RICARDO AMARAL
Ladies and gentlemen: Simon and Garfunkel! Pela primeira vez eu assistia ao vivo, desde o Central Park para a salinha de TV , embaixo do meu escritório na Rua Ceará. 1987. Eu começava o namoro que definiu a família que tenho hoje e foi ela, Vera, que levou o VHS. Que coisa mais linda. Até aquele momento, Simon e Garfunkel não passavam de Mrs. Robinson e Bridge Over Trouble Water, que para mim era Elvis. Dá pra entender..?
Este concerto não era apenas um apanhado de hits da dupla para ganhar dinheiro em NY. Era o reencontro, sem ensaio, de dois grandes amigos que viram-se afastados e brigados pela maldição do sucesso. No início, quase não trocam olhares, mas para quem já dividiu o palco com alguém tão marcante, de pouco em pouco, esses mesmos olhares se encontram, sorrindo, irremediavelmente pela alegria de ver sair novamente um som único; inigualável e incomparável: Simon e Garfunkel!
Lógico que o meu batizado em S&G, tardiamente, fez de mim o mesmo crente afetivo de sempre. E lá fui eu à procura da discografia. Paul Simon e Art Garfunkel eram amigos de infância. Ambos com as famílias frequentando a mesma Sinagoga, no Brooklyn.
Formaram juntos o Tom and Jerry, em 1957, emplacando um sucesso já com a música Hey, Schoolgirl. Mas foi em 1965, já como Simon e Garfunkel, que estouraram com The Sound of Silence, em minha modesta opinião o hino poético da cidade de Nova Iorque.
O som do silêncio é um clássico da poesia americana, a inspirar professores e alunos na interpretação teatral, de quase um roteiro, do vagar solitário e notívago pelas ruas frias da Grande Maçã, a soltar fumaça por seus bueiros.
Haveria necessidade de um longo e dedicado texto técnico sobre a obra desta dupla, mas me fixarei em minhas preferidas, em razão da poesia, sempre.
Scarborough Fair é como um quadro de Monet, no qual se pinta a cena de forma tão raramente perfeita, que sentimos os cheiros; ouvimos as pessoas e sentimos o clima.
“Você vai à feira de Scarborough?
Salsa, sálvia, alecrim e tomilho
Isso me lembra alguém que vive lá
Ela outrora foi o meu verdadeiro amor
Diga a ela para me fazer uma camisa de cambraia
(Uma colina na profunda floresta verde)
Salsa, sálvia, alecrim e tomilho
(Rastro de pardal Na crista de neve marrom)
Para quem já leu impressionistas na escola (ou depois), como Machado de Assis, a retratar Helena; Raul Pompéia, a detalhar os ambientes do Ateneu ou Joaquim José de Macedo, a pintar o quadro do entardecer em Paquetá, Scarborough Fair remete-nos a idêntica sensação e suavidade. Sim, a suavidade da canção e da voz terna e triste de Art Garfunkel, sem a qual a poesia de Paul Simon se perderia completamente. É como esperar a simbiose perfeita entre a arte e a razão; entre a letra e a música.
A influência mais evidente na obra de S&G vem dos Everly Brothers, dupla de irmãos que jogou o folk americano pela primeira vez nas paradas de sucesso e de quem regravaram Wake up Little Susie. Me and Julio down by the school yard é reinvenção do estilo Everly Brothers por Paul e Art.
Mas foi em 1968, quando retrataram o ambiente sonoro em The Graduate (com a tradução absolutamente spoiler de A Primeira Noite de um Homem) que a dupla atingiu o primeiro lugar da Bilboard com Mrs. Robinson.
O álbum Bridge Over Trouble Water (1970) além da espetacular canção título, eternizada por Elvis Presley, traz a biográfica The Boxer, mais uma balada folk com uma poesia triste e melancólica. Das imagens poéticas de NY, este trecho aponta com delicadeza a decepção urbana e os encantos promíscuos da cidade:
Asking only workman’s wages
I come looking for a job
But I get no offers
Just a come-on from the whores
On Seventh Avenue
I do declare
There were times when I was so lonesome
I took some comfort there, le le le le le le le
A confissão da tristeza e da solidão que o levam à companhia das prostitutas da 7ª. Av. traz um lirismo poético emocionante. A veia poética de Paul Simon já revelava sua internacionalidade, que começa com a versão do clássico altiplatino de El Condor Passa e com a quase afoxé Cecilia.
Mais tarde, já na carreira solo, Simon estarreceu o mundo pop com Graceland, um disco indispensável pra quem ama as raízes africanas na música instrumental. Garfunkel percorreu uma carreira discreta, como ele sempre foi, mas com a mesma voz angelical que fez da dupla um dos maiores sucessos da música americana.