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Esquenta para o show do David Gilmour em SP: A paixão aventureira de um coronel da PM

SERGIO DEL BEL JUNIOR***

Sou dinossauro. Daqui um tempo, vou pegar busão sem pagar, terei vaga assegurada no shopping e passarei na frente de todo mundo na hora da fila. Isso se o pessoal respeitar a sinalização e a nós, os velhos. Mesmo assim, peço permissão para entrar nesse blog, que é puro rock and roll. Vou deixar de lado alguns preconceitos e peço que você faça o mesmo.

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Acho que tive o privilégio de ouvir os Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple e Hendrix, em “tempo real”. Claro, ainda não tinha net, mp3, celular, nada disso, mas ouvi esses caras na época que aconteciam.

Quem ia para Europa ou América, recebia duas encomendas: trazer disco (isso mesmo, disco) e calça Lee. Quando a encomenda chegava, a gente logo tratava de colocar as músicas em rede, ou seja, gravava fita cassete e espalhava para a turma. A partir daí, era ficar extasiado com os riffs demolidores do Page, a bateria alucinada do Bonham e o vocal do Plant.

Enquanto isso, o Deep Purple via fumaça sobre a água e os Stones não conseguiam ter satisfação. O Ozzy comia morcego, a tia Alice Cooper se enrolava nas cobras e o The Who quebrava tudo no palco. Era isso que a gente queria, esses caras eram monstros sagrados inacessíveis…ainda não tinha nem revista, nem fotos, nem clipes, mas nós os cultuávamos mesmo assim.

Em seguida foram surgindo outras bandas (para mim, conjuntos) que não quebravam nada, não usavam bichos no palco, mas começavam a encher estádios com outros apelos; show de luzes, vídeos toscos projetados na parede do fundo, letras lisérgicas e capas dos LPs que eram obras de arte.

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Num dia, eu estava de passageiro num fusca verde e a motorista colocou no toca-fitas TKR um som diferente de todos os outros; a voz do cara soava como uma taça de cristal em ressonância, o teclado construía catedrais no ar, o baixista era furioso e colocava suas cordas em primeiro plano, pontuando uma bateria super honesta. A guitarra despejava notas precisas, mas o som era diferente. Era o som do Yes. Fiquei louco! Os caras eram virtuose pura e a música não acabava nunca. Mudavam os compassos, não repetiam o refrão, iam do céu ao inferno várias vezes na mesma faixa. Passei a ser um mono-ouvinte de rock.

Adorei o tal rock progressivo. Tentei, sem sucesso, copiar aquele lindo logo do Yes por inúmeras vezes. Em termos de música, meu mundo acabava por aí, não precisava de mais nada. Melodia, letra, harmonia vocal, capas dos discos, som leve, som pesado, eles tinham tudo isso.

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Quarto inteiro dedicado ao Pink Floyd

 

Esse amor foi eterno enquanto durou, ou melhor, enquanto não fui à Mesbla (loja de departamento que marcou época no Brasil) e comprei um disco que todo mundo queria. Capa toda preta, prisma com luz em decomposição, parte interna com as letras (que eu não entendia). Lembro até do cheiro da tinta.

Ponho na vitrola Grunding e começo a ouvir. O que era aquilo? Uma música emendada na outra, vozes se sobrepondo ao “cantor”, guitarra hipnótica, longos espaços entre as frases. Foi uma porrada! Adeus Yes, Zeppelin, Hendrix e Purple!

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Comecei a achar até que o Plant gritava um pouco demais (claro que não é isso) e os Stones estavam ficando, digamos, repetitivos.

Juro que é verdade! Entrei no inglês, só para aprender o que os caras cantavam e não parei por aí. Garimpando, consegui os discos anteriores e passei a ser um fiel praticante do Pink Floyd. Hoje tenho a discografia completa.

Desde então, jamais os traí. Se eu pudesse apagar meu passado musical errante eu o faria. Como pude ouvir outros sons e letras que não fossem as deles? Deixo claro que os quatro fantásticos para mim tem nome: Nick Mason, Richard Wright, Roger Waters (que acho um gênio das letras, mas chamo de Yoko) e DAVID GILMOUR.

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Quadro autografado por Roger Waters durante a turnê The Wall no Brasil

 

Já adulto e trabalhando, passei a alimentar o sonho dos sonhos: assistir a um show do Pink Floyd. Mesmo sabendo que isso jamais iria acontecer, eu me dava o direito de acender velas e esperar pelo milagre.

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Com a chegada da internet, diariamente garimpava qualquer notícia que pudesse dar alguma pista. Teve a turnê Pulse (sem o Yoko Waters) mas eu não tinha a menor grana.

Continuei fiel aos meus princípios até que The Wall ia estar no Morumbi, com o show totalmente repaginado. Era a minha chance de conhecer 25% do Pink Floyd e conhecer o pai do Dark Side of the Moon.

Assistir ao show, é fácil, qualquer um pode. Eu queria conversar com o Roger Waters, queria que ele soubesse que existo, queria dar a mão para ele e, claro tirar foto ao lado do cara (não é selfie), é fotografia, retrato. Resumindo, consegui “trabalhar” como “segurança” no show, credencial triplo A, acesso até a porta do camarim.

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Parecia criança na Disney, cachorro em churrasco e sei lá o que mais. Vi tudo: passagem de som, setlist (está comigo) o avião que explode no palco, o pessoal inflando o porco e o professor malvado.
No intervalo do show, ele recebeu veteranos de guerra no backstage e, é lógico, eu me infiltrei. Afinal, segurança em primeiro lugar.

Quando ele entrou na sala, comecei a chorar sem parar e, tudo que eu tinha ensaiado para falar para ele foi para o lado escuro da lua. Ele pegou uma foto dele e perguntou o meu nome e antes que eu respondesse, ele pediu para eu parar de chorar. Parei e ganhei o retrato autografado.

Nesse dia falei para todo mundo que era amigo do Rog, sim, Rog, agora éramos amigos, conversamos e tiramos fotos juntos, ele até sabia meu nome. Qualquer dia apareço lá para tomar um chá com ele e lembrar dos velhos tempos, ou ele vem pra cá ver o quarto que montei como um memorial do Pink Floyd.

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Del Bel em momento emocionante com Roger Waters, em São Paulo

Agora vem cá, você pensa que acabou por aí? Claro que não! Resta eu ver e ouvir um velho de 69 anos, voz rouca e poderosa, barrigudo e com a barba branca (não, não é Papai Noel). Esse cara toca uma Fender toda preta (a tal lendária Black Strat) e simplesmente hipnotiza milhões de súditos.

Desde que me aprofundei na ciência Pink Floyd, criei uma identidade absurda, incondicional, maluca e obsessiva pelo DAVID GILMOUR. Nada nem ninguém exprime o que penso e sinto sobre música como ele.

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Del Bel coleciona artigos raros do Pink Floyd

 

Parece que os dedos dele tem aura e comandam as seis cordas sem tocá-las. Ninguém usa um delay ou um fuzz como ele. O som que sai dali me arrepia só de escrever isso. Jamais conseguirei passar para o texto o que esse velho passa pra mim. Você não acreditaria o que já fiz para vê-lo. E vi. E ouvi.

Foi agora em setembro, numa arena romana em Verona. Lugar indescritível, mas não tava nem aí para isso. Eu queria mesmo era ver se ele existia ou era lenda. Na enorme praça em volta da arena tinha gente de todo o mundo e idade, todos se falando, se abraçando à espera da abertura do altar, digo, local do show.
Camisetas do Pink Floyd e do David Gilmour eram usadas por famílias inteiras, mas dessa vez eu fui de camiseta preta básica e calça jeans escura, sabe por quê? Porque é assim que ele se apresenta sempre. Eu queria causar empatia caso ele me visse entre 25 mil súditos ali presentes.

Começou o show com tudo apagado, mas é lógico que senti quando ele pisou no palco. A partir daí, não me responsabilizei mais com a minha saúde. Chorei, lembrei da Mesbla e de toda a peregrinação financeira para estar lá.

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Achei que quando ouvisse Comfortably Numb ou High Hopes precisaria de uma maca, mas para minha surpresa, ele foi um pouco mais para a esquerda do palco, pisou no pedal, inclinou a cabeça olhando para o chão e despejou Sorrow nas caixas e fez tudo tremer, literalmente.Precisei de cuidados intensivos para me recuperar, achei que estava vendo a luz e que não voltaria nunca mais.

Olhei para o pessoal perto de mim e vi alguns com a boca aberta, olhando para um ponto no infinito; uma grávida italiana chorava no ombro do marido. Com sinceridade, acho que naquele momento não cabiam nem aplausos, para não estragar aquele nirvana (prefiro Pearl Jam) coletivo. Êxtase total. Como ele faz isso?

Volto ao meu corpo e saio do culto, ou melhor, saio do show e alguém me manda um torpedo. E aí, como foi? Respondo: Não quero falar nada, sob pena de algo se esvaziar…estou confortavelmente anestesiado. Até hoje não consigo conversar muito sobre isso porque não quero, é tudo meu.

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Agora resta uma última missão. É a mãe de todas as missões! Será uma batalha. Eu contra o Reino Unido. Não vai restar pedra sobre guitarra. É tudo ou tudo. Você já deve saber que ele estará entre nós em breve. Não divulgue, pois não quero muita gente por lá. Fica entre nós. Questão de “segurança”, entende? Desde setembro, já estou disparando telefonemas e e-mails, porque assistir ao show é fácil, qualquer um pode…

P.S. Ao entrar no ônibus, dê o seu assento para os mais velhos. Quem sabe se nesse dia não vai entrar um velho barrigudo, de barba com 69 anos e com voz rouca….ele existe e é uma lenda…

***Sérgio Del Bel Júnior é coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo e secretário de Segurança de Santos 

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8 Comments

8 Comments

  1. antonio barbosa

    7 de dezembro de 2015 at 22:10

    Aqui vai meus parabéns pela grande história e pelo sucesso na carreira , meu filho hoje tem 23 anos e é um ótimo guitarrista e estará neste show na turma do gargarejo kkkk , neste eu não vou , mas quando perdi a primeira apresentação do Roger Waters, meu mundo desabou , mas acho hoje mais importante pra meu filho ver uma das maiores lendas da guitarra como uma lição de vida e ideologia pra dar e vender, amo os caras de paixão e passei pros meus filhos e tenho muito orgulho disso , meu pai também foi militar por 26 anos já falecido e gostei muito de saber que também é roqueiro e tem um ótimo gosto musical…abração e vida longa

  2. Claudia Foschini

    8 de dezembro de 2015 at 15:14

    Oi Serginho..!!!!!
    Saudades de vc!
    Adorei seu texto,e nao sabia q vc era roqueiro fanático e de bom gosto….
    Bjs mil!
    Parabéns pela matèria..
    A autenticidade de vcs està no DNA…rs

  3. Caio Abreu

    8 de dezembro de 2015 at 15:34

    Sergio, posso ter uma idéia, o que é isso alcançar este momento. Por isso cada segundo é uma eternidade.E nós que já assumimos a janelinha, temos é que olhar cada vez mais para fora e curtir o que temos dentro de nós.Eu continuo fazendo quase todos os dias, ir ouvir no fone de ouvido no sofá até dormir com o ROCK, meu parceiro de horas e horas infinitas, neste mundo.
    Não saberia viver sem elas,ainda bem que existem todos estes caras que vc mencionou, pois a coletânea aqui dentro presente,é inexplicável, como está ocorrendo com vc. Curta muito meu amigo………

  4. Sergio Del Bel Jr

    8 de dezembro de 2015 at 16:13

    Pessoal,muito obrigado!
    É muito bom compartilhar essa adoração…
    Acho que musica,seja qual for,é essencial para vivermos melhor.
    Abraços
    Sérgio

  5. Sergio Mateu

    8 de dezembro de 2015 at 18:16

    Grande Sergio, que bela narração, quanta emoção, é isso mesmo, conseguir que os sonhos tornam-se realidade, ótimo show, até mais, abraços.

  6. Sonnia Mateu e João Lopes de Abreu

    11 de dezembro de 2015 at 09:50

    Querido Sergio, uau, que emoção. Você nos fez sentir na pele e no coração todo o sentimento que passou para esse belo texto. Continue sua busca e sua peregrinação, temos certeza que terá sempre sucesso! Especialmente tendo ao lado esse guerreira que é a Rosa! Um abração para vocês dois!!! Muitos shows maravilhosos, muitos autógrafos, muitos choros de alegria!!!

  7. Mauricio

    19 de fevereiro de 2016 at 00:36

    Belo post,estive no Roger nas três turnês aqui no Brasil,fui no Gilmour dia 11 e 12 e realmente,tbm não consigo falar muito sobre o show…surreal

  8. Julio Themes Neto

    29 de março de 2019 at 23:19

    Expressivo e emocionado texto, ótima narrativa, parabéns, Sérgio!!!

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