CAIO FELIPE
O que chamamos de underground possui seus gênios, alguns mais fáceis de entender e lidar, outros nem tanto. Alguns são tão claros como a luz do dia, outros vivem em sua própria escuridão.
Daniel Johnston e seu “frog” ficaram conhecidos na década de 1990, muito ou praticamente devido ao seu fã Kurt Cobain, que ganhou uma fita e camiseta sua do jornalista inglês Everett True. É impressionante o que uma camiseta poderia fazer anos atrás, o quanto despertava de curiosidade nas pessoas para buscarem saber quem era na camiseta e qual a conexão daquilo com quem a vestia.
Songs of Pain foi sua primeira fita lançada em 1980
Filho prodígio de uma grande família religiosa, compunha músicas e gravava filmes caseiros desde novo. Seu processo de gravação era gravar tudo em casa, no violão, piano, órgão. Sozinho ele desenhava as capas e copiava fita por fita e entregava para as pessoas, tendo vezes na qual ele perdia a fita master e gravava todas as músicas novamente. Em 1985 chegou a aparecer na MTV num especial que ela fez num festival no Texas. Ele já era um artista conhecido localmente e quando não estava gravando ou se apresentando, passava o resto do dia em seu trabalho, no McDonald’s.
Em 1985 em sua primeira exposição na TV, no MTV – The Cutting Edge
Foi com Yip/Jump Music que Daniel ficou mais conhecido na comunidade alternativa
Em 1987, Daniel ficou praticamente boa parte do ano na cama devido a sua condição psicológica. Nesse período seu amigo e empresário acabou entrando em contato com Jad Fair, do Half Japonese, e ficou amigo do baterista do Sonic Youth, Steve Shelley que mostrou as musicas de Daniel para muitas pessoas e o trouxe para gravar pela primeira vez num estúdio em Nova Iorque.
Nesse período Daniel conheceu todo o Sonic Youth, Half Japonese e vários músicos de Nova Iorque que admirava como o baterista do The Velvet Underground, Moe Tucker. Esse período na cidade durou até ele ter um surto, sumir pelas ruas por dias e ter sido resgatado pelo pessoal do Sonic Youth que o mandou de volta a seu empresário e família.
De seu disco 1990, gravado durante seu período em Nova Iorque
Nesse período ele gravou também o álbum It’s Spooky com Jad Fair do Half Japonese
Depois de ser “descoberto” pela mídia e ter ganho muitos fãs nos anos 1990, chegou a recusar um belo contrato com a Elektra Records por ela possuir em seu selo o Metallica e ele acreditar que a banda era satânica e que iria matá-lo.
FUN foi o único que saiu por uma major (Atlantic Records)
O filme Kids (bem conhecido no Brasil) possui duas músicas de Daniel em sua trilha sonora, ambas produzidas por Lou Barlow (Dinosaur Jr, Sebadoh).
Mais de 150 artistas já gravaram Daniel Johnston, entre eles nomes como Tom Waits, Beck, The Flaming Lips, Teenage Fanclub e possui também fãs como Matt Groening (criador do Simpsons). Você pode conferir as homenagens na compilação tributo que saiu em 2004: The Late Great Daniel Johnston: Discovered Covered.
Tom Waits e sua versão para King Kong
Em 2006 saiu o ótimo documentário The Devil and Daniel Johnston, que conta sobre sua vida, arte, loucura e música com imagens inéditas e pessoais, entrevistas com quem trabalhou com ele, amigos e seus pais. O doc ganhou um prêmio de direção no Sundance Film Festival e vale a pena assistir e mergulhar um pouco em seu mundo.
Trailer de The Devil and Daniel Johnston
Obcecado por demônios, sua vida foi marcada por altos e (muitos) baixos, infelizmente diagnosticado com transtorno bipolar e esquizofrenia, sua condição piorou depois de tomar ácido num show do Butthole Surfers nos anos 1980, o que lhe gerou vários surtos psicóticos e internações em hospitais psiquiátricos por boa parte da vida.
Uma vez caminhando pela rua uma mulher ficou tão assustada com ele que chegou a pular da janela da própria casa, além do episódio que quase morreu junto com seu pai num acidente de avião (seu pai é piloto) provocado por ele mesmo.
Mas o que sempre lhe motivou foi o amor. Muito influenciado por The Beatles, seus demônios e seu grande amor não correspondido Laurie Allen.
Muitos artistas possuem várias camadas, o que conhecemos de sua arte é um pouco do que existe mais profundamente e do que ele conscientemente ou inconscientemente coloca para fora. Muitas dessas camadas são criadas para você se proteger do mundo de fora ou até do ridículo. Daniel Johnston é arte em carne viva, ele não possui camadas, ele é sua própria arte andando por ai. Poderia ser apenas uma espécie de Bob Dylan ou Brian Wilson, mas ele é Daniel Johnston.