JOSÉ LUIZ ARAÚJO
Incrédulo, liguei cedo, como o combinado com a assessoria. Artista acordado a essa hora? Bruno Gouveia atendeu com voz desperta e confessei a surpresa. “Estou acordado desde as 5 h. Tenho uma filha de 2 anos”, justifica. Pensei: ‘existe roqueiro babysitter?’.
Aliás, revela, a menina é um dos motivos de se manter ativo, uma vez que os anos passam e, aos 50, é preciso se cuidar para manter a vitalidade na educação e no palco. Os shows da banda Biquini Cavadão, avisa, são de pura adrenalina. A mil!
“Não fumo, me alimento bem, quase não bebo. Faço exercícios de alongamento e de fortalecimento muscular com uma profissional. Levo minha filha na escola de bicicleta. É o meu babyfitness. Academia? Não gosto. Malho no palco”.
Oportunidade para conferir essa queima de calorias e o suadouro nesta sexta-feira (12), às 22h, na Capital Disco, em Santos. A banda traz a turnê nacional com faixas do álbum lançado neste ano, As Voltas que o Mundo Dá, e músicas do CD e DVD Me Leve sem Destino, dos 30 anos de estrada.
Criada em 1985, a Biquini Cavadão tem mantido um público cativo. Está na terceira geração. “Pais com netos. Nosso público representa 60% de quem tem de 25 a 35. E é médio entre os de 40 para cima”.
Para o vocalista, a banda agregou a transferência de gosto dos pais aos filhos e destes aos seus rebentos, e soube se renovar. Lá atrás, embalou os jovens com Tédio, Timidez, Vento Ventania e Zé Ninguém, e o faz com as faixas de As Voltas que o Mundo Dá. Letras com críticas sociais e confissões pessoais. Gente comum.
Então, se a maior parcela é de jovens, está garantida a longevidade da banda? “Sim, nesse contexto. Não, se a gente não mantiver a pegada e sempre apresentar coisas novas”.
Novo álbum
Lançar mídia física no século 21? “Não sei se o CD vai acabar. A tiragem é bem menor, mas representa um nicho para o colecionador. Gente que gosta de ver as letras, a arte. Do palpável. É como comprar camisa com o logotipo da banda. Nos EUA voltaram a fabricação de aparelhos de fita cassete”.
Nestes mais de 30 anos de estrada, Bruno diz que a banda percorreu o Brasil afora. “Mais de 700 cidades em shows. O público é variado, porque depende do lugar, costume e evento. Um show normal é diferente de um inserido em festival com outras bandas”.
Com algumas músicas recheadas de conteúdo sociopolítico, o vocalista diz que quase nada mudou na hora de compor. Antigos bons valores são e serão preservados.
Morador do Rio de Janeiro, Bruno é atento às questões da cidade. “É complicado viver. A geografia facilita a criação de bolsões, nos quais o Estado é inoperante. Graças a Deus, não entrei nas estatísticas. Mas não descuido. Se prestar atenção e sair nos horários certos, não é violento”.
Crítico, o vocalista não esconde a revolta. “As obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas mostraram um Rio fake. Gastaram absurdos, ainda estão devendo, e o cidadão comum continua sem os serviços básicos de qualidade”.
O grito das ruas
Foi nos acontecimentos das ruas, em 2013, que a banda reviu a juventude – muitos nem nascidos na época da composição – entoar Zé Ninguém, um dos hinos pedindo o impeachment do presidente Collor. “E cantou também no da Dilma”, relembra.
Incentivada pelas manifestações, a banda deu início às letras de Me Leve sem Destino, e chama a atenção Livre que, conta, já falava desse patrulhamento ideológico nas redes. “É uma reflexão bem contemporânea dos acontecimentos. Por isso, a gente pensou que fosse ter uma repercussão bem maior. Não estourou. Rádios não têm interesse em tocar esse tipo de música”.
Na atualidade, as músicas não cumprem o seu papel para a conscientização das pessoas. Ele critica o que chama “moda da dominação”. “O que faz sucesso hoje é a letra fútil. A que tem balada, encher a cara, pegação, ostentação, o eu me dou bem e você, não”.
Afastada daqui desde 2004, a Biquini Cavadão está ansiosa. Bruno, Álvaro (bateria), Carlos (guitarra) e Miguel (teclado) vibram cada vez que mais um show é fechado. Amam a estrada e o palco.
“Acostumamos com a divisão entre profissão e família. No meu caso, minha esposa canta. Quando dá eu a acompanho nos shows e vice-versa. Se der, levamos os filhos”.
De Santos, as lembranças são muitas. “Fizemos shows memoráveis na praia, no Caiçara Clube, na Heavy Metal e no Moby. Estamos curiosos de como será a recepção”.
Serviço – Ingresso de R$ 35,00 a R$ 100,00. A Capital Disco fica na Av. Francisco Glicério, 206, Campo Grande, Santos.