RICARDO AMARAL
Após o retorno dos Beatles da Alemanha, em sua segunda temporada em Hamburgo, Brian Epstein, o dono de uma loja de discos e aparelhos de som, passou a empresariar aquela que viria a ser a maior e mais bem sucedida banda de rock da história.
Após a recusa da Decca Records em gravar o grupo (se arrependimento matasse…), Brian conseguiu uma audição no estúdio Abbey Road, do selo EMI, na rua homônima, em Saint John’s Wood, Londres. A Parlaphone seria a companhia a patrocinar o primeiro compacto simples dos Beatles.
A música escolhida por John e Paul foi Love me do, tendo o lado B PS I love you, ambas compostas pela dupla.
Love me do é uma valsinha com letra de Paul MCartney e música de John Lennon.
Ambos compuseram-na no ano de 1958, em uma manhã que cabulavam aula juntos. Paul escreveu a letra simples, de rimas paupérrimas para sua namorada de então, Iris Caldwell. Paul tinha 16 anos e John 17. Há tanta estória sobre as gravações, que me aterei àquilo que acredito interesse. Mitos e lendas sobre os Beatles sempre me causaram irritação profunda.
A banda, à época, tinha Pete Best na bateria, considerado o melhor baterista de rock em Liverpool e o galã da banda. Seu estilo James Dean era um colírio para os olhos femininos. Stuart Sutclife, baixista que antecedeu McCartney, havia deixado a banda para ficar em Hamburgo, com sua noiva Astrid, primeira fotógrafa do grupo e por quem Lennon se apaixonara e para quem ele compôs Girl, lançada apenas em 1966 no álbum Rubber Soul.
Paul era guitarrista e assumira o contrabaixo para que não houvesse alteração no quadro de músicos. Desta decisão, e sendo vocalista, Paul passou a fazer a base baixa exatamente no fraseado das canções, criando uma forma totalmente inédita de conduzir o instrumento, no caso, o Hofner que se transformou num mito.
A banda já havia tocado Love me do em Hamburgo e sua aceitação pelo público definiu a música como “carro chefe”.
Love me do têm apenas quatro acordes. A harmônica tocada por Lennon na canção ele roubou em uma loja em Arnhen, na Holanda, a caminho da Alemanha. O vocal era para ser sempre em dupla (terça e oitava) com Paul, mas na gravação, como a entrada do vocal é imediatamente seguida da gaita, Paul segura o vocal sozinho. John teve seus lábios amortecidos pela gaita e teve que parar várias vezes a gravação.
Love me do tem um pitoresco detalhe. Tentem pegar um violão, ou mesmo cantarola-la. O vocal jamais será o reproduzido na gravação. O duo vocal de Lennon e McCartney transforma-se num uníssono único, que transformou a música numa espécie singular de composição.
A ideia de Epstein era lançar How do you do it, composição de Mirch Murray, mas aí entra a primeira mão do produtor que viria a ser conhecido como “o quinto Beatle”: George Martin, que preferiu lançar uma composição da dupla e acertou na mosca. How do you do it foi o hit que lançou Gerry and the Pacemakers, grupo conterrâneo dos fab four.
A canção é a única dos Beatles a não ter uma versão estéreo. Mesmo a gravação que entrou para o LP Please please me é monoral.
E aqui começam os fatos interessantes sobre Love me do. Há três versões da canção, com três bateristas diferentes. Quando Pete Best começou a tocar no estúdio, George Martin já estava convencido que ele não tinha disciplina e atropelava a banda com viradas e com o chimbal sempre aberto, aparecendo mais do que devia, achava Martin.
O quinto Beatle exigiu a troca de baterista, o que irritou profundamente a Lennon. Richard Starkey, ou Ringo Starr, foi chamado para compor a banda, deixando o grupo Horry Storm and the Hurricanes.
Assim, o primeiro tape de Love me do tem Pete Best na bateria e jamais foi lançado, a não ser no álbum Anthology I. Ringo faz a bateria no single da canção. Como decidiu-se lança-la como single, Martin optou por gravar uma nova versão para o álbum. Nela, chamou o bateria do estúdio, Andy White. Ringo toca pandeiro nesta versão.
A Parlophone recusou-se a investir no compacto e distribui-lo nos EUA. Seu lançamento se daria quase um ano após lançado na Inglaterra.
PS I love you, o lado B, é uma composição exclusiva de McCartney (embora tenha, por questões contratuais a co-autoria de Lennon, como todas). Composta em 1962, também na Alemanha, PS I love you é mais uma das canções que traz os termos I, you, me e love, considerados por muitos linguistas a mais forte característica que uniu os Beatles a seu público durante a Beatlemania.
Selecionada, logo após o descarte de How do you do it, para ser o primeiro single da banda, foi vetada por Epstein ao tomar conhecimento do lançamento de uma canção homônima por Peggy Lee. Acabou acompanhando Love me do e foi inserida também no LP Please please me.
Neste último domingo, no meu décimo concerto de Paul McCartney, ele executou a Love me do exatamente como lançada, inclusive segurando a oitava mais alta. Foi emocionante ouvir um estádio inteiro canta-la inteirinha.
Love me do é um marco na história do disco, mas era apenas o começo…