emocionantes. Não queremos fazer algo cotidiano e bobo. Queremos algo grande.
André – Se não fosse isso, não teríamos feito uma banda. O resto todo mundo já fez. Agora nos interessa tentar algo que tenha alcance, mesmo sendo megalomaníaco.
Agora sobre divulgação do disco: vocês pegaram uma época em que existia um norte claro: rádio, TV, MTV. Hoje está tudo pulverizado. Como encaram esse desafio de divulgar um novo projeto?
Johnny – É para os fortes. Tem que saber apanhar muito. Na época da MTV tinha Sandy & Junior tocando com Cachorro Grande nos especiais de fim de ano. Existiam vários programas de música. Hoje não pode ter “queixo de vidro”.
Dudinha – Também tinham gravadoras investindo. Hoje existe a democracia do digital, mas junto com isso vem a necessidade de investir, fazer acontecer, fazer circular. É um quebra-cabeça diário.
André – Viramos todos influencers. Aprendemos a fazer tudo isso: capcut e o diabo. A gente entuba e vai. Dinheiro não temos, mas somos teimosos.
Como foi a recepção no show de sábado (08.11), no Vibra, abrindo para o Billy Idol?
Nota da redação: O Undo tocou no espaço de fora do evento na recepção do público, como é característico nos shows do Vibra.
Dudinha – Foi um dos shows mais legais que fizemos. Já temos uma turminha que cola sempre. Rolou uma frente de palco excelente, gente cantando, gente nova que não conhecia e veio falar depois que curtiu. Deu confiança.
André – É aquele palquinho sem luz, sem nada, todo mundo passando. Performance e música precisam segurar. E seguraram. Acho que temos algo muito legal nas mãos, apesar de todo dia precisar respirar fundo e tomar um omeprazol [risos].
Não fui ao Vibra pois estava no show do Linkin Park no Morumbis. E eram 70 mil pessoas cantando rock e celebrando a nova formação, com a nova vocalista. E quando eu posto vídeos, os haters saem de tudo quanto é lado. Sei que quando o André celebra a história da Legião, surgem também esses comentários. Como é lidar com esse outro lado do showbusiness, do hate?
André – Você usa filtro de palavras-chave: “Cuba”, “cantorzinho”, “se acha”. Quem passar do filtro, você responde mal educado, exclui e bloqueia. A pessoa fica com sua resposta, mas nunca mais chega até você (risos). Eu não ligo. Tenho muita coisa pra fazer: duas filhas, banda nova. Não posso perder tempo com energia ruim. Se você não gosta, tudo bem. Mas não tem direito de me insultar. Vai cuidar da sua vida. Sei da verdade e do amor que coloco no que faço.
Mimi – Se tem hate, é porque está incomodando. É porque está dando certo.