O ano não tem sido fácil para os roqueiros da Baixada Santista. Depois de perdermos Johnny Hansen, da Harry, mais um vocalista marcante do nosso cenário partiu para o outro plano. No início de outubro, Rodrigo BVevino, o BV, faleceu aos 42 anos, na Inglaterra, após curta e difícil luta contra um câncer no pulmão.
Com passagens marcantes pelo Last Joker, Carnal Desire, Avenger, Maiden England, Dr Die, Big Fish, Dreamland, Kvork e tantas outras, o santista sempre se destacou pela dedicação e sua técnica vocal.
O último contato que tive com o Rodrigo foi em maio, quando fiz uma reportagem sobre músicos santistas que tiveram passagens por bandas consagradas no Brasil e no exterior. Sempre muito solicito, não hesitava em responder nada, comentava de tudo.
À época, ele brincou que havia soltado com exclusividade uma notícia que ainda não poderia ter sido divulgada. Era a sua entrada no Def Con One, banda do Antton Lant (ex-baterista do Venom e irmão do Conrad Lant, o lendário Cronos, do Venom).
Rodrigo falava com muita empolgação sobre os seus projetos e bandas. No Last Joker, acompanhando o amigo de longa data Miguel Mega, ele parecia viver um momento único.
“Falar da minha amizade com o BV é muito especial porque volto 30 anos atrás, eu com 17 anos, ele com 11, uma fase pré-Last Joker. Ele era bem novo, acompanhava a gente e ficou muito interessado por guitarras, bandas. Começou a ouvir várias do metal, do Iron Maiden ao Kiss, Dio, Black Sabbath. Quando viu o Last Joker montado, ele criou o Dr Die, no final dos anos 1980, início da década de 1990. Ele chegou a ser roadie da banda por um tempo”, comenta Mega.
O guitarrista acredita que, de certa forma, influenciou o BV com a música. “Ele morava em frente ao ponto de encontro da galera que já tinha banda. O fato de sermos mais velhos, estarmos por ali, isso o influenciou a querer entrar na música”.
Antes de trocar Santos pela Inglaterra, Mega conta que chegou a gravar dez sons inéditos do Last Joker com o vocalista original da banda, Cristopher Clark, vencedor do X Factor Brasil, mas teve que produzir mais depois.
“Quando cheguei aqui com esse trabalho, o tempo passou e o material estava velho. Passei a compor e cheguei ao Ulterior Motives, o disco que gravamos na Inglaterra. Nesse período, o BV já estava aqui e conversei com ele para fazermos isso juntos. Ele tinha algumas dúvidas, não sabia se tinha cacife para substituir o Cristopher, que é um monstro de vocalista. Mas sempre fui um apoiador da ideia. Pedi para ele cantar e ele deu uma signature para as faixas, não era algo copiando o Cristopher. Gostamos demais do resultado final”, relembra.
https://www.youtube.com/watch?v=W7Zt1kaCOFg
A luta pela consolidação da sua carreira no Reino Unido é uma marca que Mega jamais vai esquecer. E o legado disso é a criação do festival RodFest, que vai acontecer anualmente na O2 Academy, uma das principais casas de shows de Newcastle, importante cidade inglesa. A primeira edição está agendada para 10 de janeiro de 2018.
“O Rod estava sempre buscando as oportunidades, era um cara incansável. Ia ensaiar em Newcastle, voltava, pegava uns 50 minutos de estrada sempre. Batalhou demais pelo espaço dele aqui, respeito demais tudo que conquistou. O RodFest é uma realização de um dos organizadores do O2 em Newcastle”.
A carreira
Rodrigo BV começou sua carreira em Santos, no início dos anos 1990, como guitarrista da banda Dr.Die, que teve uma breve vida, se mantendo até 1992 apenas. Depois migrou para a Big Fish, em 1993. Entre 1994 e 1997, deu um tempo na música.
Quando retornou ao palco, veio com a banda Dreamland, onde permaneceu até 2003, chegando a abrir o show para a banda alemã Primal Fear.
“Organizei o show do Primal Fear na Mythos (extinta casa noturna de Santos) e foi ali que conheci o Rodrigo BV. Sempre foi um cara educado, divertido, intenso, que queria tocar, produzir”, recorda o produtor Luiz Fernando Alves Lima.
Antes de seguir para o Reino Unido, BV ainda montou o The Ripper (cover do Judas Priest) e integrou o Carnal Desire, com o carismático Tarso Wierdak dos Santos.
Seus últimos projetos na região foram com a prog metal Kvork e o único cover do Nevermore no Brasil, o Born.
Mudou-se para a Inglaterra em 2008. Assumiu o baixo da Thick Skinned e, na sequência, o vocal das bandas Life Crisis e Maiden England, o primeiro cover inglês do Iron Maiden.
A fase inglesa do santista ainda rendeu um período de quatro anos como vocalista da Avenger (leia mais abaixo), mais três como frontman do Abaddon, além do encontro com o amigo Miguel Mega no Last Joker.
FRASES MARCANTES DO VOCALISTA
“Penso, começo uma frase e já faço a música de uma vez. Sempre faço em inglês mesmo, porque o bom rock tem que ser em inglês. A gente vai se condicionando à língua ao escrever a letra. As bandas que eu gosto cantam em inglês, as principais influências têm esse idioma, não teria como ser diferente”.
Ao explicar as composições (2013)
Não sofri nenhum precocnceito e nem demorei para conquistar o meu espaço na Inglaterra. Pelo contrário, eles elogiam bastante o Brasil. O tratamento é top comigo, o tempo todo. Eles só não entendem porque faço heavy metal se nasci na terra do samba. Normal esse tipo de questionamento.
Chegada ao Reino Unido (2013)
https://www.youtube.com/watch?v=zbpzoerNwUg
Agora eu tenho um filho de 7 anos (Enri) que nasceu aqui e é todo condicionado a viver no Reino Unido. Eu não penso em voltar para o Brasil tão cedo. Preciso pensar que tudo que faço agora gira em torno dele. Sinto saudades de muitas pessoas no Brasil, mas a minha vida está estabilizada por aqui. Não tenho por que mudar”.
Sobre a vida na Europa (2017)
LEMBRANÇAS DOS AMIGOS
“Conhecia o BV há anos por meio das bandas. Era um ótimo guitarrista e um ótimo vocalista também. Sempre foi um músico super determinado. Quando colocava uma coisa na cabeça, ele ia até o fim. Era perfeccionista. Chegava a ser chatinho, mas sempre foi uma pessoa boa”.
Tarso Wierdak, vocalista do Carnal Desire
“O que mais me chamava a atenção no trabalho do Rodrigo BV é o quanto ele amava aquilo que fazia e queria fazer sempre da melhor forma possível. Presenciei um show dele em que o pedal de voz estava com algum problema, enquanto ele não resolveu, ele não sossegou”.
Roberto Opus, vocalista do Opus Tenebrae
“Conheci o Rodrigo nos anos 1990, entre shows e bares. Sempre foi um músico daqueles chatos, perfeccionistas. Não dava mole para o erro. Ele sempre pensou alto e longe, foi um cara daqueles que a gente sabia que daria certo. Como amigo e como músico deixou uma gigantesca lacuna”.
Cesar Sanchez, produtor musical e amigo de Rodrigo BV
PRINCIPAIS BANDAS
Last Joker. Um dos principais nomes do hard rock santista no final dos anos 1980 e início da década de 1990, o Last Joker foi remontado na Inglaterra pelo guitarrista Miguel Mega. Rodrigo BV, que já estava vivendo no Reino Unido, foi anunciado como vocalista em 2015. Conseguiu imprimir o seu próprio estilo em uma banda que sempre teve como marca grandes vocalistas, como o santista Cristopher Clark, vencedor da primeira edição do reality show da Bandeirantes, X Factor Brasil, realizado no ano passado.
Avenger. Impulsionado em 1982 pelo movimento da Nova Onda do Heavy Metal Britânico (em inglês, NWOBHM), mesmo cenário que tinha o Iron Maiden como um dos cabeças, o grupo seguiu em turnês até 1986. Apenas em 2005, eles voltaram aos estúdios. Em março de 2012, os fãs consagraram Rodrigo em seu show de estreia na banda. Naquela oportunidade, em Newcastle, na Inglaterra, era uma legião de 30 mil espectadores entusiasmados acompanhando em coro o repertório do santista. Um momento mágico!
Carnal Desire. Na sex porno metal Carnal Desire, Rodrigo BV marcou época como guitarrista. Ficou na banda entre 2003 e 2007. Durante esse período, viveu momentos muito divertidos com o carismático vocalista
Tarso Wierdak dos Santos. Da mesma forma que teve momentos marcantes por lá, o músico também contribuiu na sonoridade da banda. Como sempre foi um instrumentista muito perfeccionista, conforme os próprios amigos citaram, elevou ainda mais a qualidade da banda.
Covers. Além dos trabalhos autorais e participação marcante em bandas consagradas no Brasil e Reino Unido, Rodrigo BV sempre manteve seus projetos de covers.The Ripper, cover fiel ao Judas Priest, foi um dos mais memoráveis para o público. Na Inglaterra, o vocalista assumiu o posto de frontman do Maiden England, primeiro cover oficial do Iron Maiden no Reino Unido e um dos mais celebrados no mundo. Com as composições dos outros ou nas próprias, o resultado sempre ficava acima da média.