Mesmo sem nunca ter admitido, os protagonistas do cenário hardcore santista, do final dos anos 1990 e início da década 2000, sabem que haviam certas divisões entre eles: straight edges (subgênero do punk e hardcore, surgido nos anos 1980 e que defende a abstinência de entorpecentes e defende a vida animal), skinheads, punks, roqueiros em geral. Quase todos viviam em perfeita harmonia, mas alguns dos eventos eram quase que exclusivos para seus grupos.
Independentemente disso, os straight edges da região mantiveram (e mantém até hoje) uma cena equilibrada com várias bandas, shows internacionais e verduradas (eventos com shows, palestras, exposições e lanches veganos). E foi desse bolo que saiu a Face Forward, uma das representantes do hardcore old school santista.
Tudo começou quando dois dos integrantes, que tocaram no Unify, resolveram montar um projeto novo. “(O objetivo) era criar um hardcore old school, mas com pouco mais de peso, um som mais direto, além de evidenciar a temática straight edge, que todos da banda viviam na época”, explica Leonardo Motta, o Limão, vocalista da Face Forward.
A formação original da banda contava ainda com Filype (guitarra), Danielzinho (baixo) e Leôncio (bateria). O baterista Bueno também teve passagem no grupo.
“Apesar da brincadeira dos amigos de o Face Forward ser o Floorpunch Brasileiro (risos), a banda teve muita influência de Judge, Warzone, Youth of Today, 7 Seconds e Gorilla Biscuits”, lista Limão.
Em 2001, a Face Forward gravou uma demo (sem nome) em fita K7 com quatro sons. Mas foi no ano seguinte, com o CD-r For Those Who Still Believe, que a banda registrou seus principais sons. Além disso, soltou cinco faixas para o 3 way split From The Sand To The Sea, com as santistas Larusso e 100 Ilusões.
Os trabalhos autorais abriram espaço em São Paulo e eventos em outras cidades. “O meu predileto foi um festival de dois dias que rolou em 2002, em Belo Horizonte, o Posifest. A maioria das bandas tinha o hardcore old school influenciado de uma certa forma e foi um encontro de amigos do Brasil inteiro. Rolou Colligere, Invictus, Good Intentions, I Shot Cyrus, Odyssey, Cutting Edge, entre outras”.
Limão, entretanto, não esquece do primeiro passo da banda. Ele guarda com carinho as lembranças do primeiro show. “Foi muito especial também. Em 2001 abrimos para o Mukeka Di Rato, Make Your Choice, Drop Your Guns e D-Cups, no Armazém 7”.
Principal espaço para essa geração de bandas, o Armazém 7 foi palco de vários shows da Face Forward e aproximou os caras de outros nomes do hardcore santista.
“Nos divertimos pra cacete. Um amigo nosso chegou a quebrar um dente da frente porque como o chão ficava muito escorregadio por causa do calor infernal que fazia lá, ele caiu de cara e quebrou metade de um dos dentes da frente, foi hilário”, recorda Limão.
A Face Forward não era a única banda que levantava a bandeira do straight edge na região. Outros nomes também despertavam a atenção. Confira na sequência.
Brick by Brick
Três integrantes da Face Forward (Bruno Bueno, Felipe Ranieri e Daniel) ajudaram na criação de outra representante importante, a Brick by Brick. Nascida em 1998, a banda era influenciada pelo hardcore novaiorquino e o metalcore.
“Eu e o Bruno Bueno já tínhamos uma banda de hardcore melódico (Reflects), mas queríamos tocar algo mais brutal”, revela Gabriel Ardanuy, guitarrista e backing vocal. As influências da Brick by Brick eram Agnostic Front, Sick of it All, Gorilla Biscuits, Minor Threat entre outras.
Para dar mais peso no som, a Brick by Brick chamou um segundo guitarrista, função que foi preenchida em momentos diferentes por Henrique Cenoura (Shuffle), Cantifras (Larusso/Final Expression) e Tatá (Final Expression).
Straight edges, os integrantes realizaram boas apresentações em verduradas na Casinha (São Paulo). Outro momento importante foi no lançamento da demo do Não Repressão. “Lembro que estava cheio e a galera agitou bastante, mas não recordo das outras bandas”, diz. “Também teve um show com o Minoria Activa (Argentina) e Infect no Última Hora (São Vicente)”, completa.
No período que esteve em atividade, a Brick by Brick lançou duas demos: Union (1998) e Human Nature (1999).
Rising
Hardcore pesado, death e black metal eram alguns dos sons que permeavam a base da Rising, que teve início em 1997 e ficou marcada pelas suas participações em verduradas em São Paulo. Com uma carreira breve, a banda teve apenas um formação: Thiago de Jesus (guitarra), Junior (vocal), Dumbo (guitarra), Luis Felipe (bateria) e Zé (baixo).
“As verduradas em São Paulo sempre foram as principais plataformas para as bandas desse estilo no fim da década de 1990”, diz Thiago de Jesus.
A Rising ficou mais conhecida pelos shows. No estúdio, a única gravação foi uma demo ensaio. “Muito porca a gravação. Horrível, mas dá para ter uma noção razoável de como era o nosso som”, resume o guitarrista sobre o registro.
De acordo com o músico, a criatividade da banda ficava sob responsabilidade de Dumbo e Junior. “Eles eram extremamente criativos e continuaram sendo mesmo nas outras bandas que tiveram fora”.
Live by The Fist
A Live By The Fist surgiu em 2002 com a proposta de divulgar o estilo de vida straight edge nos moldes de bandas como Path Of Resistance, Point Of No Return e Nueva Etica, todas com três vocalistas, tal como a representante santista. As letras da banda abordavam temas em gerais, não somente limitados ao straight edge e o vegetarianismo.
“Acho que isso foi um fato marcante, pois muita gente gostava da banda, independente da ideologia. Acredito também que pela energia dos shows. Foi a banda que eu toquei que mais alcançamos coisas na época”, diz Leonardo Cantinfras.
A primeira formação contava com Bueno (bateria), Filype e Fabio (guitarras), Sandro (baixo), Thiago, Daniel e Leonardo Motta, o Limão, (vocais).
Na sequência, Daniel e Bueno saíram da banda. Fausto (bateria, ex-Condolência) e Leonardo Cantinfras (baixo, ex-Final Expression) Leonardo no baixo assumiram os postos. Sandro foi para o vocal, no lugar de Daniel.
“Com essa formação, gravamos nossa primeira demo em 2004 e posteriormente nosso primeiro CD, o No End In Sight. Na mesma sessão de gravação, aproveitamos para gravar os sons que saíram na coletânea Voices 2, organizada pelo selo Liberation”, recorda Cantinfras.
Entre idas e vindas, a Live By The Fist fez turnê internacional e despertou o interesse de pessoas do underground de todos os cantos do Brasil.
Final Expression
Exploração de animais em touradas, xenofobia, abuso sexual e tráfico de drogas eram alguns dos temas das letras da Final Expression, outra banda de Cantinfras, que se dedica quase integralmente ao cenário hardcore da região até hoje.
A Final Expression surgiu em 1997 e seguia a linha do hardcore nova-iorquino das bandas Sick Of It All, Madball e Biohazard.
Formada originalmente pelos irmãos Luis Felipe (bateria) e Luis Otávio (baixo), além de Leandro (vocalista), Fabio e Cantinfras (guitarras), a banda utilizava o som para expor sua revolta sobre os problemas do cotidiano, como a violência urbana e controle de mídia.
Uma demo tape, sem nome, chegou a ser gravada pela banda em 1998. O registro foi feito no Studio G, do ex-baterista da The Bombers e Rebel Heads, Estefan Ferreira.
“Gostávamos de tocar no Banana Grogue, no Canal 2, no antigo Banespa, onde tocamos ao lado da Deal Cards e Point Of No Return, e também no GRES Última Hora, no Itararé, em São Vicente”.
Inner Struggle
Um pouco antes do surgimento da Rising (citada anteriormente), uma outra banda fortemente influenciada pelo hardcore nova-iorquino apareceu no cenário, a Inner Struggle. Além do som parecido, as duas tinham em comum um integrante: o guitarrista Thiago de Jesus. Bandas como Madball e Dog Eat Dog, que se apresentaram em Santos nos anos 1990, eram algumas das influências, assim como Sick of it All, Earth Crisis, Strife e Vision of Disorder.
“O objetivo era tocar e se divertir. Éramos todos moleques de 17 e 18 anos”, diz Thiago, que tinha a companhia de Luis Plácido, Marques e Gemilson na formação original. Em outros períodos, Mário, Daniel Zangief e Fabinho (Surprise Box) também passaram pelo time da Inner Struggle.